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Novo álbum de MC Tha traz mensagem de 'fortalecimento': 'É o que a gente vai precisar pós pandemia'

Cantora aproveita isolamento social para finalizar novo trabalho; as composições, segundo ela, estão sendo estruturadas "através de uma energia feminina"

29 jul 2021 - 12h10
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Em entrevista exclusiva ao Estadão, MC Tha fala sobre novo álbum  
Em entrevista exclusiva ao Estadão, MC Tha fala sobre novo álbum
Foto: DIVULGAÇÃO/MC THA / Estadão

Dois anos após o lançamento do primeiro álbum, Rito de Passá, a cantora Mc Tha aproveita o período em casa, por conta da pandemia, para preparar o novo disco. Em entrevista ao Estadão, ela revela que faltam apenas "três ou quatro músicas."

"Vou pegar toda essa desesperança e abandono e transformar em um álbum de fortalecimento e empoderamento que acho que é o que a gente vai precisar depois da pandemia. Eu também vou precisar", conta.

A cantora adianta que o trabalho está sendo estruturado "através de uma energia feminina, que não é somente para mulheres, mas que é uma energia que passa por todos os corpos, todas as raças, todos os gêneros". Com isso, Tha espera que o novo disco seja como uma amiga ou uma mãe a quem o escute. "Aquela parte nossa que nos acolhe. A parte que nos mantém em pé para continuarmos caminhando", explica.

A inspiração para o novo trabalho vem, principalmente, de dentro de casa. "Minha família hoje em dia é basicamente formada por mulheres. Até os cachorros e as gatas são mulheres", conta rindo.

Criada por duas baianas, a mãe, Leda Ramalho Fernandes, e a avó, Marina Magdalena Ramalho Fernandes, Tha conta sempre ter convivido com exemplos de mulheres fortes que estavam prontas para apoiá-la. "Hoje em dia fico muito feliz de ter me tornado uma delas."

Mesmo com todo esse apoio, Tha confessa que a pandemia não tem sido um período fácil. "Ser artista independente já é difícil normalmente. Todo o dinheiro que ganhamos vem de shows, vem de eventos. Com essa área parada, não estava vindo de nenhum lugar." Na opinião dela, demorou até que as marcas começassem a se movimentar e entrar em contato com os artistas, para produzir lives e ações que trouxessem algum benefício financeiro.

Escrever, em meio a tudo isso, tornou-se uma verdadeira encruzilhada. "Tem sido um desafio para que esse novo trabalho não traga um traço de desesperança, que é um pouco do que a gente está vivendo e de abandono também, acho que os artistas em geral estão sentindo esse abandono", explica.

Tha, no entanto, não tem pressa em finalizar o álbum, que segue sem data de lançamento. A cantora confessa não gostar de "trabalhar nesse ritmo da indústria da música", preza muito por sua saúde mental.

Álbum visual

Enquanto desenvolve o novo trabalho, Tha afirma que "finge", nas palavras dela, ter desistido de transformar Rito de Passá em um álbum visual, desejo que tem desde o lançamento do disco em 2019. "É mentir para mim mesma, para falar: 'Calma'. Eu prefiro ir para frente do que ficar empacada no passado. Eu sou taurina, tenho tendência a ficar batendo a cabeça na parede", conta.

O terceiro ato visual do álbum foi lançado em janeiro deste ano. Renascente apresenta a trilogia de Onda, Oceano e Despedida, além de Último Recado, trecho de Despedida, interpretado pelo cantor Jaloo, interligadas por narrativas de encontro e desencontro.

Assista:

Prazer, MC Tha: 'O leste também é meu lugar'

Antes que Thais Dayane da Silva, de 28 anos, se tornasse MC Tha, ela muito "vagou, vagou, vagou", como diz a canção Despedida. Os primeiros atos dessa história se passaram na Cidade Tiradentes, bairro do extremo leste de São Paulo.

Mesmo localizada na capital, a Cidade Tiradentes é muito diferente da região central, como explica MC Tha. "No centro não há esse senso de comunidade que se tem no bairro. Nos bairros é uma coisa que chega ser até chata, toda hora tem alguém perguntando se você está bem, se tá precisando de alguma coisa, indo visitar."

Pelas ruas do extremo leste paulistano, a pequena Thais seguia fielmente os passos do irmão mais velho, Douglas. "Tudo que meu irmão fazia, eu queria fazer também". Foi ele, inclusive, que lhe apresentou diversos ritmos musicais, do rap nacional, primeiramente, ao funk carioca.

As músicas de rap se juntaram ao desejo pela escrita. Tha preenchia os cadernos comprados pela mãe com as letras das canções que escutava. "Eu percebia muito a construção das rimas, de como mudava de música para música, de como os formatos de se rimar, os versos, mudavam", conta. Autodidata, foi assim que aprendeu a compor.

Quanto ao descobrimento da própria voz, enquanto cantora, foi um processo mais lento. Isso porque Tha sempre foi muito tímida, tinha vergonha até mesmo de cantar no karaokê da família, preferia cantarolar baixinho, somente para si.

Quando tinha oito ou nove anos, não lembra ao certo, a pequena Thais aproveitou que estava sozinha em casa para soltar a voz no karaokê. Inocente, não percebeu que gravava a brincadeira por cima de uma fita de rap do irmão mais velho. "Depois, ele achou essa fita e começou a levá-la para todo canto. Ele ia e falava: 'Olha como a minha irmã canta bem'. Ele tinha essa sensibilidade para a música", conta.

Da dor ao funk

"Meu irmão era uma alma gêmea minha", emociona-se ao contar que, quando tinha doze anos, Douglas morreu em um acidente de trânsito. A morte de dele fez com que ela desistisse de tudo: largou a capoeira, as fanfarras de escola, as tentativas de ser modelo - sonho da mãe.

"Larguei tudo e fiquei um tempo no ócio. No ócio mesmo, porque até as músicas que eu ouvia não podia mais ouvir em casa, porque lembrava o meu irmão". No final das contas, precisou afastar-se do rap para suportar o sentimento de perda e luto.

Toda essa dor acabou sendo transformada em música, quando Tha envolveu-se de vez com o funk, ou melhor, foi envolvida pelo ritmo. "Eu fui empurrada mesmo, se fosse para ter escolhido, acho que eu não tinha começado a cantar", conta.

Na época, ela tinha entre 14 e 15 anos e vivia junto ao Bonde Sinistro, que contava com a dupla Gordo e Marola. Compositora em formação, Tha fez uma canção homenageando cada participante do grupo de amigos. Quando mostrou aos funkeiros, eles adoraram e pediram para que ela gravasse o som.

"Eu fui lá, inocente, gravei minha voz. Aí, passou uma semana, ia pra escola e o pessoal ficava: "Gostei da sua música, parabéns!", e eu sem entender nada. Quando fui ver, eles tinham subido, para download, a faixa comigo cantando e uma batida de funk atrás", conta.

A partir daí, a vida de Thais virou de cabeça para baixo. "Foi um surto", afirma, ao contar que diversos convites para cantar foram surgindo. Tímida, a cantora respondia: "Eu não canto!", mas os amigos logo confirmavam a apresentação por ela.

Antes de assumir a identidade de MC Tha, Thais apresentou-se com diferentes nomes e formações. Primeiro, teve a época em que foi MC Thàah. Depois, MC Tha e as Sapequinhas, quando contou com um dupla de dançarinas, trajadas com roupas de sexy shop compradas por sua mãe, que o fazia com alegria. Chegou também a formar uma dupla com a amiga Loira, por um curto período de tempo.

Em meio a tudo isso, os estudos foram deixados de lado. "Eu repeti na no segundo colegial, e aí foi uma catástrofe pra mim. Eu fiquei muito mal", declara. Assim, aos 18 anos, MC Tha voltou a ser Thais, uma garota focada em seus estudos, mas sem esquecer-se da música, que, por hora, ficou em segundo plano.

'Vai com a minha fé'

O hiato musical foi essencial para a cantora entender-se enquanto pessoa e conhecer a si mesma, sobretudo, encontrar sua identidade musical. Ao terminar a escola passou a trabalhar no projeto social Fábrica de Cultura e começou a cursar jornalismo. Para isso, teve de deixar a Cidade de Tiradentes e se mudar para o centro da capital.

"Tem gente que precisa estar apegado às suas raízes para se reconhecer, comigo foi o contrário: precisei me distanciar para entender quem era, a importância do que fazia", conta.

Nesse processo, a espiritualidade tomou um espaço importante. Isso porque, junto à mudança, Tha passou a reviver situações que a pequena Thais parecia ter superado no passado. "Quando eu estava próxima dos meus 19, 20 anos, parece que um portal se abriu de novo. Tinha pesadelos e, quando chegava em determinados lugares, sentia-me mal", explica.

Para afastar todas essas sensações ruins, Tha teve de abraçar a fé. Durante a infância conviveu somente com os ritos evangélicos pentecostais, sentiu que era o momento para desbravar novas religiões. Entre elas, as manifestações africanas, onde, enfim, se encontrou. "O primeiro terreiro que fui, fiquei", diz, ao referir-se ao Caboclo das Sete Pedreiras, espaço umbandista localizado na zona leste de São Paulo.

“Eu costumo dizer que o Deus da periferia é um Deus evangélico”, explica MC Tha, ao explicar por que só entrou em contato com a fé africana quando já tinha entre 19 e 20 anos  
“Eu costumo dizer que o Deus da periferia é um Deus evangélico”, explica MC Tha, ao explicar por que só entrou em contato com a fé africana quando já tinha entre 19 e 20 anos
Foto: DIVULGAÇÃO/MC THA / Estadão

"Quando cheguei no terreiro, encontrei uma versão minha que me abraçou com muita gentileza e foi me mostrando os caminhos, e, hoje, nós somos uma só", afirma. Dentro daquele espaço, Tha foi capaz de refletir sobre questões como negritude e ser mulher.

Voz, fé e música: 'Olha quem chegou'

No terreiro, ela também encontrou sons, uma percussão não tão distante do funk que cantava antes. Naquele espaço, pode encontrar não somente a si, mas também sua voz: a identidade musical.

Tha passou a compreender a relevância de haver uma mulher como ela no funk. "Antes, no funk, eu me sentia desconfortável, porque nunca estava dentro do padrão do que se exigia. Eu não era popozuda, não tinha o corpão definido, minha voz era suave demais para cantar qualquer tipo de coisa", afirma.

Jaloo é não só amigo de MC Tha, como parceiro musical e de composições. “Quando eu conheci o Jaloo foi como se eu reencontrasse um pedaço do meu irmão Douglas”, conta  
Jaloo é não só amigo de MC Tha, como parceiro musical e de composições. “Quando eu conheci o Jaloo foi como se eu reencontrasse um pedaço do meu irmão Douglas”, conta
Foto: DIVULGAÇÃO/MC THA / Estadão

Todo esse processo de reconhecimentos levou Tha à MC Tha que conhecemos hoje. Era hora de voltar à cena musical. Para isso, no entanto, a cantora precisou novamente ser empurrada pelos amigos. O cantor Jaloo foi o conselheiro de composição, já João Monteiro presenteou-a com o clipe de Olha Quem Chegou, canção lançada em 2014, que marca a nova era da cantora.

Assista ao clipe da música:

Essa nova era, contudo, não é fácil de se explicar, ela mesma não consegue dizer em qual gênero se encaixa. "Eu sempre me traduzo como MC, que significa mestre de cerimônia. O funk é uma identidade, é meu alicerce. Mas gosto de me enfiar no MPB, porque acho que o funk também é uma música popular brasileira", explica, ao revelar também carregar traços do pop, do tecnobrega e da religiosidade africana consigo.

Caminhos abertos

O trabalho que talvez melhor represente a nova MC Tha seja o primeiro álbum da cantora, Rito de Passá, lançado em junho de 2019. Ela considera o disco como um grande trabalho de conclusão de curso (TCC). O curso, nesse sentido, significa a vida dela até aquele momento.

"Todas as músicas que componho vem a partir de histórias que acontecem comigo. Quando a gente estava na produção do álbum, percebemos que as músicas se encaixavam. Então, acho que, se for resumir, Rito De Passá é uma história de tentativa, de erro, de autoconhecimento e empoderamento", explica.

Quase sem querer, a foto que ilustra o álbum ‘Rito de Passá’ é uma releitura pós-moderna de Iansã, orixá do vento e dos temporais  
Quase sem querer, a foto que ilustra o álbum ‘Rito de Passá’ é uma releitura pós-moderna de Iansã, orixá do vento e dos temporais
Foto: DIVULGAÇÃO/MC THA / Estadão

A comemoração de dois anos de lançamento do álbum, no entanto, ficou para tempos melhores. "Nem tive tempo de comemorar, porque o mundo anda do jeito que tá. Você entra no Instagram e virou Cidade Alerta, só tem notícia ruim: intolerância religiosa, preconceito racial, homofobia, transfobia, o governo", declara.

Tha aproveita o período para compor e comemorar pequenas vitórias cotidianas. "Fico feliz de estar viva, com condições de me manter viva e sobrevivendo com o básico."

Estadão
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