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Como o sorvete engana nossos cérebros e quem inventou essa delícia?

Quem fez o primeiro sorvete é uma questão controversa e há quase tantas histórias quanto sabores.

11 set 2024 - 08h19
(atualizado às 11h49)
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O sorvete é frequentemente associado a acontecimentos positivos
O sorvete é frequentemente associado a acontecimentos positivos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Quem criou o primeiro sorvete é uma questão em disputa e há quase tantas histórias quanto sabores, incluindo o sorvete de leite de égua recentemente redescoberto (veja mais detalhes abaixo).

E por que gostamos tanto de sorvete é, de fato, um assunto científico sério.

Pesquisadores analisaram os benefícios nutricionais da sobremesa gelada e seus efeitos menos saudáveis no corpo humano.

Também há estudos sobre como o sorvete pode mudar nosso humor.

O Instituto de Psiquiatria de Londres descobriu em 2021 que o córtex orbitofrontal das pessoas (a parte do cérebro envolvida no processo cognitivo de tomada de decisão) começa a responder após apenas uma degustação de sorvete.

Outros estudos mostram que nutrientes como proteína e gordura, que são abundantes em sorvetes de boa qualidade, elevam nossos níveis de humor e aumentam nossos níveis de serotonina (um estimulante natural do humor).

A evolução também desempenha um papel importante. Ela explica por que os humanos desejam coisas doces regularmente.

E a combinação de açúcar, gordura e temperatura fria do sorvete dá ao consumidor uma sensação agradável na boca.

A origem dessa delícia gelada gera discussões acaloradas entre historiadores da culinária.

Algo que é aceito no debate sobre a origem do sorvete é que ele é anterior à eletricidade e à refrigeração.

Muitas das culturas marcadas pela presença de neve e gelo inventaram algumas formas de sobremesas ou bebidas congeladas, que são consideradas precursoras do sorvete.

Dizem que o imperador romano Nero, no século um, enviou mensageiros às montanhas para coletar gelo para seu suco de frutas.

Há registros de imperadores na China antiga na Dinastia Tang (618-907 d.C.) se banqueteando com uma mistura congelada semelhante ao leite.

Em seu livro Ice Cream: A Global History ("Sorvete: Uma história global", em tradução livre), Laura B. Weiss escreve sobre a mistura "composta de leite de vaca, cabra ou búfala que era fermentada e aquecida, com farinha e cânfora para dar sabor e textura..."

"O congelamento da mistura era obtido ao envolvê-la em tubos de metal e, em seguida, colocá-los em uma piscina de gelo - muito parecido com o kulfi [sorvete tradicional indiano] de hoje."

O kulfi indiano é produzido em muitos sabores regionais
O kulfi indiano é produzido em muitos sabores regionais
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Sorvete, gelato ou sorbet?

Um yakhchal, tipo de casa de gelo desenvolvida na antiga Pérsia
Um yakhchal, tipo de casa de gelo desenvolvida na antiga Pérsia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Robin Weir, autor de Ice Creams, Sorbets and Gelati: The Definitive Guide ("Sorvetes, sorbets e gelatos: O guia definitivo", em tradução livre), afirma que podemos olhar para duas pistas que podem ajudar a identificar os inventores da delícia gelada.

Primeiro, é preciso definir o que é sorvete.

"Simplificando, o sorvete tem laticínios ou creme de leite, enquanto o sorbet não tem nada disso", disse Weir em um programa de rádio da BBC em 2022.

"O gelato, que veio da Itália, tem pouco ou nenhum creme. Seu processo de mistura é mais lento, resultando em menos ar no produto final.

"Acho o assunto do sorvete fascinante porque há tão poucos ingredientes envolvidos — açúcar, água, talvez leite ou creme e aromatizantes — é tudo sobre como você os coloca juntos."

A segunda sugestão de Weir para rastrear a origem do sorvete é descobrir quando os humanos identificaram o efeito endotérmico — o princípio de adicionar sal para diminuir a temperatura do gelo para abaixo do ponto de congelamento, 0ºC.

A temperatura ideal para a formação de sorvete é entre -10ºC e -20ºC.

Laura Weiss escreve que os chineses, árabes e indianos demonstraram em algum momento da história sua compreensão do princípio do efeito endotérmico.

Mas o tempo exato ainda é desconhecido para os historiadores.

No Irã, o yakhchal - uma estrutura em forma de domo com espaço subterrâneo construída por volta de 400 a.C. - foi considerada uma construção de armazenamento de gelo.

Há mais de cem deles, mas ainda há dúvidas sobre por que os antigos persas os construíram para armazenar gelo.

Eles sabiam sobre o efeito endotérmico e usavam o gelo armazenado dentro para fazer sobremesas congeladas?

Kitty Travers é uma sorveteira de Londres especializada em produzir sorvetes com 'sabores naturais'
Kitty Travers é uma sorveteira de Londres especializada em produzir sorvetes com 'sabores naturais'
Foto: BBC News Brasil

Kitty Travers, fundadora da La Grotta Ices em Londres, no Reino Unido, é especialista em produzir sorvetes de "sabores naturais", que usam frutas, vegetais e ervas para dar sabor.

Ela descreve como experimentou o método tradicional de fazer sorvete endotérmico.

"Anos atrás, fui fazer um curso histórico de fabricação de sorvetes", conta à BBC.

"Tínhamos um balde de madeira com cubos de gelo e sal em camadas. Colocamos uma lata de metal cheia de queijo parmesão dentro do balde e batemos a mistura manualmente.

"Funcionou mais rápido do que minha máquina de bater elétrica. O sorvete ficou incrível.

"Então, em teoria, se você pudesse colher cubos de gelo na natureza, não precisaria de eletricidade para fazer sorvete."

Na Europa, uma história frequentemente contada é que Marco Polo (1254-1324) trouxe as receitas de sobremesas congeladas, entre outros tipos de alimentos, de volta da China. Se ele realmente chegou à China é contestado.

Mas inúmeras publicações culinárias, incluindo o Oxford Companion to Sugar and Sweets ("Compêndio de Oxford para açúcar e doces", em tradução livre), apontaram que o efeito endotérmico nos alimentos não era conhecido pelos europeus até o século 16.

Uma vez que a refrigeração se tornou acessível na segunda metade do século 20 no Ocidente, a fabricação de sorvetes começou a evoluir para um negócio em escala industrial.

Sabores de inspiração local

Tapiwa Guzha segura uma xícara cheia de uma de suas criações: sorvete de ameixa fermentada e molho picante de pimenta
Tapiwa Guzha segura uma xícara cheia de uma de suas criações: sorvete de ameixa fermentada e molho picante de pimenta
Foto: Reprodução/YouTube / BBC News Brasil

Hoje, o sorvete está no centro de uma indústria global que deve movimentar US$ 103,4 bilhões (R$ 585 bilhões) em 2024, de acordo com a plataforma de inteligência empresarial Statista.

Em comparação, as indústrias do chocolate e do café movimentam US$ 133,6 bilhões e US$ 93,46 bilhões, respectivamente.

Os sabores oferecidos estão se tornando cada vez mais variados, saindo da baunilha e do chocolate convencionais, para refletir as culturas alimentares locais.

Tapiwa Guzha, que administra um café na Cidade do Cabo, na África do Sul, chamou a atenção nas redes sociais em 2022 com seu sorvete de peixe seco salgado e pimenta scotch bonnet.

O biólogo molecular nascido no Zimbábue se descreve como um foodie (um apreciador dos alimentos) com uma mente científica.

"Eu não comecei a fazer sabores estranhos ou diferentes, eu estava apenas fazendo sabores que refletem o sistema alimentar local no continente [africano]", disse ele à BBC.

"Minha comida é para mostrar tanto os cruzamentos, quanto os temas comuns entre diferentes comunidades no continente."

Sorvete de leite de égua

E o mais recente desenvolvimento de sorvete veio da Polônia.

Pesquisadores da Universidade de Tecnologia da Pomerânia Ocidental em Szczecin conseguiram fazer um lote de sorvete de iogurte de leite de égua que tem consistência e aparência semelhantes ao sorvete de leite de vaca.

O estudo que eles publicaram em agosto também sugere que o leite de égua pode ajudar a melhorar a saúde intestinal dos humanos, mas mais pesquisas são necessárias.

O leite de égua fermentado é consumido na Ásia Central há muito tempo, mas fazer sobremesa gelada com ele é um experimento relativamente novo.

Kitty Travers testou a receita dos pesquisadores poloneses, mas achou o resultado "fino e ligeiramente arenoso".

Quando a BBC a visitou no final de agosto, ela havia feito outro lote usando casca de pera, pólen de erva-doce e sementes para dar sabor ao leite de égua.

Uma semana depois, ela serviu o novo sabor em uma festa e recebeu a aprovação de seus amigos.

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