Quem é quem na reunião que sugeriu o 'gabinete paralelo'

Vídeo e depoimentos indicam que presidente pode ter recebido aconselhamento 'informal' de defensores de tratamentos ineficazes e críticos da vacina

8 jun 2021 - 05h10
(atualizado às 07h18)

A CPI da Covid retoma os trabalhos nesta terça-feira, 8, e deve focar a investigação na existência de um suposto "gabinete paralelo". Trata-se de um grupo extraoficial que aconselharia ações a serem tomadas pelo governo no combate à covid-19.

Senadores decidiram se concentrar neste tema após a divulgação de um vídeo na semana passada, pelo site Metrópoles, que mostra uma reunião entre defensores do tratamento precoce para a covid-19 e o presidente Jair Bolsonaro. A gravação repercutiu entre parlamentares da CPI por causa de uma fala do virologista Paolo Zanotto, que sugere no vídeo a formação de um "shadow cabinet", com integrantes que não fossem expostos publicamente, para aconselhar o governo sobre vacinas contra o coronavírus.

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Após a divulgação do vídeo, o vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que pretende convocar Zanotto e o agora deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) para prestarem depoimento à comissão. Para o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, as imagens comprovam a atuação do chamado gabinete paralelo.

Entenda quem estava na reunião ou foi mencionado no vídeo como integrante da iniciativa:

Osmar Terra

O ex-ministro da Cidadania Osmar Terra.
O ex-ministro da Cidadania Osmar Terra.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil / Estadão

Ex-ministro da Cidadania, o deputado federal Osmar Terra sentava ao lado de Bolsonaro durante a reunião, que ocorreu em setembro. As declarações no evento indicam que ele foi o idealizador do encontro entre representantes da Associação Médicos pela Vida, principal grupo de profissionais a apoiar o uso de remédios sem eficácia contra a covid, e Bolsonaro. Um participante da reunião se refere ao deputado como "padrinho" do grupo.

Ao longo da pandemia, Osmar divulgou dados imprecisos sobre o coronavírus na sua conta pessoal no Twitter em várias ocasiões. Entre as imprecisões que ele divulgou está a tese de que seria necessário expor a população ao vírus para alcançar a chamada "imunidade de rebanho". Ele também questionou a eficácia das vacinas e de medidas de distanciamento social, e usou exemplos que se mostraram incorretos.

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Paolo Zanotto

Biólogo e virologista, Paolo Zanotto é professor do departamento de Microbiologia da Universidade de São Paulo (USP). Na reunião do grupo Médicos Pela Vida com Bolsonaro, em setembro, ele sugeriu a formação de uma equipe de especialistas em vacinas para aconselhar o governo.

Zanotto ressaltou que não tinha interesse em participar do "shadow cabinet", expressão que usou para definir o grupo de aconselhamento, pois não era especialista em vacinas. No entanto, na mesma reunião lançou dúvidas sobre a eficácia das vacinas contra a covid-19 que, naquele momento, estavam em fase final de testagem.

"Com todo respeito acho que a gente tem de ter vacina, ou talvez não, porque o grande problema com os coronavírus é que eles têm, intrinsecamente, problemas no desenvolvimento vacinal", diz o virologista. "A gente não tem condições de dizer que tem qualquer vacina que poderia estar, realisticamente, no que eles chamam de fase 3. Isso é muito sério."

Meses depois, porém, países com programas de vacinação em massa observaram queda expressiva no número de casos e mortes por coronavírus. É o caso de Israel - que hoje tem mais de 60% da população vacinada e deixou de registrar mortes -, e algumas regiões dos Estados Unidos. Com mais de 57% dos adultos vacinados, a cidade de Nova York viu o número de casos cair 95% e, recentemente, ficou 24h sem registrar mortes por coronavírus pela primeira vez desde o início da pandemia.

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Nise Yamaguchi

Especializada na área de oncologia, a médica Nise Yamaguchi foi convidada pelo presidente para integrar o gabinete de crise de combate ao coronavírus, em abril do ano passado, e participou de reuniões do governo para debater políticas de combate à pandemia. Na semana passada, ela prestou depoimento na CPI da Covid e disse que chegou a discutir a formação de um "conselho científico independente", sem vínculo com o Ministério da Saúde.

Em seu depoimento, Nise também disse que o advogado Arthur Weintraub, ex-assessor da Presidência, tinha o papel de "unir dados" para esse aconselhamento informal.

Na época em que foi convidada para o gabinete de crise, a oncologista deu declarações à imprensa confirmando que seu papel era reunir a produção científica sobre a cloroquina e liderar um processo de flexibilização das regras sobre a substância. Ela afirmava que a finalidade era permitir que médicos tivessem a liberdade de prescrever o medicamento para covid-19.

A especialista também foi cotada para assumir o Ministério da Saúde em duas ocasiões: na saída de Nelson Teich, em maio de 2020, e na saída de Mandetta, um mês antes.

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Arthur Weintraub

Ex-assessor da Presidência da República, o advogado Arthur Weintraub foi citado como um interlocutor entre o governo e especialistas que defendem o tratamento precoce e o uso da cloroquina para o tratamento da covid-19. Ele também gravou vídeos em que diz ter recebido orientação do presidente Jair Bolsonaro para "estudar" o tema, e que passou a conversar com profissionais da área da saúde, entre eles Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto.

Arthur admitiu, em outro vídeo, que aconselhou Bolsonaro sobre medicamentos a serem usados contra o coronavírus. Ele negou, entretanto, que sua atividade se caracterizasse por organizar o que vem sendo chamado pelos senadores da CPI da Covid como "gabinete paralelo".

"Eu não organizei gabinete, eu fazia contatos científicos e trazia informações pro presidente. Dentro disso, eu fiz um evento, em agosto de 2020, no Palácio do Planalto, porque eu acabei tendo contato com em torno de 10 mil médicos de linha de frente", disse Weintraub.

Antônio Jordão

O oftalmologista Antônio Jordão, presidente da Associação Médicos pela Vida, ao lado do presidente Bolsonaro
Foto: Reprodução/Facebook / Estadão

O oftalmologista Antônio Jordão é presidente da Associação Médicos Pela Vida, e também sentou-se ao lado de Bolsonaro durante a reunião no Planalto, em setembro. Jordão coordena o principal grupo de promoção do tratamento precoce, com uso da cloroquina e da ivermectina, contra a covid-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) já divulgaram notas que desaconselham o uso desses medicamentos.

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Na reunião, Zanotto entregou a Bolsonaro um manifesto de apoio à condução da pandemia pelo governo federal, que continha também sugestões para a adoção de novas medidas. Uma das reivindicações que o grupo fazia, à época, era que medicamentos para o suposto tratamento precoce da covid-19 fossem distribuídos em farmácias e na rede pública. Na lista estavam substâncias já testadas e que se mostraram inócuas para combater a covid-19.

O Estadão mostrou, em abril, que a Médicos Pela Vida recebe apoio técnico de um grupo empresarial que fabrica a ivermectina. A ligação entre a entidade e a empresa pode configurar conflito de interesse, segundo o Código de Ética Médica. De acordo com o documento, é vedado ao médico "deixar de declarar relações com a indústria de medicamentos, órteses, próteses, equipamentos, implantes de qualquer natureza e outras que possam configurar conflitos de interesse, ainda que em potencial".

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