O esquema de vendas de ingressos irregulares do camarote do São Paulo deve virar caso de polícia. O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) solicitou a abertura de um inquérito policial sobre o tema, após o entendimento do órgão de que a situação cabe à esfera criminal.
A Procuradoria foi acionada por meio de uma notícia-fato, protocolada pela Frente Democrática em Defesa do São Paulo. O grupo apontava para a exploração clandestina de camarotes, obtenção de vantagens econômicas indevidas, além de tentativas de coação no curso de processo judicial.
Segundo o MP-SP, porém, requisitou inicialmente a apuração quanto as suspeitas de exploração clandestina do camarote (corrupção privada no esporte) e coação no curso do processo.
De acordo com o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro, que solicitou a abertura do inquérito, a Polícia Civil é quem vai ser capaz de realizar oitivas e responder lacunas no caso. Uma delas, por exemplo, é se apenas Mara e Schwartzmann tinham conhecimento do caso, ou se houve anuência de outros diretores. Se for o caso, será preciso investigar quantos e quais seriam os outros envolvidos.
A figura de Adriana aparece agora com um "papel triplo". Ao mesmo tempo em que serve como denunciante, já que abriu um processo para receber valores por ingressos irregulares, ela aparece como intermediária e figura importante no esquema.
Adriana pode ser enquadrada no crime de corrupção privada no esporte. O pedido do procurador Guimarães Carneiro cita ameaças de Schwartzmann contra a intermediária, a colocando também na situação de vítima nessa circunstância.
"De saída, não há menor dúvida de envolvimento de um esquema, com um áudio desta contundência", diz o promotor sobre o caso do São Paulo. O enquadramento do caso é facilitado pela Lei Geral do Esporte, promulgada em 2023.
"A corrupção pública sempre esteve presente no Direito Penal. Ela figura agora na Lei Geral do Esporte para proteger clubes", explica Guimarães Carnerio. "Até dois anos atrás, até havia algo sobre (corrupção privada) no Estatuto do Torcedor. Mas a Lei Geral do Esporte que tipifica esse crime, que não era tipificado no Direito Penal no Brasil."
O artigo 165 da lei define a corrução privada como "exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida, como representante de organização esportiva privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de vantagem indevida, a fim de realizar ou de omitir ato inerente às suas atribuições". A pena varia de dois a quatro anos de reclusão e multa.
Outros casos emblemáticos do futebol brasileiro passaram por José Reinaldo Guimarães Carneiro. Ele esteve à frente das investigações da Máfia do Apito, em 2005. Na época, o MP-SP denunciou os árbitros envolvidos denunciados por estelionato. Eles acabaram condenados em primeira instância, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que aquele era um fato atípico para o direito penal. O processo foi para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O crime de estelionato prescreveu em 2017.
Em 2007, Guimarães Carneiro conduziu a investigação do caso do Corinthians e da MSI, que investia no clube há dois anos naquela época. No período, o clube foi campeão brasileiro em 2005. Entretanto, a Polícia Federal apontou que a parceria se tratava de um esquema para a movimentação de dinheiro do magnata russo Boris Berezovsky no Brasil. Ele e o dono da MSI Kia Joorabchian foram denunciados por crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, mas absolvidos. Na sentença, foi justificado que não havia comprovação de que o dinheiro era oriundo de atividades criminosas.
O clube já havia aberto duas sindicâncias (uma interna e outra feita de maneira independente por dois escritórios de auditoria). O caso também foi levado à Comissão de Ética do Conselho Deliberativo.
"Seja qual for o resultado da sindicância, vamos agir com rigor com quem quer que eventualmente seja apontado com conduta inadequada no Clube. Não há e nem haverá favorecimento por proximidade, amizade, parentesco, função ou alinhamento político", garantiu o presidente Júlio Casares em nota sobre o tema.
Entenda o caso do camarote do São Paulo
O Estádio do MorumBis conta com diversos camarotes que são usados em jogos e shows. Um deles é o camarote 3A, espaço que não é comercializado e que fica em frente ao gabinete do presidente Júlio Casares. O local é conhecido por "Sala Presidencial".
Mara Casares e Douglas Schwartzmann, agora diretores licenciados do São Paulo, estariam envolvidos em um esquema de venda de ingressos do camarote 3A, uma ação não autorizada e que seria feita de forma "clandestina", como os próprios diretores licenciados afirmam em áudio obtido pelo ge.
Nesta conversa, Mara e Schwartzmann falam com Rita de Cassia Adriana Padro, conhecida como Adriana, da The Guardians Entretenimento Ltda, que seria intermediária na venda e repasse das entradas desse camarote para terceiros.
Adriana ingressou com um processo contra Carolina Lima Cassemiro, da Cassemiro Eventos Ltda, acusando-a de ter tirado de suas mãos 60 ingressos para um show da colombiana Shakira. Esses 60 tickets seriam comercializados por R$ 132 mil. No entanto, Adriana alega que recebeu apenas R$ 100 mil. Carolina diz que pagou o combinado, está sendo vítima de calúnia e teve prejuízos.
Ocorre que ao processar uma pessoa ou empresa por obter de forma irregular ingressos que foram gerados de maneira "clandestina" o caso se tornou público e passou a ser de conhecimento do São Paulo. Dada a situação, Mara e Schwartzmann pressionaram Adriana a retirar o processo para que a ação ilícita não se tornasse de conhecimento geral.
Mara diz que os áudios estão fora de contexto e alega que "não obteve ganho próprio de nenhuma natureza". Já Schwartzmann afirma que não teve "qualquer participação em venda, negociação ou comercialização de camarotes ou ingressos de eventos" e que agiu pontualmente para evitar que um problema particular afetasse o São Paulo.
As aberturas das sindicâncias foram solicitadas pelo superintendente do clube, Marcio Carlomagno. Ele também é citado no áudio vazado, mas diz que apenas teve o nome usado indevidamente.