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"Já levei muito livro na mochila para vender", lembra Djamila Ribeiro sobre as dificuldades de publicar livros no Brasil

Em entrevista ao Terra, a filósofa relembrou suas primeiras publicações e os desafios de ser uma escritora periférica e independente

16 nov 2023 - 05h00
(atualizado às 08h26)
Djamila Ribeiro na Feira Literária de Diadema
Djamila Ribeiro na Feira Literária de Diadema
Foto: Foto: Leonardo Oliveira

Antes de publicar os livros Quem tem medo do feminismo negro? e Pequeno manual Antirracista, Djamila Ribeiro seguiu o mesmo percurso que muitos escritores periféricos e independentes no Brasil, fazendo vaquinhas online e carregando suas obras por aí, com a esperança de que seu trabalho fosse notado.

“Eu já levei muito livro na mochila para vender nos eventos pelo País e me orgulho muito de poder contar essa história. Foi dessa forma que eu consegui mostrar o meu trabalho para mais pessoas”, contou Djamila em conversa com o Terra, que entrevistou a filósofa e escritora na Feira Literária de Diadema (FLID), realizado mês passado no município de São Paulo.

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Segundo a filósofa, no início de sua jornada, quando ainda não possuía um contrato com uma editora, ela começou a realizar lançamentos em espaços públicos para conseguir publicar outras edições.

Na entrevista, Djamila ressaltou que essa foi uma estratégia que a autora encontrou no início da carreira para contornar o sistema, permitindo que ela conseguisse publicar mais livros, sem ceder uma grande porcentagem às livrarias, na época.

Sonho ou pesadelo?

O sonho de escrever um livro pode se tornar um pesadelo quando a obra está pronta e chega o momento da publicação. Muitos autores independentes esperam por uma resposta de uma editora tradicional por anos e em muitas das vezes, quando ela vem, acaba sendo negativa. 

As razões pela negativa são inúmeras, mas geralmente as justificativas recebidas pelos autores são: obra fora da linha editorial e grande número de originais sobre o assunto.

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“Sonha! Só não deixe o sonho morrer na fronha!”. Essa frase presente na música Sonhos, do escritor, professor, poeta e MC Renan Inquérito, serve como inspiração diariamente para muitos escritores periféricos.

Mirione Azevedo, 32 anos, é a prova disso. Em período integral, trabalha como professora em uma escola da Rede Estadual do Estado de São Paulo, é bolsista e pesquisadora em um programa de pós-graduação em educação na Universidade Metodista de São Paulo durante a manhã e, no "tempo livre", mantém vivo o seu sonho de escritora.

Autora Mirione de Azevedo na Bienal do Livro
Foto: Foto: Divulgação Mirione

Entre uma aula e outra, uma pausa para corrigir, planejar e estruturar as aulas de química. Sempre que ‘sobra um tempo’, a escritora relata tentar escrever ou rascunhar histórias de ficção não ficção. "Eu tenho que rascunhar pelo menos meia página por dia. Nem sempre consigo devido às demandas diárias. É muito difícil conciliar a vida pessoal, profissional e de estudante ao mesmo tempo", detalhou.

Recentemente, a autora publicou seu primeiro livro em plataforma digital, sem recursos para remunerar uma equipe precisou fazer quase todo o processo sozinha [roteiro, diagramação, revisão, divulgação e publicação], a única coisa que conseguiu ajuda para finalizar seu livro de contos Agora me Encontrei foi na ilustração da capa. 

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Apaixonada pela leitura e por livros físicos desde criança, Mirione relembra como iniciou na escrita. “Eu comecei a escrever no ensino fundamental. Na época eu sofria muito bullying na escola e essa foi uma forma de conseguir expressar o que eu sentia. Nas minhas histórias, o meu cabelo crespo era o mais bonito de todos e a minha pele era endeusada. Eu me sentia feliz escrevendo aqueles contos”, relembrou Mirione. Hoje, um dos objetivos da professora é conseguir recurso através de um edital público ou 'vaquinhas online' para realizar a impressão de seu primeiro livro.

Do edital para as prateleiras

Estudante de história da Universidade de São Paulo (USP), Adilson Teyu é escritor independente desde sua adolescência. Hoje aos 31 anos, já conseguiu realizar a impressão de dois livros físicos. 

Para conseguir chegar ao produto final, inscreveu seu projeto em diversos editais públicos e para autor, mesmo sendo aprovado, o processo é bem difícil e muitas vezes depende de “sorte”

"Já vi amigos redigindo projetos para várias chamadas, porém, muitas vezes, não são aprovados. Acredito que, em grande parte, o resultado de um edital é determinado pela sorte. É como um jogo de azar no qual nem sempre se conquista a vitória", diz Teyu.

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Escritor independente Adilson Teyu na Feira Literária de Diadema
Foto: Foto: Leonardo Oliveira

O autor também explica que acessar um edital para publicação de um livro físico é só o primeiro passo em uma jornada longa e cheia de desafios. “O primeiro edital que eu consegui, recebi uma verba de R$ 5 mil. Com esse dinheiro tive que pagar as impressões da gráfica, um diagramador e um ilustrador. Não lucrei nada com esse projeto, mas consegui pagar meus amigos e colocar meu livro nas prateleiras”, explicou. 

Para autores independentes, que não dispõem de assessorias nem de grandes equipes, e carecem do respaldo de editoras, a publicação frequente de livros torna-se um processo consideravelmente mais lento e desafiador. Dependendo unicamente de campanhas de doação ou de editais públicos, isso acaba por restringir o progresso dos escritores, os quais frequentemente veem seus sonhos permanecerem apenas registrados em um caderno.

Editora independente 

Escritor e fundador da editora e livraria independente LiteraRUA, Toni C também é conhecido nacionalmente pela escrita da biografia do rapper Sabotage e pela edição dos livros de Emicida e de sua mãe Dona Jacira. Em entrevista para a equipe de reportagem do Terra, Toni relatou que pensou nesta iniciativa justamente para compartilhar desafios e tornar obras de outros autores viáveis e acessíveis.

“Foi em uma conversa comigo mesmo que descobri que podia não apenas publicar a mim mesmo, mas também outras pessoas, colegas com diferentes temáticas, até mesmo temáticas semelhantes. Acredito que a editora surgiu com o propósito de superar essas dificuldades e obstáculos que muitas vezes tornam a literatura menos acessível às pessoas nas periferias. Nosso objetivo é democratizar a literatura", disse.

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O fundador da editora, que também já levou muitos livros na mochila para vender em eventos, conta que hoje seu propósito é ser a mochila de outros escritores. Hoje, com mais de duas décadas trabalhando com grandes nomes do hip-hop e da literatura, Toni acredita que é muito importante que esses escritores independentes comecem a dar outros passos em suas carreiras para não ficarem dependendo somente de editais e campanhas de doação para publicar suas obras.

“Muitas vezes, a única maneira para um autor se estabelecer é começar com a primeira publicação por meio de um edital. No entanto, essa não pode ser a única abordagem”, observou.

Toni C, fundador da LiteraRUA, exibindo seu livro '50 anos de Hip-Hop'
Foto: Foto: Divulgação Toni C

Transformação

Para Toni e Djamila, que cresceram ouvindo Racionais MCs e com influências diretas do hip-hop ao samba, ampliar o acesso à literatura das pessoas que vem de periferia é uma missão que está explícita diariamente em cada fala em evento ou livro publicado.

“Hoje percebo que os alunos das periferias estão cada vez mais se identificando com sua realidade por meio da música e literatura. É crucial que esses autores independentes das periferias não desistam de perseguir seus sonhos. A educação me transformou, o acesso aos livros me transformou e desejo que outras pessoas também passem por essa transformação", acrescentou Djamila.

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Fonte: Redação Terra
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