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Nubank pode demitir funcionários por justa causa após briga por conta do fim do trabalho remoto?

Empresa considera que houve violação de conduta em mensagens agressivas no chat de reunião online; sindicato quer abrir negociações para tentar reverter situação

11 nov 2025 - 21h27
(atualizado às 22h55)

O Nubank demitiu 14 pessoas por justa causa nos últimos dias, após uma reunião na qual informou aos funcionários sobre o fim do trabalho remoto. A partir de julho de 2026, a maior parte dos trabalhadores terá que ir pelo menos duas vezes ao escritório em São Paulo.

Segundo a empresa, 12 indivíduos foram demitidos por desrespeito e violação de conduta no chat da reunião online em que a mudança foi anunciada. A empresa afirmou que não fará maiores comentários sobre o caso.

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Outros dois funcionários foram mandados embora posteriormente, segundo a empresa, por terem planejado sabotar os sistemas internos. No total, 14 pessoas foram demitidas.

Conforme advogados especialistas em direito trabalhista ouvidos pelo Estadão, as demissões podem ocorrer por justa causa a depender do que foi dito no chat e se a empresa tem provas concretas, no caso das 12 primeiras. Já os outros dois podem ser enquadrados de outras formas.

De acordo com David Vélez, CEO da fintech, os funcionários confundiram um canal corporativo "com rede social ou arquibancada de estádio". A previsão do Nubank é de que, em 2027, passem a ser três dias por semana no escritório.

O Sindicato dos Bancários de São Paulo afirma que há divergências sobre os ocorridos na reunião e realizará reunião com os trabalhadores do Nubank para ouvi-los nesta quarta-feira, 12. A entidade afirmou que havia sido notificada sobre a mudança para o regime híbrido um dia antes da reunião online e pediu a instalação imediata de uma mesa de negociação para tratar dos desligamentos. Solicitou também a suspensão das demissões enquanto durar a apuração.

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"Mudanças que impactam a vida de milhares de pessoas exigem transparência, diálogo e previsibilidade. Nossa prioridade é proteger o direito de manifestação dos trabalhadores e evitar qualquer forma de retaliação", disse Neiva Ribeiro, presidente do Sindicato. A seguir, entenda o caso em quatro perguntas.

Sede do Nubank fica em São Paulo
Sede do Nubank fica em São Paulo
Foto: Divulgação/Nubank / Estadão
O que é justa causa?

A justa causa é a punição máxima a um trabalhador no Brasil, prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ao ser demitido desta forma, o colaborador perde direito a receber aviso prévio, o 13º salário proporcional ao que trabalhou naquele ano, o seguro-desemprego e a multa rescisória de 40% do FGTS.

Ela está prevista na legislação para as seguintes ocasiões:

  • ato de improbidade (desonestidade como, por exemplo, furto de material, desvio de dinheiro ou somar horas extras não trabalhadas);
  • incontinência de conduta ou mau procedimento (principalmente de cunho sexual, como assédio ou humilhações);
  • negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço (usar a empresa para promover o próprio negócio sem autorização);
  • condenação criminal do empregado, passada em julgado,;
  • desídia no desempenho das funções (faltas, atrasos, baixa produtividade de forma repetida);
  • embriaguez habitual ou em serviço;
  • violação de segredo da empresa (revelar informações sigilosas);
  • ato de indisciplina ou de insubordinação;
  • abandono de emprego (ausência prolongada não justificada);
  • ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outro indivíduo;
  • ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outro indivíduo;
  • prática constante de jogos de azar (no ambiente da empresa ou prejudicando o expediente);
  • perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado;
  • atos contra a segurança nacional.

Caso haja contestação na Justiça trabalhista, cabe à empresa provar que a demissão foi causada por um destes motivos.

Como a justa causa se aplicaria ao caso do Nubank?

De acordo com especialistas em direito trabalhista ouvidos pelo Estadão, a depender do que foi dito no chat da reunião online, podem ser caracterizados desídia, violação de políticas internas, ato lesivo da honra do empregador ou indisciplina e insubordinação, condições que permitem a demissão por justa causa. No caso da suposta sabotagem, se enquadraria como ato de improbidade, mau procedimento ou violação de segredo da empresa.

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"A justa causa exige prova clara e inequívoca da falta grave. Quando há versões divergentes, a penalidade perde sustentação. A Justiça tende a reverter a justa causa se não houver provas objetivas, como gravações ou testemunhos isentos. Na dúvida, prevalece o entendimento de que a demissão deve ser sem justa causa", avalia Caren Benevento, sócia da Benevento Advocacia e pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (GeTrab-Usp).

Assim, para a empresa, tudo dependeria das provas que forem arregimentadas. "As demissões ligadas apenas a 'comentários inaceitáveis' em um evento corporativo exigem um cuidado maior. Mesmo que a empresa tenha agido com base em suas regras internas, é preciso comprovar que as mensagens realmente ultrapassaram os limites da crítica e representaram desrespeito ou quebra de conduta profissional. Se a prova for frágil ou houver versões divergentes, a Justiça do Trabalho costuma rever esse tipo de demissão", reflete Benevento.

"A diferença entre crítica legítima e falta grave depende do conteúdo, da intenção e do alcance da manifestação. A justa causa pode ser aplicada quando a conduta causa dano concreto à imagem da empresa ou rompe a confiança entre as partes, tornando inviável a continuidade do vínculo", afirma Tomaz Nina, advogado trabalhista e sócio da Advocacia Maciel.

O que o sindicato pode fazer?

O Sindicato pode pedir acesso às provas, se reunir com a empresa e negociar a situação. Para isso, pretende conversar com os funcionários demitidos e entender a versão deles, para em seguida se manifestar publicamente.

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"O sindicato dos bancários é um sindicato forte, então a depender da negociação até poderia conseguir a reversão dessa dispensa por justa causa. Não da demissão em si, mas da justa causa. No entanto, acho muito pouco provável que isso ocorra. As empresas sérias, quando aplicam a justa causa, supostamente têm embasamento para fazê-lo", comenta Mariana Piva, sócia da área Trabalhista do escritório Marcos Martins Advogados.

Caso o diálogo não avance, o sindicato pode pedir mediação do Ministério Público do Trabalho ou ajuizar ação coletiva com pedido liminar de suspensão. "A pressão sindical eleva o custo jurídico e reputacional, o que costuma levar as empresas a buscar uma solução negociada", analisa Benevento.

A empresa pode mudar o regime de trabalho?

Pode, desde que seja formalizada e comunicada com o mínimo de 15 dias de antecedência, de acordo com o artigo 75 da CLT. Uma vez que a mudança ocorrerá apenas em julho de 2026, o prazo foi respeitado.

"Idealmente, grandes mudanças como essa deveriam ocorrer com mútuo acordo, especialmente se o contrato de trabalho original previa trabalho remoto. O Nubank estabeleceu prazos longos, o que minimiza o impacto imediato e dá tempo para os funcionários se adaptarem, mas não elimina a possibilidade de discussão sobre prejuízos futuros", cita Giane Maria Bueno, advogada da Michelin Sociedade de Advogados e integrante da Comissão Estadual do Compliance Trabalhista e Sindical da OAB/SP.

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Benevento, pesquisadora da USP, faz uma ressalva. "A Justiça do Trabalho admite exceções quando o retorno impõe ônus desproporcional, como em casos de doença, deficiência ou deslocamento excessivo, aplicando princípios de boa-fé e proteção à dignidade do trabalhador" relata.

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