Navios nucleares são uma saída para diminuir a poluição nos oceanos?

12 dez 2025 - 13h21

Na corrida da indústria naval para cumprir as metas de redução de CO₂, uso de energia nuclear para mover navios volta a ser debatido. Eles podem viajar por mais tempo e são mais limpos. Mas há poréns.Em 21 de julho de 1959, a então primeira-dama dos Estados Unidos Mamie Eisenhower quebrou uma garrafa de champanhe contra o imponente casco do NS Savannah antes que o navio recém-construído deslizasse para o rio Delaware, carregando consigo a ambiciosa promessa de que o transporte marítimo mudaria para sempre.

Em vez de ter um motor a diesel convencional na casa de máquinas, o Savannah era movido por um reator nuclear. Entre 1962 e 1970, numa época em que a energia nuclear era considerada o futuro, o navio mercante transportou mercadorias e pessoas pelo mundo para demonstrar o uso pacífico da fissão nuclear .

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Hoje, apenas alguns países ainda operam navios movidos a energia nuclear, e principalmente para usos militares, como porta-aviões e submarinos. A Rússia continua utilizando uma pequena frota de quebra-gelos nucleares na chamada Rota do Mar do Norte, no Ártico, por exemplo.

Navios cargueiros — e mais ainda navios de passageiros — movidos a combustível nuclear praticamente desapareceram. Mas algumas pessoas acreditam que chegou a hora de trazê-los de volta.

O problema das emissões de carbono no transporte marítimo

Navios mercantes transportam cerca de 80% de todas as mercadorias comercializadas internacionalmente, tornando-se indispensáveis para manter a economia global em funcionamento.

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Mas a maioria ainda utiliza óleo combustível pesado, que é espesso e semelhante ao alcatrão, derivado do petróleo bruto, e possui chaminés que liberam poluentes tóxicos no ar. Somados, eles emitem CO₂ equivalente ao do Japão.

A Organização Marítima Internacional (IMO), responsável pelo transporte marítimo global, quer que o setor alcance zero emissões líquidas por volta de 2050.

Mas nenhuma das tecnologias propostas para reduzir substancialmente os gases de efeito estufa — por exemplo, baterias ou combustíveis alternativos, como metanol e amônia — conseguiria atingir essa meta sozinha.

Viagens por anos sem abastecer

À medida que os esforços globais para reduzir as emissões de CO₂ se intensificam, a questão da energia nuclear no transporte marítimo ganha cada vez mais atenção.

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Jan Emblemsvag, professor de engenharia e líder do projeto no consórcio norueguês NuProShip, aponta a vantagem mais óbvia, dizendo à DW que navios movidos a energia nuclear "não teriam emissões".

Dentro do NS Savannah, na década de 1960, um chamado reator de água pressurizada (PWR) usava a fissão nuclear para aquecer água, que então produzia vapor para girar turbinas e movimentar o hélice do navio e os geradores elétricos.

A vantagem de usar combustível nuclear, naquela época e agora, é que enormes quantidades de energia podem ser armazenadas em um espaço relativamente pequeno, permitindo que os navios atravessem os oceanos por anos sem reabastecer.

"E isso, é claro, dá um alcance tremendo", disse Emblemsvag.

O NS Savannah, por exemplo, podia dar 14 voltas ao mundo com uma única carga de combustível, enquanto os navios atuais movidos a óleo não conseguem dar nem uma — e, as vezes, ainda precisam reduzir a velocidade para economizar combustível. Em contraste, navios nucleares não teriam problemas de reabastecimento, podendo viajar mais rápido e economizar dinheiro ao mesmo tempo.

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Por que o NS Savannah saiu de operação

No fim, foi a viabilidade econômica do NS Savannah que decretou seu fim em 1970. Construído a um custo de 46 milhões de dólares — hoje aproximadamente 500 milhões de dólares em paridade de poder de compra — o navio exigia grandes subsídios anuais do governo para operar, cerca de 2 milhões de dólares, o que não era sustentável financeiramente, especialmente em períodos de petróleo barato.

Além disso, tinha capacidade limitada de carga (cerca de 10.000 toneladas), necessidade de uma tripulação especialmente treinada e acesso restrito a portos ao redor do mundo devido a preocupações com segurança nuclear.

O design do navio também era caro, com blindagem espessa ao redor do reator e até aletas retráteis para manter a estabilidade em mares agitados.

O NS Savannah foi oficialmente aposentado em 1970, com seu reator nuclear desligado e descarregado em 1971.

Depois dele, apenas três outros navios cargueiros nucleares foram construídos — o Otto Hahn da Alemanha , o Mutsu do Japão e o Sevmorput da Rússia. Os dois primeiros foram posteriormente convertidos para diesel, e o Sevmorput está próximo da aposentadoria.

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Avanços possibilitam tecnologia mais segura

A discussão atual sobre uma possível retomada nuclear no transporte marítimo é impulsionada principalmente por avanços tecnológicos no desenvolvimento de reatores de próxima geração, diz Mark Tipping, da sociedade de classificação Lloyd's Register.

"As tecnologias que estamos analisando hoje para o setor marítimo são muito diferentes das aplicadas nas décadas de 1960 e 1970", disse à DW.

Frequentemente chamados de reatores de "Geração 4", sua maior promessa é serem "mais seguros do que os do passado", "baseados nas leis da física", afirmou Tipping.

Reatores de água pressurizada, o tipo mais comum hoje, dependem de intervenção ativa quando algo dá errado, exigindo, por exemplo, ligar bombas adicionais.

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Os novos reatores eliminariam essa necessidade, disse Tipping. "Se algo der errado, eles são à prova de falhas. Não precisam de pessoas para garantir isso."

A esperança é que isso convença as autoridades portuárias a permitir que navios nucleares atraquem com mais facilidade.

O consórcio norueguês de Emblemsvag — incluindo a Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU) e o estaleiro Vard — analisou 80 diferentes novos projetos de reatores para selecionar os três que considera mais promissores para impulsionar navios.

Além das questões de segurança nuclear, também avaliaram aspectos comerciais.

"Para uma das tecnologias de reator com que estamos trabalhando, já fizemos alguns cálculos de custo. Eles indicam que os custos do combustível serão cerca de 40% mais baratos do que o óleo combustível pesado", disse Emblemsvag, acrescentando que os reatores selecionados são relativamente pequenos e podem ser produzidos em massa, reduzindo ainda mais os custos.

Mas nenhum dos reatores analisados pelo consórcio foi realmente construído ainda, muito menos estabelecida a capacidade de produção para fabricá-los em grande escala.

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Quando questionadas sobre o potencial dos navios nucleares hoje, algumas das maiores empresas de transporte marítimo do mundo — MSC, CMA-CGM e Maersk — não responderam aos pedidos da DW.

Os entraves a serem superados

Em junho deste ano, a IMO concordou em atualizar suas regras que regem navios civis nucleares, datadas de 1981 e que cobrem apenas reatores PWR.

Ricardo Batista, oficial técnico da IMO para segurança marítima, diz que a autoridade primeiro quer entender os riscos e os requisitos de segurança.

"E então, a partir daí, [podemos] desenvolver as medidas de mitigação relevantes que podem ser incorporadas ao novo código", disse à DW.

A IMO espera que isso leve anos, com questões sérias surgindo sobre a operação de navios nucleares, entre elas, como evitar vazamento de combustível nuclear quando um navio afunda, como impedir que ele caia nas mãos de terroristas e o que acontece com os resíduos nucleares.

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Além disso, sociedades de classificação, como a Lloyd's Register na Inglaterra ou a ABS nos EUA, que estabelecem e aplicam regras técnicas, precisam atualizar suas diretrizes. Autoridades portuárias e seguradoras também teriam que revisar suas regras.

Portanto, resolver todos os aspectos legais dos navios nucleares provavelmente levará mais tempo do que construí-los, e levá-los ao mar no início da década de 2030, como esperam Tipping e Emblemsvag, parece bastante improvável.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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