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Poeta Sérgio Vaz mobiliza jovens artistas da periferia de SP com eventos de poesia

Escritor acredita que esse público passou a se expressar mais com o 'hip hop' dos anos 1980 e diz que enxerga o funk como um 'grito de socorro'

19 ago 2018 - 08h12
(atualizado em 20/8/2018 às 09h54)
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Engana-se quem pensa que a poesia é a arte dos intelectuais. Iniciativas populares, tocadas por poetas da periferia de São Paulo, têm levado entretenimento aos jovens e mostrado que o mundo dos versos não se restringe à escritores com linguajar pouco acessível. "É necessário se apropriar do conhecimento e subverter a ideia de que o povo não gosta de ler", explica o poeta Sérgio Vaz.

O escritor é fundador do Sarau da Cooperifa, um espaço literário na zona sul da cidade, que, há 16 anos, atrai jovens de comunidades interessados em arte. "Essas pessoas estão acostumadas a ler sobre elas, periféricas, em textos que não foram feitos por quem mora na favela. Então, quando vão aos slams [competições de poesia] e saraus, elas falam do que a alta literatura não quer falar ou que talvez só não venda", afirma o autor.

Sérgio Vaz acredita que a juventude tem mudado de comportamento desde o crescimento do hip-hop no Brasil, na década de 1980, quando ela passou a se espelhar em nomes como Malcolm-X e Dandara. "Os jovens da periferia estão vivendo a nossa Semana de Arte Moderna, nossa Bossa Nova e nossa Tropicália periférica, tudo de uma vez. Eles estão se divertindo assim, e enxergo isso com bons olhos, porque estão se apropriando de um entretenimento muito difícil, que é o do conhecimento e o da palavra", analisa.

Vaz ganhou popularidade com cartazes espalhados pela cidade com seus poemas. No entanto, ele prefere não se considerar uma referência literária. "Quando alguém se espelha em algo de bom que eu faço é porque eu também me espelho em algo bom que outra pessoa faz, então eu estou passando uma corrente de bem", aponta.

O escritor reflete, também, sobre a presença do funk na vida dos jovens e a importância de aproximar os artistas das comunidades onde moram. Confira a entrevista na íntegra.

Existem lambe-lambes espalhados pelas ruas de São Paulo com seus poemas. Qual a importância dessas intervenções e por que você as faz?

Eu quero democratizar a poesia. Acredito que essa cidade precisa de poesias, e essa é a minha forma de colocá-las no caminho das pessoas. Quero passar a elas uma mensagem para quando estiverem indo ao trabalho, ou voltando para casa depois de um dia cansativo, por exemplo. É muito bacana encontrar leitores que dizem que seu poema mudou o dia, que é importante para a vida deles ou que não é bom. Nós, escritores da periferia, não fazemos parte da crítica e dos comentários da mídia. A nossa crítica e a nossa mídia estão na rua. Esse é o feedback que eu quero sobre o meu trabalho.

Você foi um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna da Periferia em 2007. Hoje, o evento se chama Amostra Cultural da Cooperifa e atrai muitos jovens. Você enxerga isso como uma forma de entretenimento na periferia?

Em 2007, coletivos de várias quebradas se uniram para dessacralizar algo muito importante para a cultura da elite paulistana: a Semana de Arte Moderna de 1922. Estamos indo para a 11º edição neste ano e teremos 48 eventos em escolas, teatros, céus e praças da periferia de São Paulo. A ideia é apresentar o artista à sua comunidade e a comunidade ao seu artista. Queremos que essas pessoas se vejam para discutir arte, cultura, lazer e discutir os problemas do País a partir da ótica do povo da periferia.

A gente não quer entreter por si só, porque o mundo mainstream (convencional, em tradução livre) e o mercado já fazem isso. A função do Cooperifa é pensar num entretenimento que traga conhecimento e informação. Eu acho que a gente não pode repetir o que é feito pelo mercado para divertir a juventude.

Existe um preconceito contra o funk, um entretenimento que nasceu e que acontece na periferia. O que você pensa sobre isso?

O funk reproduz o que a música sertaneja também fala, só que esta é feita por brancos e para brancos muitas vezes de classe média. Não é nem mais para o caipira. Mas, quando eu ouço um funk, eu sei o que querem dizer. Eu não tenho raiva. Eu sinto que a juventude está pedindo socorro por meio da música. As letras parecem me dizer: "eu quero lazer", "eu quero educação". É um protesto, e quem critica esse gênero deveria entendê-lo como uma aula de história. Portanto, o problema não é a música cantada pelos MCs, mas o que eles vivem, porque escrevem o que estão vivendo. Isso, sim, é o que me preocupa.

Além disso, fora das periferias também existem os "fluxos", os "pancadões", mas se chamam raves. São noites com bebidas e drogas, assim como muitos bailes funk, mas não são apresentados com o mesmo julgamento. Ambos vivem o sonho de consumo que veem na internet. Ambos não são do "seja", mas do "tenha". Os jovens da periferia também querem ter.

Existem muitos jovens que se inspiram em você e leem sua poesia para pensar na vida ou até mesmo para se expressar e se divertir em saraus.

Quando alguém se espelha em algo de bom que eu faço é porque eu também me espelho em algo bom que outra pessoa faz, então eu estou passando uma corrente de bem. Assim que as coisas funcionam. Eu sinto que estou pegando a tocha da humanidade e passando como eu a recebi, de forma limpa, digna e respeitosa, principalmente em respeito aos meus semelhantes.

Você foi à Fundação Casa, em 2009, para um evento de cultura da ONG Ação Educativa. Como foi levar o seu trabalho aos adolescentes de lá?
Eu já fui várias vezes e eu acho que a função da arte e do entretenimento é ir onde todos estão. Eu preciso estar nesses lugares, porque são espaços onde está o povo, e eu sou do povo. Quero contribuir enquanto ser humano e artista com essas pessoas que estão privadas de liberdade. Quero ajudar de alguma forma, se possível, na ressocialização. Fazer com que a nossa arte chegue a todos. Muita gente tem a ideia de que literatura é uma coisa feita para intelectuais, e esquecem que a poesia também diverte. Ela está no rap, na música sertaneja, no pop. Tudo depende de como ela está escrita.
O jovem preso quer se divertir e ganhar conhecimento. O fato dele estar ali demonstra que, de alguma forma, eu também falhei por meio da minha omissão, do meu silêncio, da minha falta de contribuição enquanto cidadão. Então estou lá para contribuir. A minha arte faz com que eu me sinta útil, e, hoje em dia, o que eu mais quero ser é útil. Não quero ser famoso. Eu quero ser importante.

Como você compara as formas de se fazer arte hoje com as do passado?

Eu acho que a juventude periférica nunca produziu tanta arte quanto se faz hoje. Quando surgiu o hip-hop no Brasil, no final dos anos 1980, nasceu também uma geração que dizia: "sou da favela, e daí?", "sou negro, e daí?". Começaram a falar de Zumbi dos Palmares, de Dandara, Malcolm-X, de ídolos que a gente não encontra nos livros de história, nas matérias escolares. Então, as pessoas da periferia começaram a conhecer esses nomes e acreditar que é possível ver e se inspirar nos seus ídolos, que estão na periferia e que não são seres inatingíveis. A partir daí, os jovens começa a acreditar que podem fazer poesia, música, cinema e teatro.

Assim, eles começam a enxergar a arte e o entretenimento de uma outra forma. Eu costumo dizer que eles estão vivendo a nossa Primavera Periférica, nossa Semana de Arte Moderna, nossa Bossa Nova, nossa Tropicália periférica… tudo de uma vez. A geração de hoje está se divertindo assim, e enxergo isso com bons olhos, porque ela está se apropriando de um entretenimento que é muito difícil: o do conhecimento e o da palavra.

*Estagiário sob supervisão de Charlise de Morais

Estadão
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