O pichiciego-menor mede pouco mais de 10 centímetros e passa a maior parte de sua vida escavando embaixo da terra
Foto: Mariella Superina / BBC News Brasil
Ele é pequeno, peludo, e rosado. Não é um grande animal, nem o protagonista de um conto de fadas, mas poderia ser. O pichiciego-menor (Chlamyphorus truncatus), mede pouco mais de 10 centímetros, passa a maior parte de sua vida escavando embaixo da terra, e uma carapaça rosada cobre o seu suave pelo branco.
É o menor tatu do mundo, se alimenta de invertebrados e plantas, é e visto raramente na superfície. Encontrado nas planícies da Argentina, o pichiciego-menor é muito suscetível ao estresse e não tolera bem encontros com humanos.
"É um animal muito delicado, que em cativeiro vive no máximo oito dias, e morre", disse à BBC Mundo Mariella Superina, especialista na preservação de tatus.
Por sua raridade, esses animais se tornaram "uma obsessão" para Superina.
Uma carapaça rosada cobre o seu suave pelo branco
Foto: Mariella Superina / BBC News Brasil
"Apesar do nome 'pichiciego', esses animais não são realmente cegos. Conseguem distinguir claridade de escuridão. "Pichi' significa menino na língua mapuche (um povo indígena da região centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina), e eu suspeito que 'ciego' foi agregado ao nome para distingui-lo do piche (Zaedyus pichiy), uma espécie de tatu que pesa cerca de 1 kg e vive na mesma região", disse a especialista.
Natureza delicada
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Superina é pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET), na província de Mendoza, Argentina, a região do pichiciego.
Por sua raridade, toda vez que as autoridades encontram um pichiciego perdido, eles o ajudam.
"Eles começaram a me avisar e a me trazer pichiciegos, primeiro um morto, depois um vivo para ver se eu conseguia reintegrá-lo a seu habitat natural, e assim eu comecei a conhecê-los", disse Superina à BBC Mundo.
"O que acontece é que às vezes as pessoas o encontram, por exemplo, em uma estrada e, ou o levam pra casa como animal de estimação, ou o entregam às autoridades e perguntam o que é", disse a especialista.
Mas a melhor coisa a se fazer, segundo a especialista, é deixar o pichiciego seguir o seu caminho, levando em consideração sua natureza delicada.
Superina lamenta nunca ter visto um em seu habitat natural, e teme que eles estejam à beira da extinção.
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"Eu realmente não sei quantos existem. Sou presidente do grupo de especialistas em tatus, preguiças e tamanduás da União Internacional para a Conservação da Natureza, e não temos dados suficientes para dizer se os pichiciegos estão ameaçados ou não, simplesmente porque não há nenhum estudo prático", diz Superina.
Refinado
O que o torna tão especial? Superina explica que, entre as 21 espécies de tatus, que já são muito diferentes de outros mamíferos, o pichiciego é o único que perdeu a parte lateral da carapaça.
"Sob a carapaça estão pelos de seda que cobrem seu corpo e ajudam o pichiciego a manter sua temperatura corporal."
O tatu se alimenta de invertebrados e plantas, é e visto raramente na superfície
Foto: Mariella Superina / BBC News Brasil
"A ponta da cauda tem uma forma de diamante, que também é muito raro, e é usada como uma quinta pata de apoio," acrescenta a especialista.
Eles também têm uma placa vertical na parte de trás que os cientistas não sabiam o que era. Até que a pesquisadora foi capaz de colocar uma câmera infravermelha em um dos pichiciegos resgatados e filmá-lo.
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"Ele só saiu à noite, mas às vezes eu podia ver como ele cavava. Ele escavava e depois se virava e batia a terra atrás dele com esta placa vertical, um comportamento muito especial que os outros tatus não têm".
Mas isso não é tudo: este tatu observado por Superina também se mostrou extremamente "exigente".
"A verdade é que eu fiquei louca, porque era extremamente difícil encontrar algo para ele comer, passei dias capturando besouros, à procura de vermes, procurando frutas naturais, para ver se conseguia incentivá-lo a comer algo natural, e nada, acho que tentei 34 ingredientes diferentes e ele se recusou a comer", disse a pesquisadora.
"Então, eu tentei uma mistura de diferentes ingredientes, que foi o que ele comeu." Mas, segundo Superina, qualquer alteração na mistura causou a rejeição imediata do pichiciego refinado.
"E o mais engraçado é que eu fiz a mesma mistura para o segundo pichiciego que me entregaram para reabilitar, e ele a rejeitou. Eles devem ter fortes preferências individuais, e por isso não podemos replicar estas experiências, e reabilitar cada pichiciego é um desafio muito grande", explicou a especialista.
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"Eles são tão diferentes, e é tão difícil encontrá-los, que esses animais são realmente fascinantes para mim, é uma espécie que eu gostaria de estudar e saber muito mais para protegê-lo, mas o problema é onde encontrá-los", concluiu a pessoa que, provavelmente, sabe mais do que qualquer um sobre esses animais.
Cientistas registraram espécies diferentes utilizando "casas" de tatus
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Tatus-canastras (Priodontes maximus) são verdadeiros "engenheiros do ecossistema", afirmam pesquisadores que descobriram que suas tocas servem como habitat e abrigo para outras espécies. O projeto 'Tatu-Canastra', feito no Pantanal, durou dois anos, e foi liderado pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e pelo Royal Zoological Society da Escócia. O estudo pretende entender mais sobre esses animais, que gastam 75% de seu tempo no subsolo em tocas escavadas por suas impressionantes garras. (Tatu-canastra do lado de fora de sua toca. Foto: Kevin Schafer)
Foto: Divulgação
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Os cientistas usaram câmeras sensíveis ao movimento, entre 2010 e 2012, e registraram 24 espécies diferentes, utilizando as "casas" dos tatus para diversos motivos, como esta jaguatirica que caçava lagartos e outras pequenas presas na entrada da toca. (Jaguatirica visita toca do tatu-canastra. Projeto Tatu-Canastra)
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Uma família de quatis também foi fotografada procurando por sua presa em um monte de areia na entrada da toca do tatu. (Quatis próximos a toca do tatu-canastra. Projeto Tatu-Canastra)
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Mamíferos não são os únicos animais atraídos pelas tocas, diferentes espécies de aves, como a seriema (foto), a gralha e o mutum foram flagrados pelas câmeras. (Seriema investiga a toca do tatu. Projeto Tatu-Canastra)
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Grandes mamíferos, como esses dois pumas, escolheram a toca como local de descanso. (Dois pumas na toca do tatu. Projeto Projeto Tatu-Canastra)
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Aqui, um guaraxaim se refugia em uma toca. (Guaraxaim dentro da toca do tatu-canastra. Projeto Tatu-Canastra)
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Renata Leite Pitman foi a primeira pesquisadora a documentar a função dos tatus-canastra como engenheiros do ecossistema. Enquanto liderava um projeto sobre mamíferos raros e em perigo na Amazônia, Pitman observou o raro cachorro-do-mato-de-orelhas-curtas (Atelocynus microtis), utilizando 13 diferentes tocas do tatu-canastra para se abrigar em um dia, na Estação de Pesquisa Los Amigos, na Amazônia Peruana. (Cachorro-do-mato-de-orelhas-curtas dentro e fora da toca de um tatu-canastra na Estação Los Amigos na Amazônia Peruana. Foto: Renata Leito Pitman)
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Uma anta, acompanhada por uma gralha cinza, também foi registrada descansando sobre o monte de areia formado após a escavação da toca do tatu. (Anta e gralha cinza na entrada da toca. Projeto Tatu-Canastra)
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As tocas dos tatus-canastra podem ter até 5 metros de profundidade. Pesquisadores registraram javalis, queixada, e caititus se esfregando no monte de areia quando o solo ainda estava fresco e úmido após a escavação. (Javali descansa próximo a toca do tatu-canastra. Projeto Tatu-Canastra)
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Imagens mostram cutias entrando e saindo das tocas, as vezes em dupla. (Cutias saindo da toca. Projeto Tatu-Canastra)
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Caititus também foram observados dentro das tocas do tatu-canastra, diz Arnaud Desbiez, autor do estudo e pesquisador do Royal Zoological Society de Escócia. (Caititu dentro da toca. Projeto Tatu-Canastra)
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No total, outras três espécies de tatu foram registradas usando a toca por períodos contínuos. Eles incluíram o tatu-galinha (foto), o Cabassous unicinctus (popularmente conhecido como tatu de rabo mole comum), e o tatupeba. (Tatu-galinha dentro da toca do tatu-canastra. Projeto Tatu-Canastra)
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Tamanduás-mirins tiveram as estadias mais prolongadas na toca do tatu-canastra, e foram observados alimentando-se de cupins e formigas enquanto estavam lá. (Tamanduá-mirim dentro da toca do tatu-canastra. Projeto Tatu-Canastra)
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"É incrível ver como uma espécie tão reservada pode desempenhar um papel tão importante dentro da comunidade ecológica", disse o coordenador do projeto Arnaud Desbiez, do Royal Zoological Society da Escócia. Ele espera que a revelação sobre papel fundamental desses animais nos ecossistemas resulte em uma maior proteção da espécie. Todas as fotos cortesia: Projeto Tatu-Canastra. (Tatu-canastra entrando na toca. Projeto Tatu-Canastro)
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