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Venda de antidepressivo cresce 17% na pandemia

Medo do novo coronavírus, mudanças na rotina, incertezas e o isolamento social estão entre fatores que levaram mais pessoas aos consultórios de psiquiatras; desânimo e alterações no sono são sinais de alerta

1 mar 2021 - 11h19
(atualizado às 11h28)
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SÃO PAULO - Um levantamento inédito do Conselho Federal de Farmácia (CFF) apontou um aumento de 17% nas vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, em relação a 2019. Medo da infecção pelo novo coronavírus, mudanças na rotina, incertezas e o isolamento social estão entre fatores que levaram mais pessoas aos consultórios de psiquiatras, que alertam sobre a necessidade de observar sintomas como alterações no sono, ansiedade e desânimo, e de buscar ajuda ao sentir impactos na saúde mental.

Funcionário conta drogas de prescrição médica
Funcionário conta drogas de prescrição médica
Foto: Chris Wattie / Reuters

"Verificamos o consumo nos períodos de 2018 em relação a 2017, 2019 a 2018, 2020 a 2019. Este último levantamento teve um aumento significativo de venda de remédios para transtorno de humor e psicotrópicos de 17%. Em 2019, tinha sido de 12% e, em 2018, de 9%. Isso mostra o impacto da pandemia na saúde mental das pessoas", explica Wellington Barros, consultor do CFF e professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

O levantamento, feito em parceria com a Consultoria IQVIA, mostrou ainda um ranking dos Estados que mais tiveram aumento de venda desses medicamentos durante a pandemia. O Amazonas lidera com incremento de 29%. Na sequência, estão Ceará (29%) e Maranhão (27%). São Paulo é o 18º colocado, com aumento de 16%.

"Muitas pessoas imaginariam que São Paulo, por ser um Estado extremamente afetado pela pandemia, lideraria, mas sabemos também dos recortes dos determinantes sociais. A literatura médica mostra a prevalência de distúrbios de saúde mental em locais com desigualdade e pobreza. A vulnerabilidade aumenta a prevalência de ansiedade e depressão", avalia Barros.

Ele afirma que os momentos mais críticos da pandemia, desde a escassez de respiradores chegando à crise da falta de oxigênio para pacientes, também têm impacto na saúde mental da população.

Membro da diretoria da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Marcelo Feijó explica que o aumento de problemas psiquiátricos por causa da pandemia já era previsto não só no Brasil, mas em todo o mundo.

"Mundialmente, já era sabido que teria a quarta onda da pandemia relativa à saúde mental. A primeira seria a da covid-19. A segunda, das pessoas que têm complicações por causa da doença. Depois, a das pessoas que têm problemas cardíacos, câncer, e que deixaram de buscar tratamento. A última é a de saúde mental. Medo da doença, isolamento, situação da economia levam a esse aumento. Nos consultórios, as pessoas estão falando que estão trabalhando bastante, há aumento de tentativa de suicídio. É bem preocupante."

Segundo Feijó, que também é professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Faculdade de Medicina do Hospital Israelita Albert Einstein, o estigma em relação ao tratamento psiquiátrico tem diminuído ao longo dos anos, mas ainda há alguns gargalos.

"É necessário pedir ajuda, porque as medicações são controladas e é preciso ter uma receita dada por um médico, mas a maior parte das prescrições não é feita por especialistas. Na classe média, as pessoas vão mais à terapia e tomam medicação. Só que existe uma lacuna entre as pessoas que têm o problema e as conseguem o acompanhamento e ainda houve a interrupção de serviços durante a pandemia. Estima-se que 60% das pessoas que têm problemas psiquiátricos não recebem o tratamento adequado."

A estudante Ana Luiza de Sá, de 26 anos, já estava com sintomas de depressão em janeiro do ano passado e viu a situação se agravar durante a pandemia. "Quando comecei a tomar remédio, a pandemia começou. Não tinha mais o mesmo apoio, porque é diferente conversar por telefone e ter alguém para abraçar. Tive de trocar a medicação e passar pela adaptação de novo."

Em julho, outro momento difícil. Ela e os pais foram infectados pelo vírus. "Nós ficamos em níveis diferentes. Minha mãe teve tosse e meu pai estava com tosse e uma febre que não baixava. Tenho irmão e um sobrinho. Era um oxigênio para a gente quando eles vinham aqui em casa e tivemos de nos isolar. Conseguimos passar por isso, mas foi muito complicado."

Agora, ela já encerrou o tratamento medicamentoso e está só com a terapia. "A terapeuta me ajuda com a pandemia, porque é um momento de refletir sobre muita coisa."

Um engenheiro de 32 anos, que preferiu não se identificar, conta que precisou retomar o tratamento para ansiedade durante a pandemia. Na primeira experiência, em 2017, a crise o fez pensar que estava tendo um enfarte. No ano passado, ele já conseguiu perceber que a situação tinha saído do controle e que precisava de ajuda.

"Quando veio a pandemia, entrei em home office e estava trabalhando com muito estresse. Comecei a perceber que estava mais ansioso do que o normal. Depois de um tempo, perdi o emprego, porque a empresa não estava muito bem, e voltei com a medicação."

Enquanto busca um novo trabalho, ele mantém o isolamento, mas faz atividades físicas para complementar o tratamento. "Saio para dar uma caminhada, ando de skate na minha rua, porque tem pouco movimento. Ficar em casa piora o quadro do ansioso."

Alterações no sono e desânimo são sinais de alerta

Os sinais de que uma pessoa está sofrendo com a depressão e a ansiedade devem ser observados não só pela própria pessoa, mas por quem está ao seu redor. No caso da depressão, não é apenas a tristeza que deve preocupar.

"A depressão é a perda da capacidade de sentir prazer, o mundo parece menos estimulante. Há falta de ânimo, de propósito e pensamentos de culpa excessiva. Já a ansiedade, é um sintoma que todo mundo tem e, de forma geral, é um sistema de alarme para o corpo perceber ameaça. Ela é considerada patológica quando é liberada sem a ameaça real", diferencia Marco Antônio Abud, psiquiatra e fundador do canal Saúde da Mente.

Ele alerta ainda que as pessoas devem observar se tiverem alterações no sono e no comportamento.

"Em outras situações, houve um aumento exponencial de problemas de saúde mental com momentos de ondas que permaneceram por dois a três anos após a pandemia. A ameaça de ter um quadro infeccioso grave deixa a pessoa mais suscetível a traumas, o que leva a um adoecimento mental."

Abud completa que, embora fundamental, o isolamento social traz impactos. "Há a diminuição de fatores protetores para a nossa mente, como ter contato com a luz do sol e com outras pessoas. O ser humano é altamente sociável e o isolamento tem um efeito tóxico." Ele recomenda que, para minimizar os impactos, as pessoas pratiquem atividades físicas, tenham uma alimentação saudáveis e mantenham horários regulares para dormir e acordar.

Estadão
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