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'Nova CPMF' seria desastrosa para o Brasil, diz economista

30 jul 2019 - 10h00

Diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), o economista Bernard Appy não vê com bons olhos a proposta de reforma tributária encampada pelo Instituto Brasil 200, formado por empresários simpáticos ao governo Bolsonaro. Na opinião de Appy, a substituição de todos os tributos existentes por um imposto único sobre transações financeiras seria “desastrosa” para o País, podendo desorganizar a economia brasileira e prejudicar ainda mais o quadro fiscal.

Em entrevista ao Terra, o economista também falou sobre o projeto de reforma elaborado pelo CCiF, base da proposta de emenda constitucional (PEC) 45, que tramita na Câmara dos Deputados e pretende substituir cinco tributos sobre o consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Para Appy, o texto apresentado pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP) aumentaria o potencial de crescimento da economia brasileira e corrigiria distorções importantes no sistema tributário do país.

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Bernard Appy, economista.
Bernard Appy, economista.
Foto: Luis Simione / Divulgação

Confira os principais trechos da entrevista:

Terra: Existem pelo menos cinco projetos de reforma tributária em discussão: o da Câmara, com a PEC 45; do Senado, baseado na proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly; dos Estados, preparado pelo Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz); do governo, que deve propor a desoneração da folha de pagamentos; e a do Instituto Brasil 200. O número alto de propostas pode atrapalhar o andamento da reforma?

Bernard Appy: Acredito que a discussão no Congresso vai se encaminhar para uma convergência de propostas, pelo menos na Câmara e no Senado. Para uma emenda constitucional ser promulgada, o mesmo texto precisa ser aprovado pelas duas casas, abrindo espaço para a discussão. Além disso, o Poder Executivo é um participante relevante no debate, suas propostas certamente serão levadas em conta. Uma versão parcial da proposta feita pelo Brasil 200 já foi apresentada como emenda à PEC 45 na Câmara, ou seja, essa discussão também será feita. Por um lado, a existência de muitas propostas cria alguma dificuldade, mas sinaliza que existe um ambiente favorável para fazer uma reforma tributária no Brasil. Eu nunca tinha visto tanto interesse da sociedade pelo tema.

Qual é a vantagem da proposta elaborada pelo CCiF?

O ponto de chegada do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) é o melhor padrão internacional de tributação do consumo. Além disso, buscamos um modelo para diminuir resistências que dificultaram a aprovação de reformas tributárias no passado. A principal resistência vinha das empresas, que temiam uma mudança muito repentina no sistema. O projeto prevê uma transição de 10 anos, exatamente para dar segurança jurídica às companhias que investiram com base no sistema atual. Também havia muita resistência de estados e municípios, que temiam perder receita com a tributação no destino. O texto sugere uma transição de 50 anos neste quesito, viável pelo modelo de arrecadação centralizado da PEC 45. Inclusive, quando você considera o efeito positivo sobre o crescimento da economia, praticamente todos os estados são beneficiados.

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Qual seria o efeito prático dessa mudança na economia brasileira?

É muito difícil fazer uma estimativa precisa, mas estamos falando, por baixo, de um aumento no PIB potencial de dez pontos percentuais em um horizonte de 15 anos.

Quais propostas são complementares ao projeto elaborado pelo CCiF? Quais elementos poderiam ser incorporados?

Existem algumas diferenças em relação à proposta do Senado, que podem ser discutidas conjuntamente com a Câmara. Acho que o projeto do governo, de desoneração da folha de pagamentos, pode eventualmente ser discutido. Essas ideias não são incompatíveis com o desenho da PEC 45, elas podem ser incorporadas sem prejudicá-la.

E quais projetos são incompatíveis?

Levando em consideração o que tem sido discutido, penso que a proposta apresentada pelo Brasil 200 seria desastrosa para o Brasil. Um imposto superior a 5% sobre transações financeiras, como foi ventilado, não é suficiente para compensar a perda de arrecadação com a extinção de outros tributos. Qualquer pessoa que fizer a conta sabe que os números estão subestimados. Mesmo assim, uma alíquota desse tamanho levaria inevitavelmente a um processo de desintermediação financeira e reorganização da estrutura de pagamentos, causando uma queda muito rápida na arrecadação. Estão falando em substituir impostos que correspondem a 27% do PIB. Imagina só, perder receita em um país que já está quebrado. Eu não consigo ver outro nome para isso que não seja irresponsabilidade.

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Um dos principais nomes do Brasil 200, Flávio Rocha disse em entrevista recente que o IVA caminha para a obsolescência e pode aumentar a informalidade.

Isso não é verdade. Nenhum país relevante que adotou o IVA está pensando em abandonar o modelo. O que existe é a necessidades de ajustar o IVA para tributar algumas questões novas da economia moderna, como os market places, mas não existe nenhuma dificuldade técnica intransponível em fazê-lo. Essa ideia de incompatibilidade do IVA com a nova economia está equivocada. A discussão feita no resto do mundo, sobre a economia digital, está relacionada à tributação do imposto de renda, não sobre o consumo. Esse ajuste na nova economia diz respeito a algumas questões pontuais, que já estão sendo tratadas por outros países e certamente serão tratadas pelo IBS no Brasil. Na hora em que me mostrarem algum país relevante pensando em abandonar o IVA, podemos conversar.

Ele também afirmou que o IVA pode aumentar a informalidade.

Também não é verdade. Uma nova CPMF não atingiria a economia informal. Quem paga esse imposto de maneira cumulativa é a cadeia formal, o que acaba onerando exportações e investimentos, reduzindo o potencial de crescimento no longo prazo. A economia ilegal já opera por fora do sistema financeiro, ela não vai ser atingida.

Alguns dizem que a experiência da CPMF no Brasil não foi tão ruim...

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É verdade, pois nossa alíquota de CPMF era baixa (0,38%) em um contexto de juros altos. Com a diminuição da Taxa Selic, esse tipo de tributo tem efeitos desastrosos. Você pagaria mais impostos do que juros em certos empréstimos, por exemplo.

As discussões sobre a reforma têm girado em torno da simplificação tributária, mas pouco se fala sobre desigualdade de renda. Essa questão tem sido negligenciada no debate?

Esse ponto é interessante. Apesar de o objetivo da PEC 45 não ser resolver questões distributivas, ela torna o sistema mais progressivo. O texto tributa igualmente mercadorias e serviços, sendo que hoje, no Brasil, os serviços são menos taxados. Proporcionalmente, as famílias de alta renda são as que consomem mais serviços, enquanto os mais pobres destinam a maior parte do seu salário para o consumo de produtos. A proposta também revê a desoneração da cesta básica. As famílias de baixa renda que comprarem mercadorias da cesta básica serão compensadas com depósitos nas suas contas, através do cadastro único dos programas sociais. Hoje, a desoneração acaba beneficiando os ricos, que, em termos absolutos, compram mais produtos da cesta.

E em relação ao imposto de renda? O que deveria ser corrigido?

Uma parcela das famílias mais ricas paga pouco imposto de renda no Brasil. Isso acontece, sobretudo, quando o lucro na empresa é pouco tributado e depois é distribuído com isenção para a pessoa física – a famosa isenção na distribuição de dividendos. Se o lucro sempre fosse tributado na empresa com alíquota de 34%, como é previsto no IRPJ (Imposto de Renda sobre a Pessoa Jurídica), não teríamos esse problema. Contudo, em muitos casos a tributação efetiva das companhias é inferior a esse percentual. Como você ainda distribui com isenção para a pessoa física, o resultado é uma subtributação da renda. Esse problema ocorre, principalmente, nos regimes simplificados. Por exemplo: uma PJ (pessoa jurídica) que se constitui como profissional liberal ou sócia de uma empresa acaba pagando entre 11% e 19% sobre o faturamento na companhia e distribui a receita isenta para pessoa física. É importante atacar esse ponto, mas não é uma agenda contraditória, e sim complementar ao que tem sido discutido.

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Fonte: Redação Terra
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