PUBLICIDADE

Teste de coronavírus nos EUA retarda o monitoramento da propagação da doença

Pequeno número de casos lança dúvida sobre propagação do vírus em território americano

26 fev 2020 - 13h37
Compartilhar
Exibir comentários

Problemas com um teste criado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) nos Estados Unidos limitou a capacidade de aumentar rapidamente os exames num momento em que a epidemia entra numa fase mais preocupante em outros países. Especialistas estão cada vez mais inquietos de que o pequeno número de casos registrado no país até agora seja reflexo da limitação dos testes e não da propagação do vírus.

Enquanto a Coreia do Sul realizou mais de 35.000 testes para a doença, os Estados Unidos testaram somente 426 pessoas, não incluindo aquelas que retornaram em voos especiais de evacuação. Apenas uma dezena de laboratórios municipais e estaduais podem atualmente realizar testes além dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças em Atlanta porque os kits do enviados pelo CDC para todo o país há uma semana e meia incluíram um componente errado.

Atualmente as diretrizes baixadas recomendam o teste para um grupo muito pequeno de pessoas - aquelas que manifestam sintomas respiratórios e que viajaram recentemente para a China ou tiveram contato com uma pessoa infectada.

Mas muitos especialistas de saúde pública acreditam que, diante das evidências de que a doença se desenvolveu e se propagou localmente em Singapura, Coreia do Sul, Irã e Itália, é o momento de ampliar os testes nos Estados Unidos.

Especialistas temem subnotificação de coronavírus nos EUA

Os especialistas temem que além dos 14 casos detectados na fiscalização dos agentes de saúde haja outras pessoas não identificadas com o vírus, e apresentavam apenas sintomas de resfriado e gripe. O que os assusta mais é que o vírus começa a se disseminar localmente em países fora da China, mas ninguém sabe se este seria o caso nos Estados Unidos porque aquelas pessoas não foram examinadas.

"Os kits de teste do coronavírus não foram amplamente distribuídos para nossos hospitais e laboratórios. Aqueles que não têm os kits precisam enviar as amostras para Atlanta em vez de realizarem o procedimento no local, desperdiçando um tempo precioso à medida que a doença se propaga", disse o líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, democrata de Nova York.

Em uma audiência no Congresso na terça-feira a senadora Patty Murray, de Washington, pressionou o secretário de Serviços Humanos e Saúde Alex Azar a dizer se o teste do CDC tinha falhas. Ele negou que o teste não funcionou corretamente.

Mas numa conversa com a imprensa quase no mesmo momento, Nancy Messonnier, diretora do Centro Nacional de Doenças Respiratórias e Imunização, agência do CDC, afirmou que estava "frustrada" com os problemas relacionados com os kits de teste e que o CDC esperava enviar uma nova versão para os departamentos de saúde dos Estados e municípios em breve.

"Acho que estamos perto", disse ela. Acrescentou que a agência vem trabalhando o mais rápido possível no assunto, mas a prioridade é que os testes sejam precisos.

Segundo ela, atualmente uma dezena de departamentos de saúde estaduais e locais conseguem aplicar o teste embora os resultados positivos tenham de ser confirmados pelo CDC. E disse esperar que os testes feitos em laboratórios comerciais em breve cheguem online.

Messonnier afirmou que a agência vem pensando em ampliar seus protocolos para incluir pessoas que chegaram aos Estados Unidos vindas de outros países além da China, diante da rápida propagação do vírus em outros lugares nos últimos dias.

Dificuldade de realização de testes para coronavírus nos EUA

Os laboratórios públicos, exasperados com o mal funcionamento dos testes em face de uma emergência de saúde pública global, adotaram uma medida inusitada, requerendo ao FDA (agência reguladora de alimentos e medicamentos) permissão para desenvolverem e usarem seus próprios testes. No Havaí as autoridades estão tão alarmadas com a falta de capacidade para realizar os testes que pediram permissão ao CDC para usarem kits de teste do Japão. O diretor de um laboratório hospitalar em Boston desenvolveu um teste in loco, mas está frustrado com o fato de o seu laboratório não poder utilizá-lo sem passar por um oneroso e demorado processo de revisão, mesmo se aumentar a demanda.

"É um pedido extraordinário, mas é um período extraordinário", afirmou Scott Becker, diretor executivo da Association of Public Health Laboratories, que está requerendo ao FDA permissão para os laboratórios criarem e implementares seus próprios testes desenvolvidos em seus laboratórios.

Em um hospital da região do Médio Atlântico, um paciente que retornou recentemente de Singapura, onde 90 casos da doença foram registrados, foi admitido no hospital com leves sintomas respiratórios. O paciente testou negativo para gripe. Como a pessoa apresentava outros sintomas, ela tinha um risco maior de uma doença mais grave se fosse uma infecção por coronavírus.

Embora os médicos suspeitassem que fosse uma infecção por coronavírus e a pessoa tenha sido tratada como se estivesse infectada e colocada em isolamento, ela não foi submetida ao teste.

"Se esta pessoa tivesse retornado da China, eles teriam feito o teste para o coronavírus", disse o médico. O paciente se recuperou e foi liberado.

Pessoas com casos confirmados podem se registrar para exames clínicos. Para pacientes que necessitam cuidados mais intensivos em uma clínica com uma unidade de isolamento, essa clínica é reembolsada pelo governo federal pelo trabalho, disse a autoridade.

O CDC anunciou há uma semana e meia que adicionaria testes piloto à sua rede de vigilância de gripe em cinco cidades, uma medida com o fim de expandir os testes no caso de pessoas com sintomas respiratórios que não apresentam outros fatores de risco óbvios. As amostras cujo teste for negativo para gripe serão testados. Mas houve um atraso por causa de um problema não especificado com um componente utilizado no teste do CDC. Cerca de metade dos laboratórios estaduais receberam os kits com um dos componentes usados no teste do CDC. O Departamento informou que faria uma nova versão e redistribuiria os kits.

Para os especialistas de saúde pública, esses atrasos e a falta de transparência sobre o que deu errado com o teste é extremamente preocupante. "Temos mais de 700 voos mensalmente entre o Havaí e o Japão e a Coreia do Sul" onde o vírus vem se propagando, disse o governador do Havaí Josh Green, que também é médico. É improvável que o CDC permita aos laboratórios estaduais aceitarem um teste de um outro país, disse ele, "mas trata-se de uma circunstância excepcional", acrescentou.

Em carta ao FDA, a Association of Public Health Laboratories requereu à agência permissão para criar e usar seus próprios testes.

Como foi declarada uma emergência de saúde pública, laboratórios de hospitais certificados que normalmente têm capacidade de desenvolver e validar seus próprios testes não podem utilizá-los sem solicitar uma "autorização de uso de emergência", uma barreira importante para aplicar o teste.

"Acho que muitas pessoas, como eu, acham ser muito provável que este vírus esteja circulando em baixo nível nos Estados Unidos, no momento. Não sabemos com certeza porque não o temos visto", disse Michael Mina, diretor da área de microbiologia no Brigham and Women's Hospital. Segundo ele, o cenário melhor no caso dos testes de gripe é um tempo de entrega de 30 minutos, mas no momento o envio das amostras para Atlanta para serem testadas para o coronavírus significa uma espera de 48 horas.

Marion Koopmans, virologista do Erasmus University Medical Center, na Holanda, que realizou algumas centenas de testes para mais de uma dezena de países, disse que desenvolver um teste para um novo patógeno é complicado e envolve refinamento e um troca de ideias entre pesquisadores que estão constantemente aprendendo um com o outro.

"Isto é comum no surto de uma nova doença. Ninguém na realidade sabe como ela funciona, de modo que você tem de desenvolver na pressa".

Mas com os Estados Unidos ainda lutando para aumentar sua capacidade, o teste para o coronavírus foi adicionado ao sistema de monitoramento de gripes na Holanda há duas semanas. O kit foi recentemente distribuído para doze laboratórios de diagnóstico molecular de alto desempenho na Holanda de modo que podem estar prontos para ser ampliados se a demanda aumentar.

Parte do problema nos Estados Unidos é a tensão entre os regulamentos que visam garantir um padrão de alta qualidade dos testes e a necessidade de eles serem realizados rapidamente. Nenhum teste é perfeito e com as fortes chances de se perder ou não identificar um caso, as autoridades querem se certificar de que eles sejam o mais possível acurados e validados pelos laboratórios que os administram. Mas a lentidão reflete também anos de baixo investimento na infraestrutura de saúde pública e uma tendência a desenvolver tratamentos que podem agradar mais o público.

"O sistema de saúde pública não está suficientemente aparelhado para agir rapidamente", disse Lucina Borio, que foi diretora da área de Medical and Biodefense Preparedness Policy do Conselho de Segurança Nacional e hoje é vice-presidente da In-Q-Tel, investidor estratégico que apoia a comunidade de inteligência dos Estados Unidos. "No decorrer dos anos, devido aos recursos limitados, nós investimos mais em vacinas e terapêutica do que em testes de diagnósticos. A ideia era esta: testes não vão salvar minha vida. Mas o fato é que eles corroboram grande parte da resposta e precisam de muito mais atenção".

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade