Psicólogas afirmam que saúde mental é negligenciada como componente da pobreza
Transtornos de ansiedade, depressão e problemas relacionados ao estresse pós-traumático tendem a ser maiores nas quebradas
Psicólogas destacam que a saúde mental é negligenciada como componente da pobreza, com maiores índices de transtornos nas periferias, agravados por fatores estruturais, e apontam a necessidade de políticas públicas integradas para garantir acesso universal.
As psicólogas Adriana Chalela Curdoglo e Angela Medeiros, especialistas em saúde mental nas periferias, afirmam que, apesar das iniciativas públicas em prol da saúde mental de populações pobres, o tema ainda é negligenciado “como um componente da pobreza e da desigualdade”.
Elas participam do III Encontro de Saúde Mental da Afya UNIGRANRIO, e entendem que “a precariedade material e o sofrimento psíquico estão interligados, exigindo uma intervenção social integrada que não separe o corpo da mente.”
Adriana é integrante da diretoria da Associação de Profissionais da Saúde SAMECA (Saúde Mental Camarada) e Angela é vice-presidente da mesma instituição, além de pesquisadora do projeto Comunidades que Cuidam (USP).
Elas falaram ao Visão do Corre sobre saúde mental na periferia e preferiram que as respostas fossem creditadas às duas, pois concordam com os aspectos abordados.
Existem problemas de saúde mental cuja incidência é maior na periferia?
A incidência de transtornos de ansiedade, depressão e problemas relacionados ao estresse pós-traumático, derivados da violência e da precariedade, tende a ser maior. A raiz está nas opressões estruturais como racismo e misoginia, além da insegurança alimentar, falta de saneamento básico e violência policial, que são fatores estressores crônicos e sistêmicos, e não apenas individuais.
A estética degradada da periferia interfere na saúde mental?
Sim, a vida segue mais leve em espaços estruturados, organizados e sobretudo quando o indivíduo não está exposto a vulnerabilidades, quando não lhe falta o básico necessário para um desenvolvimento integral, como moradia, alimentação, segurança, acesso à cultura, entre outras necessidades.
Como avaliam o atendimento à saúde mental no serviço público?
O serviço público está sobrecarregado e segue ainda aquém de atender a demanda que se apresenta: contudo é, para uma boa parte da população a única forma de acesso a cuidado especializado.
Como vocês enxergam a barreira econômica para os tratamentos?
Não devemos ver o preço apenas como barreira, mas como um indicador para mobilizar mudanças estruturais e profundas, pois defendemos que exista saúde mental acessível a todos ao mesmo tempo que o trabalho do profissional não seja precarizado.
O contexto parece ser de falta de acesso e trabalho não precarizado.
A questão, talvez, seja conciliar a crescente necessidade por cuidado em saúde mental – Brasil é campeão em casos relacionados à ansiedade – e as condições materiais desses indivíduos, considerando o trabalhador psicólogo.
O crescimento do interesse pela saúde mental vai popularizar o acesso ou ampliar as possibilidades para quem pode acessar?
O aumento do interesse reflete uma maior consciência social sobre a saúde mental. Contudo, sem políticas públicas efetivas e sem o fortalecimento do serviço público pelo SUS, o crescimento de profissionais tende a ampliar as possibilidades para quem já tem acesso econômico. A popularização do acesso real e universal só virá pela luta política para que o Estado garanta a saúde mental como um direito, e não como uma mercadoria.
Apesar de existirem inúmeros programas sociais, eles deixam de lado a saúde mental?
Concordamos. Os programas sociais como o Bolsa Família são necessários para combater a privação material imediata. No entanto, eles são insuficientes ao focar quase que exclusivamente na necessidade material. A saúde mental é negligenciada como um componente da pobreza e da desigualdade. A precariedade material e o sofrimento psíquico estão interligados, exigindo uma intervenção social integrada que não separe o corpo da mente.