Governo avalia investigação comercial dos EUA como tentativa de justificar sobretarifas e evitar disputas judiciais, enquanto especialistas alertam para impactos econômicos e geopolíticos amplos para o Brasil.
BRASÍLIA - No dia seguinte à abertura de investigação pelo Escritório do Representante Comercial (USTR, na sigla em inglês) dos Estados Unidos sobre supostas práticas comerciais desleais brasileiras, o governo Lula avalia a medida como uma investida para embasar as tarifas de 50% em motivos econômicos e até mesmo evitar contencioso local.
Um integrante do Executivo que preferiu não se identificar avalia que a investigação do USTR já era esperada pelo governo brasileiro. A menção ao etanol, antigo pleito americano, também não foi novidade. Apesar da pouca surpresa, interlocutores que participam das tratativas classificam a investigação como "preocupante" e como uma dose adicional de dificuldade ao processo.
A ofensiva ficou clara, segundo uma pessoa a par do assunto, com o agradecimento público da secretária de Agricultura dos Estados Unidos, Brooke Rollins, ao USTR pela abertura das investigações, alegando "esforços em defesa do setor agropecuário americano".
Apesar de deixar o governo em alerta, uma análise inicial considera que esse tipo de investigação tende a ser demorada e que, portanto, qualquer veredito sobre medidas comerciais supostamente protecionistas ou desleais por parte do Brasil só será conhecido após o prazo dado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, para que a sobretarifa de 50% entre em vigor, em 1º de agosto.
A questão dos prazos é uma das maiores preocupações dos exportadores brasileiros para os Estados Unidos. Em reuniões na terça-feira, 15, com autoridades brasileiras, vários empresários recomendaram que o governo pedisse uma prorrogação de entrada em vigor da alíquota maior, por 90 dias, assim como foi feito nas negociações dos EUA com a China.
A possibilidade não foi descartada peremptoriamente, mas o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, sinalizou que esta não é vista como uma prioridade do Palácio do Planalto.
Por trás do acionamento do USTR, há a tentativa de se evitar que produtores americanos, importadores de bens e insumos brasileiros, que se sintam prejudicados pela sobretarifa, acionem a Justiça local para evitar a elevação da alíquota alegando que não houve justificativa econômica no caso do Brasil. Além disso, o tarifaço de Trump começa a se materializar na economia americana, com elevação dos índices de inflação e isso tende a ser negativo para a imagem do governo local ante os consumidores.
Fora do governo, o assunto também tem tomado atenção de especialistas. O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), vice-presidente do setor privado no Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e ex-secretário de Assuntos Internacionais no Ministério do Planejamento, Jorge Arbache, avalia que a intenção do republicano de impactar a economia brasileira vai muito além da imposição unilateral de tarifas, como mostra o acionamento do USTR.
Em jogo agora, de acordo com ele, estão temas altamente sensíveis do ponto de vista econômico: comércio digital, sistemas de pagamento, propriedade intelectual, etanol, desmatamento, entre outros, levando todos os setores da economia brasileira a se envolverem no conflito.
"Mais do que uma disputa comercial, trata-se de uma pressão direta para que o Brasil assuma posicionamentos geopolíticos dos quais tradicionalmente se mantém afastado com prudência", considerou, comentando que as implicações são "potencialmente devastadoras", como saída de empresas brasileiras para os EUA, redução da atratividade do País para investimentos diretos estrangeiros, obstáculos ao aproveitamento do capital natural como motor de desenvolvimento, perda de protagonismo na agenda climática, aumento dos custos de produção, retração nas exportações, dificuldades nos sistemas de pagamento e restrições ao acesso a tecnologias estratégicas.
Para o ex-CAF, é razoável supor que estejam na mesa temas que incluam o afastamento do Brasil da China, a abertura facilitada para empresas americanas explorarem minerais críticos e terras raras, a instalação de data centers em território brasileiro (atraídos pela disponibilidade de água e energia renovável), e a revisão de legislações sensíveis — como aquelas relativas à regulação das big techs, à prestação de serviços digitais e aos direitos de propriedade intelectual.
"Diante desse cenário, o Brasil precisa agir com firmeza e clareza na defesa de seus interesses estratégicos. Este não é o momento para hesitações", recomendou.
A resposta brasileira, conforme o professor, está sob os holofotes internacionais, e qualquer passo ou omissão será analisado em detalhe, com implicações econômicas e geopolíticas que se farão sentir tanto no curto quanto no longo prazo.