Testosterona em mulheres: o que a ciência realmente indica
Especialista explica benefícios comprovados, limites e riscos do uso do hormônio na saúde feminina
A testosterona voltou ao centro das discussões sobre saúde feminina, impulsionada pelo aumento de buscas nos consultórios e pela disseminação de promessas nas redes sociais.
Frequentemente associada, de forma equivocada, a mais energia, emagrecimento rápido ou ganho estético, o hormônio tem sido apresentado como um "atalho" para performance e bem-estar. No entanto, segundo a ciência, essa narrativa ignora limites importantes e pode trazer riscos à saúde das mulheres.
De acordo com a médica e pesquisadora Fabiane Berta, especialista em menopausa, a testosterona não deve ser encarada como suplemento de disposição.
"É um hormônio neuroativo, com ação direta sobre desejo sexual, motivação, cognição e clareza mental", afirma. Esses efeitos são especialmente relevantes durante a menopausa, fase em que os níveis séricos do hormônio caem para cerca de 25% do pico observado por volta dos 20 anos.
Benefícios comprovados e ação no cérebro
A literatura científica aponta que o efeito mais bem estabelecido da testosterona em mulheres está relacionado à modulação do desejo sexual, além de impactos positivos sobre motivação e funções cognitivas. Fabiane explica que, quando utilizada em doses fisiológicas e com prescrição adequada, a testosterona pode contribuir para a regulação da chamada "névoa cerebral", caracterizada por lapsos de memória, dificuldade de concentração, raciocínio mais lento e redução da fluência verbal.
Segundo a especialista, mulheres na peri e pós-menopausa frequentemente relatam melhora desses sintomas quando o hormônio é utilizado dentro de parâmetros seguros. "Essa melhora ocorre na dose certa, bem prescrita e monitorada. Nunca em protocolos inflacionados vendidos como solução mágica", ressalta.
Indicações médicas e consenso científico
Atualmente, a principal indicação com consenso global para o uso da testosterona em mulheres é o tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo (HSDD) em mulheres pós-menopausa. A recomendação envolve o uso de formulações transdérmicas em doses fisiológicas e é respaldada por 11 sociedades científicas internacionais.
"Trata-se de evidência de nível I, grau A. Fora desse cenário, não há base sólida suficiente para recomendar o hormônio", explica Fabiane Berta. Ainda assim, a médica observa com preocupação a popularização de superdosagens, protocolos de performance e uso indiscriminado para emagrecimento ou ganho de massa muscular, práticas amplamente divulgadas nas redes sociais.
Riscos do uso sem critério
Segundo a especialista, nesses casos, o aumento não é de benefício, mas de risco. Entre os efeitos adversos já documentados estão acne, hirsutismo, alterações de humor, labilidade emocional e mudanças irreversíveis na voz. Além disso, ainda existem impactos de longo prazo que a ciência não consegue prever com segurança.
Para Fabiane Berta, o debate sobre testosterona na saúde feminina precisa retornar ao campo científico. "Hormônio não é tendência de consultório nem viralização de rede social. É decisão clínica baseada em diagnóstico, prescrição individualizada, monitorização e evidência", conclui.