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O que a ciência diz sobre a eficácia de tratamentos citados por Bolsonaro ao revelar que está com covid-19

Presidente afirmou que tomou composto de hidroxicloroquina com azitromicina. Medicamentos, porém, não têm efeito comprovado, e cientistas alertam para riscos.

7 jul 2020 - 15h25
(atualizado às 15h27)
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Bolsonaro disse que tomou ao menos duas doses de cloroquina após ser diagnosticado com covid-19
Bolsonaro disse que tomou ao menos duas doses de cloroquina após ser diagnosticado com covid-19
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Ao confirmar que está com a covid-19, nesta terça-feira (7), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que tomou doses de um composto com hidroxicloroquina e azitromicina, após apresentar os primeiros sintomas da doença.

Em seu discurso, o presidente disse que os primeiros sinais da infecção pelo novo coronavírus começaram no domingo (5), após ele se sentir indisposto. Posteriormente, segundo Bolsonaro, ele teve outros sintomas como mal-estar, febre e cansaço.

O presidente disse que chegou a ter 38 graus de febre na segunda-feira (6). Ele procurou atendimento médico, fez o exame e afirmou que tomou, às 17h, a primeira dose do composto de hidroxicloroquina com azitromicina.

"A reação (ao composto de remédios) foi quase imediata. Poucas horas depois estava me sentindo bem", declarou o presidente. Ele citou que há médicos brasileiros que afirmam que o tratamento com hidroxicloroquina logo nos primeiros sintomas traz "chances de sucesso" de até 100%.

Apesar de defender o uso da hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19, ele admitiu saber que não há comprovação científica de que o medicamento ajuda no combate ao novo coronavírus. No entanto, Bolsonaro afirmou que muitos médicos têm tido bons resultados ao adotar o remédio em tratamentos — ele, porém, não citou dados, apenas relatos que ouviu de alguns profissionais de saúde.

A declaração de Bolsonaro sobre os benefícios da hidroxicloroquina, cloroquina e do antibiótico azitromicina colide com as orientações de entidades médicas de todo o mundo.

Apesar de o Ministério da Saúde, a pedido do presidente, recomendar o tratamento da covid-19 com essas medicações, entidades como a Organização Mundial de Saúde (OMS) não apoiam essas medidas, pois apontam que não há comprovação científica para tal. Além disso, diversos testes com cloroquina e hidroxicloroquina foram suspensos, após não apresentarem bons resultados no combate ao novo coronavírus.

O relato do presidente joga luz sobre uma preocupação que tem feito parte da rotina de sociedades brasileiras de saúde: os inúmeros compartilhamentos sobre tratamentos precoces contra a covid-19.

Em 30 de junho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou uma nota para alertar sobre os riscos desses tratamentos precoces. "Nos últimos dias, muito tem se divulgado nas redes sociais a respeito do uso de medicamentos para a covid-19. Várias destas divulgações que circulam nas mídias sociais são inadequadas, sem evidência científica e desinformam o público", diz o comunicado.

Entidades, como a OMS, esclarecem que, por ora, não há comprovação científica de que uma medicação possa prevenir a doença ou evitar, se usada no início dos sintomas, que o quadro de um paciente infectado se agrave.

A principal orientação das sociedades brasileiras da área da saúde, diante da ausência de um medicamento comprovadamente eficaz, é que o médico decida individualmente o tratamento que adotará, sempre citando os benefícios e riscos para o paciente. As medidas terapêuticas devem ser definidas conforme as necessidades e respostas de cada caso, sem que haja a imposição do uso de qualquer remédio.

Cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina

Em seu discurso, Bolsonaro disse que tomou a segunda dose do composto de hidroxicloroquina com azitromicina às 5h desta terça. Ele afirmou que se sente "perfeitamente bem".

Há meses, o presidente defende o uso da hidroxicloroquina e cloroquina no enfrentamento à covid-19. O Ministério da Saúde, a pedido dele, contraria entidades de saúde e recomenda o uso da cloroquina e hidroxicloroquina no combate à covid-19 em casos leves ou graves quando médicos e paciente concordam com o tratamento.

Ele afirma que se trata da melhor alternativa contra a covid-19, por não haver nenhum medicamento comprovado contra o novo coronavírus.

No entanto, entidades como a OMS, a FDA (equivalente americana à Anvisa), a Sociedade Americana de Infectologia (IDSA) e o Instituto Nacional de Saúde Norte-Americano (NIH) recomendaram, em meados de junho, que os profissionais de saúde não usem cloroquina ou hidroxicloroquina em pacientes com a covid-19, exceto em pesquisas clínicas.

Anteriormente, a FDA havia autorizado o uso da cloroquina e derivados nos Estados Unidos para tratar a covid-19 em caráter emergencial, tendo como base estudos preliminares, sem passar por todos os testes necessários. Porém, desde a aprovação emergencial, o avanço das pesquisas trouxe evidências sólidas de que o remédio não melhora os quadros de pessoas em estado grave. Diversos efeitos colaterais, como problemas cardíacos, foram relatados. A revisão mais recente da FDA diz que o uso das substancias foi associado a relatos de arritmia cardíaca, problemas linfáticos e sanguíneos, nos rins e fígado.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Infectologia, o relatório preliminar de um grande estudo coordenado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, apontou que as medicações não trouxeram benefícios para pacientes hospitalizados.

A utilização da cloroquina e hidroxicloquina em casos de covid-19 leves ou moderados está em estudo e ainda não há resultados. Por não haver comprovação científica, entidades de saúde apontam que o uso dessas medicações é arriscado.

A hidroxicoloroquina é um derivado mais brando da cloroquina
A hidroxicoloroquina é um derivado mais brando da cloroquina
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Já os estudos com a azitromicina apontaram que seu uso indiscriminado e inadequado favorece a resistência bacteriana. Os efeitos do antibiótico em pacientes com a covid-19 ainda não foram comprovados cientificamente.

Mesmo sem comprovação científica, o Ministério da Saúde recomenda o uso da azitromicina em tratamento precoce de pacientes adultos diagnosticados com a covid-19 nos primeiros cinco dias após aparecerem os sintomas, junto com a cloroquina ou o sulfato de hidroxicloroquina.

Medicamentos como profilaxia

Ainda nesta terça-feira, Bolsonaro afirmou que se tivesse tomado hidroxicloroquina antes da infecção pelo novo coronavírus, não teria apresentado sintomas ao ser infectado.

"Se eu tivesse tomado hidroxicloroquina como preventivo, como muita gente faz, estaria trabalhando e até, obviamente, poderia estar contaminando gente. Essa foi a minha preocupação ao buscar exame na segunda-feira, para evitar contágio de terceiros", declarou.

A declaração de Bolsonaro sobre suposta profilaxia contra a covid-19 também vai contra os estudos sobre o novo coronavírus. Isso porque, ao menos até o momento, não há nenhum tipo de tratamento profilático contra o vírus, ou seja, comprovação de medicamentos que, usados precocemente, impeçam o desenvolvimento de formas graves da covid-19.

Para médicos e estudiosos do coronavírus, a propagação de tratamentos para evitar a infecção pelo novo coronavírus, ou para impedir que um quadro de saúde piore, pode culminar em automedicação, induzir alguns médicos a receitarem determinado medicamento mesmo sem a comprovação científica e trazer a falsa sensação de segurança àqueles que adotam determinadas medicações de modo profilático.

Estudiosos destacam que ainda não é possível atestar que qualquer medicação é eficaz contra a doença porque não houve tempo hábil para os testes necessários, que precisam ser feitos em laboratório e em humanos.

Assim como Bolsonaro, muitas pessoas podem sentir melhoras depois de usar determinada medicação, porém especialistas ressaltam que a taxa de letalidade da doença mostra que a imensa maioria dos infectados vai sobreviver ao Sars-Cov-2 - é difícil, portanto, ter certeza (sem testes clínicos concluídos) de se isso se deveu ao medicamento ou ao curso natural da doença na maioria das pessoas. Desta forma, ressaltam que ainda não é possível afirmar, sem estudos aprofundados, que determinado medicamento é eficaz contra a covid-19.

No Brasil, que já registrou 1,6 milhão de casos e mais de 65 mil mortes por covid-19, a taxa de letalidade da doença é de, aproximadamente, 4%, segundo dados do Ministério da Saúde.

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