Água com sabor: como cápsulas aromáticas podem driblar o vício em refrigerantes e café
Terra conversou de maneira exclusiva com neurocientistas que explicaram como ocorre o fenômeno do 'auto-engano' do cérebro
Cientistas explicam como cápsulas aromáticas podem ajudar a substituir refrigerantes e café por água saborizada, explorando o fenômeno de "auto-engano" do cérebro, mas alertam para a falta de estudos conclusivos sobre impactos na saúde.
É possível perceber nas redes sociais um considerável entusiasmo de pessoas que utilizam as chamadas 'garrafas de cápsulas'. A publicidade em torno do produto aponta para uma maneira de 'driblar' a percepção sensorial, uma vez que tais garrafas permitem a incorporação de cápsulas especiais com cheiros e aromas de diversos sabores.
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Assim, por exemplo, uma pessoa que tem dificuldade em consumir uma quantidade adequada de água ao longo do dia, mas que consome muito café, tem a possibilidade de 'personalizar' a bebida com o gosto da cafeína e, consequentemente, aumentar o consumo de água.
Há uma grande variedade de sabores à disposição do consumidor. Existem cápsulas com aromas de frutas, vegetais, plantas e refrigerantes. Portanto, as cápsulas são as responsáveis por criar no cérebro a ilusão de que se está a ingerir uma bebida com sabor.
A psicóloga e neurocientista Andrea Deis, especialista em saúde mental, explica cientificamente como o fenômeno do 'auto-engano' do cérebro acontece nestes casos. Para ela, bebidas como o refrigerante, por exemplo, ativam um 'sistema de recompensa' e por isso o cérebro acaba estimulando o indivíduo a consumir mais a mesma bebida.
"Existe o que chamamos de pico dopaminérgico, que faz com que o refrigerante e o açúcar se ofereçam como um acolhimento ao organismo por conta do prazer. O açúcar, ao ser consumido, ativa um sistema de recompensa no mesolímbico. Assim, a dopamina é liberada no núcleo accumbens, gerando prazer e a necessidade de consumir ainda mais. Com o tempo, o cérebro associa o sabor doce, ou a cafeína, à liberação de dopamina, que pode ser entendido como vício", explicou em conversa exclusiva com a reportagem do Terra.
A especialista acrescenta ainda que se o sabor da cápsula for suficientemente agradável e satisfatório irá, possivelmente, atenuar o desejo por refrigerante, gerando um 'placebo gustativo'. Além disso, Andrea afirma que o cérebro possui uma grande capacidade de reaprendizagem, ou seja, quando a atenção é voltada a uma nova intencionalidade, há essa sensação de 'auto-engano'.
A opinião é corroborada por Julio Peres. Doutor em Neurociências pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade da Pensilvânia, nos EUA, Peres explica que substituir refrigerante por água com cápsulas de sabor é um fenômeno plausível à luz da Neurociência.
Os efeitos, segundo ele, são sustentados por priming --uma espécie de pré-ativação das vias neurais, placebo, memórias sensoriais e dessensibilização, que demonstram como o cérebro pode atualizar padrões de recompensa, atenuando ou mesmo substituindo vínculos compulsivos.
"Costumo dizer para os meus pacientes que o psiquismo "vai para onde você está olhando", ou seja, a atenção e o foco mental direcionam a experiência subjetiva. Se o indivíduo associa o ato de beber refrigerante a sensações de prazer, socialização ou recompensa, essa expectativa pode ser parcialmente transferida para a experiência de beber água saborizada, especialmente quando há um ritual semelhante ao abrir a garrafa, sentir o aroma e saborear", contou.
Por fim, Peres afirmou ainda, por se tratar de um fenômeno recente, que não existem estudos suficientes e conclusivos sobre os possíveis malefícios à saúde associados ao consumo regular de águas saborizadas. Deste modo, somente daqui a algum tempo, com a elaboração de inúmeros matérias, o debate poderá ser abordado com maior profundidade por setores da indústria, saúde e a sociedade como um todo.