Mães pretas de Curitiba se reúnem para reforçar rede de apoio
Em uma cidade com histórico de racismo, é fundamental fortalecer laços, promover afetos e enfrentar o preconceito
No último domingo, 15 de outubro, finalmente aconteceu em Curitiba o encontro presencial do coletivo Mães Pretas, que surgiu no ano passado como grupo de WhatsApp, uma rede de apoio entre mães de crianças negras de Curitiba e Região Metropolitana.
Cerca de trinta mães estiveram presentes e se conheceram pessoalmente durante uma tarde que teve ioga, roda de conversa, discussões sobre saúde, oficina de cabelos afro e de culinária, café, espaço para crianças e show das Princesas do Ritmo e da cantora Janine Mathias.
O encontro se tornou um espaço de cura e cuidados para crianças e mulheres pretas, diferente do cotidiano marcado por racismo e machismo, que impõem um estado de alerta e enfrentamento. Mas na tarde de domingo, mulheres pretas puderam celebrar suas maternidades e a vida de suas crianças.
É difícil ser mãe preta em Curitiba
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas negras representam 19,7% da população em Curitiba – somente no ano passado, foram registrados 224 boletins de ocorrência pelo crime de injúria racial na capital paranaense. No Brasil, 61% das mães que criam filhas e filhos sozinhas são negras.
Vivendo essa difícil realidade, muitas mães se sentem sozinhas, incompreendidas por pessoas que nunca sofreram racismo. Daí surgiu a ideia do grupo Mães Pretas, que reúne curitibanas como a trancista e assistente social Débora Pereira. Ela conta que sua primeira gravidez foi assustadora e solitária. “Parir uma criança preta é pensar que ela nasce com uma bagagem social. E, além de ser mãe, nós também temos que saber lidar com o racismo.”
Grupo como estratégia de aquilombamento
No salão da trancista Débora Pereira, mães compartilham traumas. “As clientes chegam frustradas por verem seus filhos sem representatividade, muitas vezes são as únicas crianças negras da sala de aula. Elas lidam com a falta de preparo dos educadores em situações de racismo. Escuto histórias que se repetem por gerações, são avós escutando seus netos e netas chorarem pelos mesmo motivos que elas choravam na infância”, conta Debora.
A jornalista e idealizadora do Mães Pretas, Letícia Costa, explica que o grupo foi criado como estratégia de aquilombamento. “Eu acredito que estar junto a outras mães é uma maneira de autocuidado. A formação dessa rede de pessoas pretas é para que possamos ter um espaço seguro de identificação e nos fortalecemos.”
Espaço de acolhimento e maternagem feliz
“Quando eu vejo uma atividade no grupo, eu fico feliz. Apesar da maternagem preta ser difícil, nossas histórias não podem ser só pautadas na dor, frustrações, cansaços e medos. Mulheres negras reunidas podem e devem compartilhar felicidade e celebrar a vida”, afirma a cantora Janine Mathias, membra do grupo Mães Pretas, que se apresentou no encontro.
A primeira aproximação da cantora e produtora cultural com o grupo aconteceu em momento difícil. “Existe uma força gigante em continuar sendo a pessoa que eu sou e maternar. Devo isso a rede de apoio que encontro nesse coletivo. Eu sou uma mãe solo, fértil e não estou sozinha, posso contar com essa rede, isso é maternidade preta”, define a artista.
Para a enfermeira Juliana Milttelbach, o encontro representou um momento de autocuidado e autoamor. “Esse espaço de aquilombamento nos fortalece, entendemos pelo que estamos passando, eu pude falar sobre saúde da mulher em um espaço onde as mulheres se sentiram à vontade para perguntar e se abrir.”
Cuidados com a alimentação das crianças
Meroly Felizardo, produtora cultural e mãe de duas meninas negras, avalia que o encontro representa uma nova forma de criar filhas e filhos. “Eu fui uma criança que cresceu ouvindo não pode, fui uma aluna que ouviu das professoras que era ‘melhor não’, fui muito reprimida, seja pela época ou pelo cuidado e proteção que as mulheres que me criaram julgavam necessário, por eu ser uma criança negra.”
Ela cresceu nos anos 1980. Falar alto, correr, pular, entre outras atividades naturais, era uma afronta. “Estar aqui e ver as crianças se expressando, as mães acolhendo e vivendo as infâncias de seus filhos, me ensina muito. Esse aquilombamento faz com que a gente possa dividir uma educação amorosa, uma ensinando a outra”, diz Meroly.
A nutricionista infantil Marcela Furtado realizou uma oficina de alimentos saudáveis com as crianças. “Eu percebi que, quando eu levava meu filho para a cozinha, ele se aproxima do alimento, com autonomia para sentir e participar. Ele se empolgava muito.”
A oficina da nutricionista aproxima ludicamente as crianças para despertar o interesse em comer. E deu resultado: uma das crianças falou que não gostava de aveia, mas no final da atividade, declarou que comeria três bolos de aveia e banana porque são muito gostosos.
Oficinas de cabelo e autoestima
Foram realizadas duas oficinas de cabelo, uma chamada Cabelo Maluco, realizada pela voluntária Cássia Melissa Pereira. Ela ensinou penteados criativos para crianças, reforçando autoestima e criatividade. Outra oficina de penteados afro foi ministrada pela cabeleira Débora Pereira, conhecida como Deby Tranças.
“O autoamor passa pela estética e o cabelo é uma questão pulsante para mulheres negras. Todas nós temos momentos de felicidade e dor com os nossos cabelos e, como mães, esses sentimentos vem de diferentes formas”, diz Débora.
Enquanto isso, a fisioterapeuta Claudia Nunes realizava aula de ioga e saúde integrativa. “É um momento de conexão conosco e de autoconhecimento. São ferramentas essenciais na vida de mães e cuidadoras”, explica.