Suco de beterraba não é 'remédio caseiro' contra Alzheimer

DOENÇA NÃO TEM CURA; PREVENÇÃO INCLUI MANTER HÁBITOS SAUDÁVEIS, COMO FAZER EXERCÍCIOS E COMER BEM

18 dez 2025 - 16h15

O que estão compartilhando: vídeo em que um médico ensina uma receita de suco de beterraba com maçã, limão e gengibre, com a alegação de que seria um remédio caseiro contra a doença de Alzheimer. Ele utiliza como referência um artigo científico publicado em junho deste ano na revista Nitric Oxide (em português, Óxido Nítrico).

Em vídeo, médico distorce artigo científico ao recomendar suco de beterraba como remédio para Alzheimer
Em vídeo, médico distorce artigo científico ao recomendar suco de beterraba como remédio para Alzheimer
Foto: Reprodução/Instagram / Estadão

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso, pois o estudo mencionado não teve como objetivo avaliar se o suco de beterraba melhora sintomas ou previne a doença de Alzheimer. A pesquisa testou se o suco de beterraba poderia aumentar a disponibilidade de uma molécula que dilata os vasos sanguíneos, mas os resultados não foram positivos. O Alzheimer é incurável, progressivo e multifatorial. Para prevenir a doença, a recomendação é manter hábitos como praticar atividade física de forma regular, manter uma alimentação saudável e dormir bem.

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Procurado, o cirurgião vascular Daniel Benitti, autor da postagem, enviou à reportagem informações sobre a hipótese de que o óxido nítrico pode ter um papel relevante na doença de Alzheimer. Ele não comentou sobre ter utilizado como referência um artigo científico que não apresenta evidências de que o suco de beterraba seja um tratamento para a doença.

Saiba mais: O vídeo alcançou mais de 2 milhões de visualizações no Instagram. O conteúdo promete um "remédio caseiro para Alzheimer", mas não há evidência científica que o suco de beterraba sirva para isso. O estudo citado pelo médico, intitulado em português "O aumento da disponibilidade de óxido nítrico através da ingestão de suco de beterraba rico em nitrato melhora a resposta vascular em indivíduos com doença de Alzheimer", não faz essa recomendação..

O que o estudo citado na publicação investigou?

O estudo citado no vídeo buscou avaliar a biodisponibilidade do nitrato e do nitrito, ou seja, o quanto dessas substâncias presentes no suco de beterraba são absorvidas pelo organismo e conseguem agir no corpo. É o que explica o neurologista Gustavo Melo, que é presidente do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Envelhecimento Cerebral (Nudec) e coordenador clínico da BioAz (Estudo Brasileiro em doença de Alzheimer.

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O suco de beterraba é rico em nitrato, que após ser ingerido é transformado pelo organismo em nitrito e, posteriormente, em óxido nítrico. Essa última molécula tem efeito vasodilatador. A partir disso, o objetivo foi verificar se esse processo contribui para a dilatação dos vasos sanguíneos, com potencial ganho para a saúde vascular.

A pesquisa foi realizada com um total de 30 pessoas. Os participantes foram divididos em três grupos de 10, compostos por pacientes com provável diagnóstico de Alzheimer, idosos saudáveis e adultos jovens. Em sessões separadas, os participantes receberam tanto uma dose única de 70 ml de suco de beterraba quanto um placebo (bebida semelhante, mas sem o efeito ativo esperado).

De acordo com Melo, os pesquisadores não conseguiram confirmar a hipótese de que os pacientes com Alzheimer conseguiriam absorver mais nitrito e nitrato. Os cientistas esperavam que a ingestão do suco melhorasse a dilatação das artérias e o fluxo sanguíneo.

"Essa era a hipótese, mas ela não foi confirmada", disse.

O neurologista observou ainda que o objetivo do estudo é completamente diferente do que afirma o vídeo no Instagram.

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"[O objetivo] era entender quanto o suco fornece de nitrito e nitrato no sangue, e se isso tem relação com a melhora vascular", explicou. "Só que os resultados foram negativos, porque todos os três grupos absorveram igual".

"O estudo não tem esse objetivo de mostrar se o suco de beterraba melhora ou não o Alzheimer", pontuou Melo.

A geriatra Celene Pinheiro, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), reforça que os pesquisadores não recomendaram suco de beterraba como "remédio caseiro" contra a doença.

"Apesar de a gente ter um processo vascular relacionado às demências, a demência de Alzheimer, o estudo não viu um desfecho", afirmou. "Ele não fez um procedimento que resultou em uma melhora da cognição. [A recomendação do suco como remédio para a doença] é uma extrapolação".

Receita ensinada no vídeo não previne ou trata Alzheimer

Não há evidências científicas de que o suco ensinado no vídeo possa prevenir ou tratar a doença de Alzheimer, segundo explica o médico geriatra Leonardo Oliva, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). O Alzheimer é incurável, progressivo e multifatorial.

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Entre os fatores que podem prevenir a doença, Oliva destacou medidas como cuidar da saúde vascular, praticar atividade física de forma regular, manter uma alimentação saudável, manter o peso adequado, não fumar, não beber, controlar o estresse, cuidar da pressão arterial, do diabetes, do colesterol e dormir bem.

"Esses fatores sabidamente já foram associados com a prevenção da doença de Alzheimer em estudos recentes e muito bem publicados", disse. "Muito diferente de um estudo inicial que mostra apenas que tomar suco de beterraba aumenta o óxido nítrico. Isso é interessante, mas ele não chega mais em lugar nenhum", observou.

O estudo citado no vídeo enganoso é um trabalho pequeno, que não estabelece recomendação clínica, segundo a neurologista Marina Pozo. A médica comentou que o vídeo extrapola informações da pesquisa ao afirmar que o suco de beterraba pode prevenir o Alzheimer.

"Prescrever o suco para um paciente pensando em melhora nutricional é adequado, mas como alternativa terapêutica para a prevenção de uma doença grave, limitante e debilitante, não", disse.

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Uso do termo 'remédio' gera intenção de tratamento e pode induzir pessoas ao erro

Para o neurologista Gustavo Melo, usar a palavra "remédio" para descrever o suco pode induzir usuários não apenas a consumir a bebida acreditando que ela previne a doença de Alzheimer, como também levar famílias a investir em alternativas que não são relevantes para o tratamento.

"É uma questão muito séria. Eu, que pesquiso a doença de Alzheimer e que trato a doença, vejo famílias abandonando o tratamento convencional", alertou. "Mesmo quando não abandonam, que é o pior caso, gastam dinheiro em coisas que não são importantes para o tratamento, em detrimento de coisas que são importantes".

Melo acrescentou que todo paciente é vulnerável e que, por isso, discursos como o do "remédio caseiro" podem acabar ludibriando pessoas. Argumento semelhante foi apresentado pelo geriatra Oliva, que destacou que esse tipo de discurso acaba conquistando indivíduos fragilizados.

"Se eu tenho um caso na família, eu vou querer que meu familiar tome esse suco. Ou, se eu tenho medo de ter a doença, eu vou também fazer isso", comentou Oliva.

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Embora o suco recomendado como remédio seja inócuo, ou seja, não cause danos diretos à saúde, o contexto em que ele é apresentado tem potencial danoso para os pacientes.

"Mesmo tomar suco de qualquer coisa pode fazer mal e isso acontece. A gente tem como exemplo os chás naturais, de pessoas que entram em insuficiência hepática porque tomaram chá em excesso", recordou o geriatra.

Celene Pinheiro, da ABRAz, destacou que as pessoas não devem se iludir com fórmulas mágicas.

"Não existe uma fórmula, uma vitamina, um comprimido que vai resolver. Para a gente realmente ter prevenção de demência, temos que ter uma intervenção bem robusta em termos de estilo de vida", disse.

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