Regimes militares no Brasil, na Argentina, no Chile e no Uruguai cometeram crimes - este é um fato reconhecido oficialmente pelos governos democráticos que sucederam os ditatoriais. Abusos e violações de direitos foram extensivamente descritos por historiadores que coletaram documentos, testemunhos e até confissões. Nas redes sociais, porém, negacionistas se dedicam à desconstrução dessa memória ao disseminar narrativas em que números de desaparecidos e mortos são subestimados, algozes aparecem como heróis e a violência é justificada por guerras que não existiram.
Nesta quarta-feira, 10 de dezembro, que marca o Dia Internacional dos Direitos Humanos, as agências de checagem Estadão Verifica, la diaria Verifica (Uruguai) e Fast Check CL (Chile), que fazem parte do LatamChequea, rede latino-americana de checadores de fatos, publicam uma série especial de reportagens sobre as campanhas de desinformação que deturpam a história das ditaduras militares do chamado Cone Sul.
As mensagens, mesmo em diferentes países, seguem padrões parecidos ao negar os crimes dos regimes autoritários ou justificar o rompimento das normas democráticas. As principais narrativas que serão analisadas ao longo deste texto são:
Ameaça comunista - a alegação de que as intervenções militares foram necessárias para evitar a implantação de regimes coletivistas de inspiração soviética.Guerra entre dois lados - o argumento de que dois campos opostos cometeram excessos ao lutar pelo poder.Apagamento das vítimas - o questionamento dos registros de números de mortos e desaparecidos, com o objetivo de levantar dúvidas sobre a prática de abusos.
As vozes do negacionismo histórico são amplificadas ou até lideradas por políticos de direita que se projetaram na última década, como Jair Bolsonaro, no Brasil, Javier Milei, na Argentina, José Antonio Kast, no Chile, e Guido Manini Ríos, no Uruguai. Não se trata de afirmar que apenas um dos extremos ideológicos seja negacionista. Na esquerda também há quem negue as fartas evidências de que Cuba e Venezuela são ditaduras. Mas esta reportagem tem foco no Cone Sul e na tentativa de reabilitação de seus regimes militares.
Para monitorar publicações feitas nas redes sociais entre 2019 e 2025, as agências de checagem usaram palavras-chave semelhantes relacionadas ao tema entre 2019 e 2025, como "regime militar", "ditadura", "contragolpe", "falsa memória" e "desaparecidos". As pesquisas foram feitas nas redes sociais X, Facebook, Instagram, Threads, TikTok e YouTube.
As pessoas citadas nesta reportagem - Jair Bolsonaro, General Girão, Zé Trovão, Pastor Marco Feliciano, Coronel Christóstomo, Javier Milei, Victoria Villarruel, José Antonio Kast, Johannes Kaiser, Hermógenes Pérez de Arce, Gloria Naveillán, Guido Manini Ríos e Roque García - foram procuradas, mas apenas o deputado brasileiro Coronel Chrisóstomo e o militar uruguaio Roque García responderam. Chrisóstomo disse que "jamais foi favorável a qualquer tipo de regime ditatorial implantado no Brasil e que é totalmente favorável a um país democrático que defenda permanentemente o povo brasileiro". Já García afirmou que seria "uma canalhice" dizer que ele nega "a tragédia dos desaparecidos".
O fantasma do comunismo e as ditaduras como salvação
Nas redes sociais dos quatro países se encontra a narrativa de que os golpes militares perpetrados teriam evitado uma "ditadura comunista".