Da Rocinha ao Fumacê: dez obras de favelas que fazem sucesso na Bienal do Livro
Uma escritora da Rocinha e um ativista literário da favela do Fumacê lançam dez livros e trazem 260 autores junto
Na Bienal do Livro, favelas ajudam a justificar o título concedido pela UNESCO ao Rio de Janeiro como Capital Mundial do Livro. O evento reúne mais de 300 autores na programação oficial, número quase equivalente ao de participantes em coletâneas e obras solo nas quais um escritor e uma escritora de diferentes favelas estão envolvidos.
Entre os mais de 300 escritores da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, uma mulher negra e um homem negro, das favelas da Rocinha e do Fumacê, representam com força a produção literária das comunidades — no ano em que o Rio celebra o título de Capital Mundial do Livro, publicarão dez obras na Bienal.
Estamos falando de Maria Consuelo Pereira dos Santos, 61 anos, escritora e articuladora social da Rocinha, e de Bruno Black, 44 anos, escritor e editor da favela do Fumacê, em Realengo. A maioria das obras lançadas são coletâneas, reunindo mais de 260 autores e autoras de favelas cariocas — número próximo ao de escritores convidados oficialmente pelo evento.
Consuelo participa da Bienal pela terceira vez; Bruno, pela segunda. Ele organizou a coletânea Se Tens um Dom, Seja!, que já soma 13 volumes — os cinco mais recentes lançados de uma só vez no primeiro fim de semana do evento, reunindo quase mil pessoas no estande da Editora Conejo. Consuelo está entre as autoras.
“Tinha pessoas cegas, com síndrome de Down, autistas, de favela, gente rica, pobre, indígena, azul, amarela, do Amazonas ao Sul, da Europa e da África”, lista Bruno Black, reconhecido como uma das lideranças dos corres literários nas favelas do Rio.
A história de Consuelo: o desejo da mãe por educação
Moradora da maior favela do país, Maria Consuelo Pereira dos Santos, escritora e “articuladora social comunitária”, chegou à Rocinha no mesmo dia em que o Brasil conquistou a Copa do Mundo de 1994.
A mãe, analfabeta, insistia para que a filha estudasse: dizia que ela falava bem e deveria ser professora. “Minha mãe pediu que eu entrasse na universidade. Fiz o curso e me formei em Pedagogia aos 48 anos, depois de dez anos de idas e vindas. Tranquei duas vezes e voltei. Minha mãe também pedia que eu escrevesse um livro.”
Consuelo esteve no primeiro fim de semana de sua terceira Bienal. Quase mil pessoas lotaram o estande durante o lançamento das coletâneas organizadas por Bruno Black. “Foi um sucesso?”, perguntam. “Sucesso, eu não digo. Mas realização, sim”, responde ela.
Consuelo também assina uma das cartas da coletânea Cartas para Azoilda, homenagem à educadora antirracista Azoilda Loretto da Trindade, referência no movimento negro. No domingo, 22 de junho, a moradora da Rocinha retorna à Bienal como uma das autoras da obra Aprimorando a Si Próprias, do Movimento Mundial Mulheres Reais.
Bruno Black: da sala de casa para a Bienal
Morador da favela do Fumacê — onde, segundo ele, “vivem cerca de cinco mil pessoas” — Bruno mergulhou há dez anos na produção e edição literária voltada para favelas. É idealizador da série de coletâneas Se Tens um Dom, Seja!, que já publicou 528 autores.
Em 2024, decidiu reformar a sala de casa e inaugurou ali o Clube das Palavras, um espaço para encontros literários, produção de livros e incentivo à escrita de moradores de favelas. Muitos dos autores que lança na Bienal jamais imaginaram estar em um livro.
“Não é um edital público, não é uma empresa tipo Companhia das Letras. E o mais bacana: eu não sou um coletivo — eu cuido do coletivo”, resume Bruno.
Entre as parceiras mais próximas está Consuelo: “O que ela quer é que todo mundo tenha a chance de brilhar — algo que sempre foi negado aos favelados. Ela é uma heroína das favelas do Rio de Janeiro.”
Em um espaço diferente do de Consuelo, Bruno também volta à Bienal no dia 22 de junho para lançar mais dois livros: o infantil Cadê Tia Sueli? e Clube das Palavras, o primeiro resultado impresso dos encontros realizados na sala de casa, no Fumacê.