Izabella Camargo frisa que o burnout não é o fim, é um meio para encarar as mudanças necessárias. Com ela mesma foi assim. A jornalista foi diagnosticada com a síndrome em 2018, após ter um apagão enquanto apresentava a previsão do tempo em rede nacional e não se lembrou da capital do Paraná, Estado onde nasceu. Após isso, ela chegou a ser demitida da emissora, mas foi reintegrada em uma ação judicial e deixou o canal após um acordo.
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Após a saída, Izabella pensou que seria chamada por outra emissora, afinal tinha uma carreira consagrada como jornalista na TV e já havia passado por outros canais. Foi nesse momento que percebeu que deveria seguir por outro caminho.
"Depois que fui demitida, tinha muita certeza de que seria chamada por outra emissora. Não fui. Recebi um convite para popularizar a ciência no Ministério da Ciência e Tecnologia, aceitei e, depois de algumas semanas, já entendi que não tinha condições de assumir aquele desafio. Minha vontade de provar que já tinha me recuperado era tamanha que aceitei um desafio naquele momento para o qual não estava preparada. A recuperação do diagnóstico da síndrome de burnout leva anos, não meses. Quem disser que se trata de um burnout nas férias não sabe o que está falando", conta a jornalista em entrevista ao Terra.
Izabella deixou o cargo no ministério e foi se cuidar. Ao longo do processo de recuperação, a jornalista começou a estudar sobre saúde mental e, com a valorização do assunto durante a pandemia da covid-19, entendeu que tinha uma nova missão: levar a educação e conscientização sobre saúde mental adiante para ajudar outras pessoas.
Hoje, Camargo se descreve como comunicadora especialista em educação para saúde mental e trabalha com palestras e consultorias em empresas sobre o tema. Ela analisa que teve que empreender a fórceps, pois não imaginava que, após conquistar o sonho profissional de trabalhar na Globo, passaria por uma reviravolta como essa na carreira.
"Faz parte do empreender a fórceps viver em lugares que antes eu não me imaginava, mas que agora são possíveis. O oposto também acontece. Ou seja, comecei a minha carreira na televisão. Hoje, atinjo milhares de pessoas pelas redes sociais, mas também existe uma grande parcela que não consome rede internet, que só acessa informações pela televisão. Então, quero expandir a comunicação. Se vai ser em uma emissora, na TV Globo, na Band, no SBT ou no Terra, não sei. O fato é que saúde mental precisa ser pauta como economia."
Ao falar da Globo, Izabella não demonstra ter guardado mágoas da emissora que a demitiu. Pelo contrário, a jornalista ressalta a evolução da emissora, que não compreendeu a síndrome de burnout que ela teve, mas hoje aborda pautas de saúde mental nos mais diferentes programas. Por isso, ela admite que gostaria de voltar à empresa, seja como entrevistada para levar conscientização sobre o assunto, com um quadro na TV sobre o assunto ou prestando uma consultoria interna.
"Quando a gente está trabalhando a educação de saúde mental, não há competição e não há concorrência. Estamos falando de um tema que precisa da soma de conhecimentos e experiências. Preciso de muitos repertórios para alterar a cultura de um país. Então, fico muito feliz quando vejo a emissora que me demitiu tratando do assunto. Fico feliz de verdade."
EPIs de saúde mental
Em palestras, consultorias ou nos conteúdos que compartilha nas redes sociais, um dos assuntos mais abordados por Izabella Camargo são os EPIs de saúde mental. Durante os estudos sobre o tema, a jornalista se deparou em 2023 com o grande número de afastamento de profissionais do trabalho por questões psiquiátricas e entendeu que um mecanismo precisava ser criado para impedir que isso continue acontecendo, uma vez que compromete a vida do trabalhador e também o desempenho de um negócio.
EPI é a sigla para Equipamento de Proteção Individual, como capacetes, máscaras e luvas. A jornalista explica que esses métodos de prevenção foram adotados no Brasil na década de 1970, após o país receber da Organização Mundial de Saúde (OMS) o título de país com mais acidentes de trabalho.
Izabella analisa que muitas pessoas precisaram ficar surdas para que o excesso de barulho começasse a ser medido no ambiente de trabalho, por exemplo. Agora, ela vê uma evolução dos riscos de trabalho e a necessidade de se voltar para as questões de saúde mental, por isso adaptou o conceito dos EPIs para o novo problema que o trabalhador enfrenta.
"Quando falo em EPI de saúde mental, preciso explicar primeiro o que é saúde mental, que é a capacidade de lidar com os imprevistos. Não importa o trabalho que você tenha ou onde você está, você é responsável pela sua saúde mental", diz a jornalista, mas ela também frisa o papel das empresas de garantir um ambiente em que a saúde mental pode ser preservada e a necessidade de conscientizar os empregados.
"Falamos de corresponsabilidade, assim como nós já temos para os riscos físicos. Se você trabalha em um lugar que tem risco de queda, vou te dar os EPIs para evitar isso, mas você precisa usá-los para não se prejudicar. Com os EPIs de saúde mental é a mesma coisa."
Por isso, Camargo divide os EPIs em duas categorias. Na visão dela, é de responsabilidade da empresa como o letramento das lideranças para lidar com questões de saúde mental e evitar ambientes de assédio, o direito à desconexão do ambiente de trabalho, a flexibilidade para lidar com problemas pessoais e o fornecimento de meios para os empregados cuidarem da saúde mental. Já fica a cargo do trabalhador o cuidado com a própria saúde mental.
A comunicadora ressalta uma EPI que criou para uma empresa de urbanismo inspirada em rodízios de churrascaria. Ela identificou que uma grande problemática que os funcionários enfrentavam lá era não ter os limites respeitados, por isso adaptou as placas usadas para avisar o garçom se você quer mais comida ou não para os trabalhadores avisarem os colegas e os chefes se podem falar ou se estão ocupados.
Limites
Assim como o exemplo deste EPI, Izabella destaca que respeitar os próprios limites é fundamental. Ela identifica que esse foi um erro que cometeu antes do burnout e entende que é uma mudança cultural a valorização do descanso e do limite em uma sociedade que valoriza o trabalho.
"Não adianta nada alcançar os seus objetivos e se perder pelo caminho. Que foi o que aconteceu comigo. Alcancei o principal o lugar da comunicação, mas não sabia me comunicar comigo. Além de todo o contexto de trabalho em que vivia, não tinha saúde para colocar limites definitivos. Estava esperando um milagre. O milagre veio na forma de freio. síndrome de burnout é um freio; não é o fim. Todo problema de saúde vem com um convite de cura embutido para te tirar de um ritmo insustentável em um contexto que não está mais funcionando para te colocar num lugar melhor."
Izabella se divide atualmente entre múltiplas frentes de trabalho, além das obrigações ligadas à criação de dois filhos pequenos, mas, mesmo com a alta demanda de tarefas, se vê em um lugar distante do que estava quando teve o burnout. "Cansado, todo mundo vai estar. Você vai se cansar na vida adulta quando trabalha o dia inteiro. Isso não é um problema. Faz parte do meu trabalho a não banalização do burnout. Estar cansada e feliz é uma coisa, cansada e infeliz é outra. Quando não respeito o tempo de descanso, entro em esgotamento. Só que isso não é burnout. Para ter o diagnóstico de burnout, preciso viver uma situação com características de assédio. Depois de tudo que aprendi, posso estar cansada, posso ter fases exaustas, mas estou bem longe de viver uma situação de assédio, porque eu já sei meus limites."
Entre os limites que colocou a si mesma, estão não entrar mais em situações de assédio, respeitar o próprio descanso e não cair mais na armadilha da competência, pois entende que não precisa assumir cada vez mais tarefas apenas porque é competente e dá conta de executá-las.
Passados sete anos desde o burnout, Izabella analisa que a síndrome não tem cura e se mantém atenta para não repetir os comportamentos do passado. "Estou em vigilância constante. Na minha opinião, o burnout não tem cura, assim como a diabetes também não, nem a pressão alta. Quem gosta muito do que faz é viciado em trabalho. Todos os outros vícios não são bem-vindos na sociedade. Álcool, cigarro, drogas: mas o trabalho, sim. Então, fico muito vigilante para não querer abraçar o mundo de novo", conclui a jornalista.