“Ela filmaria e faria mais denúncias”, diz jornalista que cobriu caso do filme Vitória

Fábio Gusmão acompanhou a saga da mulher que registrou tráfico em Copacabana e inspirou filme com Fernanda Montenegro

14 mar 2025 - 06h00
(atualizado em 17/3/2025 às 08h51)
Resumo
O nome verdadeiro de Vitória era Joana Zeferino da Paz, revelado após sua morte, aos 97 anos. Ela usou a identificação falsa para se proteger após ter filmado o tráfico ao lado do seu apartamento, em Copacabana, no Rio de Janeiro, durante dois anos.
Joana Zeferino da Paz, quando era identificada como Vitória, no apartamento em Copacabana, e o jornalista Fábio Gusmão.
Joana Zeferino da Paz, quando era identificada como Vitória, no apartamento em Copacabana, e o jornalista Fábio Gusmão.
Foto: Arquivo pessoal

Cansada de denunciar o tráfico de drogas a 150 metros do seu apartamento em Copacabana, área turística do Rio de Janeiro, uma senhora resolve comprar uma câmera e filmar a movimentação criminosa na Ladeira dos Tabajaras. Era 2003.

O jornalista Fábio Gusmão soube da história, aproximou-se da idosa, que insistia em aparecer com o nome real na imprensa. Para protegê-la, o jornal Extra decidiu usar um codinome, Vitória, com o qual foi identifica em reportagens publicadas em 2005.

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As 22 fitas gravadas durante dois anos pela corajosa moradora levaram à expedição de 30 mandados de prisão e à detenção imediata de 13 bandidos e dois policiais militares. Vitória ingressou no Programa de Proteção à Testemunha e passou 17 anos sem poder revelar o verdadeiro nome, Joana Zeferino da Paz.

Joana Zeferino da Paz usando a câmera comprada em 12 prestações e com a qual filmou dois anos do tráfico.
Foto: Arquivo pessoal

A identidade real só veio à tona quando ela morreu, em 2023, em Salvador, aos 97 anos. Além das reportagens, o jornalista Fábio Gusmão escreveu um livro, que inspirou o filme Vitória, com Fernanda Montenegro.

Nesta entrevista exclusiva, o repórter conta detalhes da relação com a fonte, revela o que foi feito do apartamento, o resultado do processo da moradora contra o Estado e diz que, hoje em dia, a corajosa Joana Zeferino da Paz “estaria indignada, cobrando das autoridades”.

Você tem receio de que, ainda hoje, alguém possa querer se vingar de você?

Não. Dois PMs me processaram e perderam. A esposa de um deles foi no lançamento do meu livro, mas não teve nada além disso, vinte anos depois.

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A Ladeira dos Tabajaras continua sendo local estratégico para o tráfico em Copacabana?

A Ladeira dos Tabajaras e o Morro dos Cabritos pertencem a uma mesma facção, desde sempre, o Comando Vermelho. Quando a gente fala de uma facção que pretende ter lucro, estar num cartão postal do Rio de Janeiro dá mais lucro ainda.

Qual foi o principal motivo para dona Joana filmar o tráfico?

Ela movia uma ação judicial por danos morais e materiais e um coronel, quando falou no processo, disse que a polícia fazia operações e que a moradora tinha que provar aquilo o que estava falando, que eles não combatiam o tráfico no local.

Ela tinha feito muitas denúncias antes do processo?

Ela tinha um histórico de denúncias. O processo foi mais um capítulo da busca de todos os poderes do Estado para fazer valer o direito de uma cidadã, de viver numa área em que o crime organizado não ditasse as regras, e que aquilo não a afetasse financeiramente, desvalorizando o imóvel.

Dona Joana é uma precursora do uso de celulares para denúncias?

Sim, na época era muito incipiente, apesar de existirem alguns celulares que faziam filmagem, não tinha mesma qualidade e potência que tinha uma câmera Panasonic, comprada em 12 prestações.

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Você é a favor ou contra o uso de câmeras corporais por policiais?

A favor porque garante qualidade na prestação do serviço. Se você tem a consciência de que está sendo monitorado, vai ter mais zelo. Ao mesmo tempo, pelo lado dos policiais, qualquer tipo de denúncia falsa pode ser esclarecida.

Como dona Joana estaria vendo o Rio de Janeiro hoje?

Eu acho que ela estaria indignada, como ela sempre se mostrou. Estaria cobrando das autoridades efetividade no combate e, se desse mole, ela ainda filmaria e faria mais denúncias.

Quando dona Joana saiu do apartamento, ela o vendeu ou abandonou?

Ela só saiu do apartamento e entrou no programa de proteção à testemunha quando concluiu a venda e o recebimento do dinheiro. Antes disso, não quis sair.

A ação que ela moveu contra o Estado teve resultado?

Ela ganhou em primeira instância, só que o Estado, obrigatoriamente, tem que recorrer. Na segunda instância ela perdeu por unanimidade, e depois foi perdendo em todas as instâncias. Ou seja, ela nunca ganhou a indenização.

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Gostaria que comentasse a polêmica sobre Fernanda Montenegro, branca, interpretando uma mulher negra.

Testemunhei, por várias vezes, o desejo de dona Joana ser interpretada pela Fernanda Montenegro. É querer retirar dela o desejo, em vida, de ser representada pela maior atriz brasileira, e uma das maiores atrizes do cenário mundial.

Fonte: Visão do Corre
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