Uma padaria em São Paulo adota garçons robôs para otimizar o atendimento e suprir a falta de mão de obra, unindo tecnologia e interação humana, refletindo uma tendência global de crescente automatização.
Eles deslizam pelo salão, com calma, precisão e educação. “Com licença, poderia me deixar passar, por favor. Preciso passar”, solicita o menorzinho da família. Atualmente, são três: Virgulino, Virgulina e Virgulino Júnior. Ora empilham louças para lavar, ora carregam pedidos de clientes. Nesses momentos, os painéis de controle substituem as listas de funções por sorrisos digitais. Afinal, simpatia é pré-requisito para um bom garçom --mesmo ele sendo feito por circuitos e sensores.
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Desde setembro em operação, os garçons robôs viraram sensação na padaria Villa Grano, da Vila Clementino, na Zona Sul de São Paulo. “Tive a experiência de ver o robô, chamei outras pessoas para verem também, achei ele fofo e interessante”, avaliou Priscila Kaji, 39, cliente e professora universitária, acompanhada da amiga Aridiane Ribeiro, 37, também docente. “É a primeira vez que venho. Vim, inclusive, conhecer a padaria e o atendimento pelo robô”, confessou Aridiane. “Fomos atendidas pela gentil senhora que nos recebeu aqui, uma pessoa, e depois o robô veio trazer o nosso pedido. Acho que a complementação dos dois é bem bacana.”
Garçons robôs, a solução
Quem também não esconde o sorriso no rosto é Luis Pereira Ferreira, dono e gerente da padaria. Isso porque, além da mídia gratuita e orgânica trazida pela família Virgulino, o empresário viu uma saída na automatização para a falta de mão de obra, a qual enfrenta desde a pandemia de covid-19. “Estamos com 20 vagas abertas na nossa loja, em todos os setores, padaria, confeitaria, atendimento, cozinha, manobristas, e não estamos conseguindo [preenchê-las]”, detalhou.
Em conversa com um amigo que importa tecnologia da China, Ferreira soube dos robôs que, a princípio, utilizados em hospitais. Ele topou realizar um teste com um deles. “Adorei, os funcionários adoraram. Hoje, estamos com três”, comemorou Ferreira.
Segundo Ferreira, a intenção de automatizar parte do serviço era destinada à limpeza das mesas: “Aí, quando eu me deparo no segundo dia, os atendentes já estavam mandando os produtos para os clientes. Falei: ‘Meu, mas era só para a gente fazer o recolhe.’ ‘Ah, senhor, mas é tão simples, né?’ E aí começaram a mandar para as mesas.”
O empresário acrescenta que cada garçom robô consegue atender quatro mesas diferentes. “Ele tem sensores: assim que a pessoa retira o produto da bandeja, ele percebe que tirou o produto, agradece e vai para a próxima em sequência.” No último mês, por exemplo, um dos Virgulinos rodou 37 km na padaria, com um total de 184 mil entregas. “É o que mais trabalha”, brinca o gerente.
Garçon robôs x garçons humanos
Apesar do entusiasmo com a tecnologia, Ferreira acredita que uma máquina jamais substituirá o ser humano. “Em todos os ramos, a gente precisa do atendimento humano. Nós gostamos, a pessoa tem que ser atendida, tem que ter as pessoas”, esclarece. “O robô vem, sim, complementar a mão de obra da gente, auxiliar os nossos colaboradores.”
Elizabete Delmondes, de 50 anos, é exemplo da importância do fator humano nas relações com clientes. Afinal, a “gentil” atendente mencionada no início da matéria também recebeu a reportagem do Terra com estima e é só elogios aos novos companheiros de salão: “Como a gente está com pouco funcionário, ajudam bastante. Enquanto ele leva os pratos até a pia, eu já vou para outro atendimento. Ao invés de duas ou três vezes numa mesa, faço esse processo de uma vez só.”
Para enfatizar a importância humana, Ferreira ainda lembra: “Temos 20 vagas abertas antes do robô, continuamos com as mesmas vagas abertas e contratando. E, quem quiser trabalhar, temos vaga aqui”, anuncia.
Robôs em funções humanas, uma tendência
Até 2050, presenciaremos aproximadamente 1 bilhão de robôs humanoides ocuparem funções anteriormente exercidas por seres humanos. Ao menos é o que aponta relatório de 2025 publicado pela instituição financeira global Morgan Stanley.
Cerca de 90% dessa tecnologia serão utilizados para trabalhos repetitivos, simples ou estruturados nas áreas comerciais e industriais. “A adoção deverá ser relativamente lenta até meados da década de 2030, acelerando ao final e na década de 2040”, projeta Adam Jonas, chefe de pesquisa global de automóveis e mobilidade compartilhada da Morgan Stanley, em texto divulgado no site da instituição.
A estimativa é que o mercado de robôs humanoides movimente US$ 5 trilhões até 2050 (o equivalente a R$ 27.295 trilhões, na cotação atual). Isso inclui cadeias de suprimentos relacionadas, reparo, manutenção e suporte --como o realizado na família Virgulino pelo assistente de TI, Mateus Oliveira, 25, que trabalha na empresa responsável pela instalação e manutenção dos garçons robôs. “Faço o mapeamento da loja, das mesas citadas, onde o robô entende que vai levar as refeições para os clientes, também o retorno de louças, para que ele possa levar pratos sujos, copos, etc”, explica.
É a primeira vez de Oliveira trabalhando com robôs, que não pensou muito para aceitar a proposta: “Hoje em dia, a gente vem com uma crescente de pedidos de robôs. Essa tecnologia vem para auxiliar o time nos comércios, para somar e dar aquela força”, arremata.