Solidão afeta cérebro e corpo e se intensifica no fim do ano
Especialista alerta que o isolamento em dezembro vai além do emocional e pode impactar a saúde física e mental
A solidão afeta cérebro e corpo de forma profunda e, no mês de dezembro, esse impacto tende a se intensificar.
Enquanto o fim do ano é culturalmente associado a encontros, celebrações e vínculos afetivos, muitas pessoas vivenciam justamente o oposto: sensação de vazio, desconexão e isolamento.
Esse fenômeno deixou de ser visto apenas como um desconforto emocional e passou a ser reconhecido como um problema de saúde pública, com efeitos comparáveis aos de fatores de risco clássicos, como obesidade e uso de substâncias.
Nos Estados Unidos, um alerta oficial do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, divulgado em 2023, já apontava que a solidão crônica representa um risco significativo à saúde, mesmo antes da pandemia.
Em períodos festivos, esse isolamento subjetivo, quando a pessoa sente que suas conexões são insuficientes, pode se tornar ainda mais intenso.
Por que a solidão pesa mais no fim do ano?
Segundo a neurologista Anelise Daiane Caprine, do Hospital São Marcelino Champagnat, a solidão não se resume ao fato de estar sozinho.
Trata-se de uma discrepância entre as relações desejadas e as reais, envolvendo dimensões emocionais, sociais e existenciais. Mesmo pessoas cercadas de vínculos podem sentir falta de propósito ou pertencimento, especialmente em datas simbólicas.
Do ponto de vista neurológico, o cérebro interpreta a solidão como um estado de ameaça constante. Esse mecanismo ativa a amígdala cerebral, eleva os níveis de cortisol e reduz neurotransmissores como dopamina e serotonina, fundamentais para o bem-estar, a motivação e o equilíbrio do humor.
O resultado é um estresse social crônico que se traduz em sofrimento emocional persistente.
Quais são os impactos da solidão no organismo?
Os efeitos do isolamento vão além da saúde mental.
A ativação prolongada do sistema de resposta ao estresse favorece inflamação crônica, alterações no sistema imunológico e prejuízos cardiovasculares.
Enquanto que, a hiperatividade do sistema nervoso simpático pode elevar a pressão arterial e a frequência cardíaca, aumentando o risco de aterosclerose, diabetes e resistência à insulina.
De acordo com o psiquiatra Marcelo Daudt, estudos já equiparam os riscos da solidão aos do tabagismo.
Isso porquê, pessoas que se sentem sozinhas apresentam maior probabilidade de desenvolver ansiedade, depressão, infarto, AVC e até demência.
Além disso, comportamentos associados ao isolamento, como sedentarismo, distúrbios do sono e alimentação desregulada, agravam ainda mais o quadro.
Quando buscar ajuda e como reduzir os danos?
A solidão se torna clinicamente relevante quando provoca sofrimento intenso, prejuízo na rotina ou risco físico e emocional. Sensação persistente de vazio, retração social, queda de produtividade e sintomas depressivos são sinais de alerta.
Em casos mais graves, como pensamentos de morte ou uso excessivo de álcool, a busca por ajuda profissional deve ser imediata.
A prevenção pode começar com atitudes simples e consistentes. Contatos frequentes, ainda que breves, participação em grupos com interesses comuns e vínculos significativos têm efeito protetor comprovado.
Além disso, estratégias terapêuticas, como a terapia cognitivo-comportamental e práticas de mindfulness, também ajudam a reconstruir conexões e reduzir o impacto do isolamento.
Assim, no mês em que a sociedade espera celebração coletiva, reconhecer que a solidão é um risco real à saúde é um passo essencial. Mais do que eventos ou presentes, dezembro pede presença e ela pode começar com um gesto simples de conexão.