Luiz Fux criticou a competência do STF no julgamento do núcleo 1 da trama golpista, defendendo a anulação do processo e dividindo opiniões no tribunal e na política, com repercussão entre apoiadores de Jair Bolsonaro.
Após completar mais de três horas de exposição de argumentos, o ministro Luiz Fux tem dado novo ânimo aos bolsonaristas. Ele, que é o terceiro da Primeira Turma a votar no julgamento do núcleo 1 da trama golpista, iniciou sua exposição, nesta quarta-feira, 10, já defendendo a anulação do julgamento, por considerar que o Supremo Tribunal Federal (STF) não possui competência para julgar o caso.
Para Fux, ao se tornar ex-presidente, Jair Bolsonaro (PL) deveria ser julgado pela Justiça comum, em tribunais de primeiro grau.
"Concluo assim pela incompetência absoluta do Supremo Tribunal Federal para o julgamento deste processo, na medida em que os denunciados já haviam perdido os seus cargos. E, como é sabido, em virtude da incompetência absoluta para o julgamento, impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados", disse Fux, ainda no início da exposição de seu voto.
Ele considerou ainda que, mesmo que fosse o caso do processo ser julgado na Corte, o ideal seria que fosse julgado no plenário do STF, não somente pela Primeira Turma.
Antes mesmo de finalizar a leitura de seu voto, as falas de Fux geraram repercussão entre apoiadores do ex-presidente. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do réu, publicou que "Fux desmonta a narrativa de Moraes, expõe perseguição política e defende a anulação total do processo".
Um dos advogados de Bolsonaro, Celso Villardi, presente no plenário, comentou que o voto de Fux "lavou a alma".
Próximo das 13h, o ministro pediu uma pausa para o almoço --tendo já exposto ser contrário à alegação de que Bolsonaro e os outros sete réus formavam uma organização criminosa.
Veja os destaques da fala de Luiz Fux até aqui
Divergência de Fux a Moraes
Ainda na terça-feira, 9, quando o relator do processo, Alexandre de Moraes, iniciava seu voto, Fux o interrompeu, dizendo que iria levar ao plenário da Primeira Turma um debate sobre pontos do processo dos quais divergiu. A promessa foi cumprida nesta quarta.
Sem mencioná-lo diretamente, Fux alfinetou Moraes logo no início da leitura do seu parecer. Ele disse que o magistrado não deve ter função investigativa -- a fala pode ser relacionada com o que Moraes afirmou no dia anterior, quando defendeu que o juiz "não pode ser uma samambaia jurídica" e deve fazer perguntas nos interrogatórios.
Fux afirmou que o papel de produzir provas é do Ministério Público e não dos magistrados. “Como titular da ação penal, [o MP] tem o primeiro ônus de produzir evidências, diretas e indiretas que corroborem e põem firme as hipóteses acusatórias. [...] O juiz, por sua vez, deve acompanhar a ação penal com distanciamento, não apenas por não dispor de competência investigativa ou acusatória, como também, por seu necessário dever de imparcialidade”, declarou.
Em outro momento, também sem citar nomes, Fux disse que "o juiz que se faz mais severo que a lei se torna injusto".
Papel do STF
Em seguida, Fux começou a sua defesa de que o STF não seria o tribunal adequado para o julgamento do ex-presidente. Antes, ele havia feito uma análise do papel da Corte na divisão entre os Três Poderes.
"A missão precisa do STF é a guarda da Constituição, fundamento inabalável do Estado Democrático de Direito. Dessa ordem, irradia a promessa de igualdade entre todos os cidadãos perante a lei, sem distinções de identidade, de origem social, de condição econômica ou de posição política", disse. Ele complementou que o Supremo não poderia "realizar um juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado".
Crítica à celeridade e comparação com Mensalão
Fux concordou com o alegado pelos advogados dos acusados de que houve "cerceamento da defesa", em razão do alto número de provas vinculados ao processo e o pouco tempo que tiveram para elaborar seus argumentos. Segundo o ministro, até ele teve dificuldade em construir seu voto, devido à quantidade de denunciados, testemunhas e material probatório.
“Estou há 14 anos no Supremo Tribunal Federal, julguei processos complexos, como por exemplo o Mensalão, nossa decana [Cármen Lúcia] também esteve presente. O processo levou dois anos para receber a denúncia e cinco anos para ser julgado”, disse.
Ele citou que em fevereiro deste ano, a Polícia Federal havia apreendido 1,2 mil equipamentos eletrônicos dos envolvidos, extraído 255 milhões de mensagens de áudios e vídeos, e os peritos haviam produzido mais de mil laudos. O ministro apelidou a situação de "tsunami de dados".
Discorda de existência de organização criminosa
Fux também defendeu que uma reunião para discutir um plano de tentativa de golpe de Estado não caracteriza a formação de uma organização criminosa. "A imputação do crime de organização criminosa exige mais do que a reunião de vários agentes para a prática de delitos, a pluralidade de agentes. A existência de um plano delitivo não tipifica o crime de organização criminosa", disse.
De acordo com o ministro, os crimes associativos em geral, em que se incluem organização criminosa e associação criminosa, exigem para que sua caracterização apresente os requisitos da estabilidade e da permanência. "A consumação do delito de organização criminosa está condicionada efetivamente à existência de estabilidade e durabilidade", defendeu.
Mais uma vez, Fux relembrou o julgamento do Mensalão para embasar seu argumento. "Como já destaquei, no caso do Mensalão, este tribunal concluiu com maioria que a reunião de vários agentes, voltados à prática reiterada de crimes de corrupção ativa, passiva, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional, não preencheria a elementar típica concernente à série indeterminada de crimes. Razão pela qual foram os réus absolvidos dessa imputação de formação de quadrilha", afirmou.
Nega relação de acusados com 8/1
Passando para as acusações de dano qualificado e de dano ao patrimônio, Fux considerou que os réus não teriam relação com o que ocorreu no 8 de Janeiro, na invasão à sede dos Três Poderes, em Brasília.
"Não há provas nos autos de que os réus tenham ordenado a destruição. Pelo contrário, há evidências de que, assim que a destruição começou, um dos réus tomou medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido pelos vândalos. O réu Anderson Torres assim agiu", acrescentou o ministro ao analisar o crime de dano qualificado.
Outros réus
Luiz Fux também fez considerações sobre os outros investigados. Sobre Mauro Cid, delator do caso, o ministro acompanhou o relator e votou por aplicar ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro benefícios sugeridos pela Procuradoria Geral da República (PGR).
"Estou acompanhando a PGR nesse sentido, que sugeriu restituição de bens e valores pertencentes ao colaborador, extensão de todos os benefícios da colaboração aqui assegurados para seu pai, esposa e filhos do colaborador e ação da Polícia Federal, como evidente, visando garantir sua segurança e de seus familiares", defendeu.
Segundo as condições estabelecidas no acordo de delação, o tenente-coronel Mauro Cid pode ser beneficiado com:
- Perdão judicial
- Substituição da perda de liberdade por restrição de direito
- Redução em até ⅔ da pena privativa de liberdade
Além disso, Fux falou especificamente sobre o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O ministro votou por suspender parte da Ação Penal (AP) 2668 contra ele. A suspensão defendida pelo ministro se aplica a um dos crimes cometidos antes da diplomação de Ramagem como deputado federal.
"Na decisão impugnada, há uma conclusão de que o crime de organização criminosa ocorreu antes da diplomação do réu. Contudo, considerando que o crime de organização criminosa é, por essência, um delito de natureza permanente, há suficiente razão para que este tema seja revisado. Incluindo-se esse delito de permanência durante o mandato do deputado", disse Fux.
Em despacho anterior, o relator Alexandre de Moraes já havia suspendido a tramitação da acusação dos seguintes crimes contra Ramagem: dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com prejuízo considerável à vítima, além de deterioração de bem tombado. As acusações por tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e organização criminosa continuaram tramitando normalmente no STF. Fux, no entanto, votou para suspender este último crime.