SC: modelo exibe necrose na perna após procedimento estético e denuncia técnica

Após 27 anos, Karim Kamada retomava a carreira como modelo --após uma pausa forçada pela maternidade solo-- quando teve que interromper os planos por causa de uma necrose no glúteo e nas pernas, provocada por um procedimento estético em uma clínica de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina. A mulher de 51 anos teve que fazer duas cirurgias para tratar as lesões. A esteticista foi denunciada à Polícia Civil, que investiga o caso. A clínica foi interditada. 

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Ao Terra, ela conta que estava cuidando intensamente do corpo e de sua saúde, com treinos e alimentação correta. Para ajudar na redução de celulite e gordura localizada, Karim decidiu fazer um procedimento estético com caneta pressurizada com enzimas. 

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“Encontrei a profissional por meio de um anúncio patrocinado no Instagram”, relata a jovem ao mencionar Vanderléia de Fátima Andrade Santos. Nas redes sociais, a profissional se apresenta como esteticista há 23 anos e especialista em “técnicas de massagens redutoras e indolor”. 

Segundo a modelo, o tratamento foi vendido como algo seguro e sem riscos. "Em nenhum momento a profissional me alertou, nem assinei algum termo que previa algo relacionado, e também não preenchi ficha de anamnese”, relembra.

As aplicações eram realizadas duas vezes na semana e, após algumas sessões, a modelo começou a sentir dores intensas na região dos glúteos, onde também havia vermelhidão e febre local. Mesmo relatando os sintomas, a profissional afirmava que era normal.

Com o passar do tempo, as lesões evoluíram para inflamações severas, celulite infecciosa e até um abscesso necrosado --quando ocorre a morte do tecido do glúteo esquerdo ou das pernas--, conforme aponta o laudo do Instituto Médico Legal (IML) ao qual a reportagem teve acesso.

Karim passou por vários médicos e precisou fazer a primeira cirurgia, na qual foi retirada toda a pele comprometida. Um segundo procedimento foi realizado para tratar novas lesões. A modelo segue em tratamento contínuo há três meses, com uso de antibióticos e outros medicamentos. 

Denúncia

Diante da situação, a modelo decidiu denunciar a profissional. Em nota, a Vigilância Sanitária informou que foi à clínica em 29 de julho e constatou irregularidades que levaram à interdição do espaço, como a ausência de documentos obrigatórios para o funcionamento da atividade, além da profissional também não apresentar, naquele momento, a documentação que comprovasse sua habilitação para efetuar tais procedimentos. Até a semana passada, Vanderléia não havia apresentado a documentação, segundo o órgão. 

A Polícia Civil de Santa Catarina também confirmou que está investigando as denúncias apresentadas e que um inquérito foi instaurado. “Ainda restam os laudos periciais e à oitiva da proprietária do espaço. Novas diligências serão realizadas para esclarecer os fatos”, informa.

E segundo Karim, mesmo proibida de exercer a função, a profissional de estética segue atuando em outro local, “Inclusive, houve um episódio em que a polícia precisou ser acionada porque ela impediu a fiscalização de entrar no local”, afirma a modelo. 

O Terra procurou a defesa de Vanderléia de Fátima, que informou que teve acesso ao boletim de ocorrência na segunda-feira, 6. "A sra. Vanderleia tomou conhecimento das acusações movidas pela sra. Karim tão somente através de matéria jornalística, de modo que as medidas judiciais estão sendo adotadas e nos restringiremos a manifestações apenas em juízo. Sandra P. Cacciatore e Blaine Alves|, diz a nota enviada pela advogada. 

Impacto na vida profissional

Karim vivia um bom momento, havia acabado de casar e investia na carreira depois de quase três décadas. “Fui modelo dos 16 aos 24 anos, mas interrompi a carreira para ser mãe solo. Naquela fase, eu buscava estabilidade e uma rotina que me permitisse cuidar do meu filho. Anos depois, quando meu filho também se tornou modelo, aquele sonho que havia ficado em pausa ressurgiu”, explica. 

Voltar a modelar como uma mulher 40+ é significativo para ela, uma forma de representar outras mulheres e mostrar que a beleza tem várias fases. Ela já havia feito campanhas em São Paulo e no Rio Grande do Sul, no entanto, o sonho foi interrompido. Agora, além do tratamento para as lesões, ela faz tratamento psicológico, já que passou a ter crises de pânico depois de ter complicações com o procedimento estético.

“Eu tinha uma vida muito ativa. Estava estudando, fazendo cursos. Não tenho a mesma qualidade [de vida]”, analisa. 

Tratamento é regulamentado?

A dermatologista Flávia Makhlouf explica que a chamada caneta pressurizada é um dispositivo que promete aplicar substâncias --como enzimas lipolíticas-- sem o uso de agulhas, apenas com pressão. 

“Em teoria, ela seria utilizada para reduzir gordura localizada ou melhorar o contorno corporal. No entanto, não há evidência científica robusta que comprove sua eficácia ou segurança, especialmente quando utilizada para introduzir enzimas ou qualquer ativo na pele. A pressão exercida pelo equipamento não garante que o produto chegue à camada correta do tecido e pode causar lesões locais”, afirma. 

A especialista aponta que a caneta pressurizadora não é regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como dispositivo médico autorizado para aplicar substâncias injetáveis.

“Além disso, as enzimas utilizadas nesses casos também não têm aprovação para esse tipo de via de administração. Isso significa que o uso do equipamento e dessas substâncias com finalidade estética é considerado irregular e sem respaldo científico ou legal”, esclarece. 

Esse tipo de procedimento pode trazer riscos como:

• Infecções locais e abscessos, por falha de assepsia ou pela forma inadequada de penetração das substâncias;
• Necrose tecidual, devido à aplicação incorreta e à concentração incontrolável do produto nos tecidos;
• Reações inflamatórias e alérgicas, já que não há precisão na dose ou na profundidade de aplicação;
• Complicações estéticas irreversíveis, como fibrose, manchas, irregularidades e cicatrizes.

“Como a caneta pressurizada com enzimas não é regulamentada, nenhum profissional da saúde está autorizado a utilizá-la com essa finalidade estética. Em contrapartida, procedimentos injetáveis (como aplicação de enzimas, preenchedores ou bioestimuladores) devem ser realizados apenas por profissionais legalmente habilitados e com formação adequada, como médicos e dentistas, que têm treinamento anatômico e farmacológico para administrar substâncias com segurança, dentro das normas do CFM e CFO”, finaliza.