Nudez sem retoque: mulheres tiram a roupa e dividem segredos
Programa de TV '302' dá voz às mulheres reais que posaram sem roupa no projeto de mesmo nome feito pelo fotógrafo Jorge Bispo
Esqueça toda a produção e Photoshop das fotos de mulheres sem roupa que já viu em campanhas de moda ou revistas e se pergunte: você se sente tão à vontade com o seu corpo a ponto de deixá-lo ser fotografado nu na sala da casa de um desconhecido e ainda ver a imagem publicada na internet e transmitida na TV? Pois a modelo cadeirante de 35 anos Luciana Trindade deixou. A estudante de 22 anos Marina Saviani também. A estilista carioca de 33 anos Alice Vieira quis fazer parte deste time, assim como Ana Paula Dumans, de 43 anos, que tem muita história para contar depois de três filhos e dois casamentos.
Elas são apenas algumas das dezenas de mulheres comuns que toparam participar do projeto Apartamento 302 e mostrar a beleza real feminina através das lentes do fotógrafo Jorge Bispo. Há quatro anos, o fotógrafo - famoso por fazer imagens de famosos e personalidades como Chico Buarque com ou sem roupa - abriu sua casa no Rio para fotografar mulheres comuns nuas. A ideia começou sem pretensões grandiosas, publicando na internet imagens de amigas e conhecidas que posavam voluntariamente diante da parede branca do apartamento dele, de número 302, no Jardim Botânico. “Meu trabalho comercial está muito ligado às celebridades e artistas. Queria fotografar a mulher comum. Quero mostrar o que acho belo e que não consigo encaixar e expressar nesses veículos”, disse em entrevista ao Terra em 2012.
De lá para cá, as expectativas cresceram: a iniciativa virou um livro, lançado em 2013 com ajuda de recursos do público e deu origem à série batizada somente de 302 que, desde agosto, é exibida nas madrugadas de sábado no Canal Brasil. O programa para a TV é o mais recente desdobramento do projeto. Nele, além da sessão de fotos, 26 mulheres - das quais 9 já haviam posado para o livro e 15 participaram apenas da iniciativa audiovisual - contaram também suas histórias, medos, inseguranças e segredos para as câmeras.
O objetivo do programa é dar voz às fotos de Bispo. “É uma série sobre o feminino, mais do que a nudez total. Tirar a roupa faz parte do processo e mais difícil que isso é falar sobre si”, conta Daniela Gleiser, uma das diretoras do programa da TV e amiga de longa data de Bispo.
A Marina
"Para você se sentir realmente tranquilo quando está nu, é preciso ter certeza de quem você é de verdade". E a estudante de 22 anos Marina Saviani, que mora em Campinas e nunca tinha pensado em posar nua na vida, ainda não tem. No entanto, assim como muitas mulheres, Marina está na busca e, para ela, é isso o que importa.
A redatora conta que sempre teve problemas com o peso e o corpo magro demais. E, justamente no caminho pelo autoconhecimento desistiu de se incomodar com as curvas mais enxutas que as de outras meninas e mudou o foco: agora é se aceitar. É fácil? Nada! Assim como para todo mundo, "é uma busca que nunca termina".
Por isso, ela se sente tão bem ao ver que o corpo que já a incomodou tanto em outras épocas foi registrado e descoberto em uma imagem artística. "Foi um grande passo para o amor próprio. As pessoas deviam ser mais apaixonadas por si".
A Alice
É bem difícil não notar a carioca Alice Vieira, de 33 anos, com seus cabelos cacheados, as várias tatuagens, as roupas chamativas e o corpo voluptuoso. "Nunca fico magricela, sou uma mulher grande. Sou uma gordinha charmosa", disse logo de cara no episódio dedicado à sua história, que teve partes gravadas numa aula de crossfit.
Ao contrário de Marina, participar do projeto é, em certa medida, menos uma questão tão pessoal e mais uma forma de "mostrar que mulheres como ela existem". "Depois do projeto, fui abordada por várias pessoas que sofrem por não se enquadrarem no padrão de beleza da televisão e das revistas", comenta.
A perfeição que ela sempre buscou nas revistas e nunca viu refletida no espelho não é mais prioridade. Cuidar do corpo é uma questão de saúde e, claro, de beleza também. Mas de uma forma mais livre, sem tanta pressão e moldes para se espremer dentro. "Quando você se acha bonita, consequentemente as pessoas também te acham. As fotos são exatamente o que eu sou, nem menor nem maior".
O que ela é? Uma mulher que lida muito bem com a nudez. "Se estou em casa, estou pelada o tempo todo". E, apesar da preocupação com as reações da mãe e da avó, não se intimidou em posar sem roupa. "No começo a minha mãe foi contra, mas depois do resultado ela amou o que viu".
A Luciana
Luciana é protagonista do episódio que mais emocionou a diretora do programa e, para estar lá, ela teve que "buzinar na orelha de Bispo" para incluir no Apartamento 302 uma beleza que, mesmo entre as mulheres normais que ele buscou, não estava representada. Aos 35 anos, ela é modelo e cadeirante há 15 por causa de uma doença degenerativa hereditária chamada de distrofia muscular. Sem cura, a condição é tratada com fisioterapia regular e compromete a força dos músculos, desde as pernas até a parte respiratória.
"Mesmo que não me encaixasse nas medidas, eu tinha uma beleza para mostrar. A cadeira é só um detalhe e nunca deixei de ser mulher". Luciana comenta que o fato de as imagens não terem nenhum apelo sexual fez com que a beleza aflorasse ainda mais e que realmente a cadeira deixasse de existir naquele momento. Para ela, participar do projeto é mostrar que tem a mesma beleza e as mesmas inseguranças, que quase diariamente todas as mulheres desse mundo têm.
O "muito peito, muita barriga e quadril muito largo" era o que a deixavam preocupada, com medo e insegura. "Pensei que não fosse ter coragem", desabafou. Mas "desencanou" de tudo isso depois de ver o resultado. "Acredita que sou muito mais segura em relação ao meu corpo depois do documentário? Amei. Ficou lindo!", conta entusiasmada já levantando nova bandeira de que toda mulher devia participar de uma experiência assim.
"Estar ali não é só questão de estar despido da roupa, é despido da alma mesmo. Você divide a intimidade com aquelas pessoas". Além de compartilhar a intimidade, as limitações e as inseguranças físicas, a equipe - que era formada exclusivamente por cinco mulheres - conheceu também um pouco de outra angústia igualmente feminina que Luciana sente, que é a de não poder ser mãe por vias naturais depois de ter sofrido dois abortos espontâneos.
A Ana Paula
Posar nua foi uma novidade que entrou na vida da carioca de 43 anos Ana Paula Dumans e trouxe muito mais do que o "frio na barriga" do dia da sessão de fotos. "Não tinha preocupação de ficar nua, não tenho problema nenhum com meu corpo, mas minha preocupação era o que ia fazer depois de tirar a roupa? Tinha que fazer pose ainda por cima. Isso foi o que me deu mais nervoso". Segundo ela, a ansiedade foi sumindo aos poucos, conforme Bispo foi conduzindo o ensaio.
Assim como para Alice e Marina, o Apartamento 302 também foi uma forma da ourives reafirmar que o tamanho do corpo, a idade e a forma física são mais um resultado da vida que cada um leva e que tem que ser valorizado independente das marcas porque, afinal, ele é seu. "Não importa se sou 38, 40 ou 42. A foto resgata como você é dentro de casa. Ninguém entra no banheiro e sai uma flor, a gente tira a maquiagem quando chega, e as modelos também. O 302 não tem produção, tem celulite, tem gordurinha e isso pode até incomodar, mas está ali", afirma.
Ana Paula é segura com seu corpo e, por isso, logo adianta, "tirar a roupa foi a parte mais fácil do projeto". Falante e alegre, ele divide em seu episódio um segredo que contou aos poucos aos filhos maiores e, antes desta entrevista por telefone e da gravação da série, havia dito apenas a um amigo próximo via mensagens no Facebook. Com 20 anos e recém-casada, ela disse ter sido abusada física e psicologicamente durante oito anos pelo primeiro marido e pai de dois dos seus três filhos, sem que nenhum familiar ou pessoa próxima soubesse. "Senti necessidade de repartir a minha história. E ao mesmo tempo que sinto que é bom para outras mulheres, é muito difícil. É vergonhoso".
Qual o motivo de dividir sua história agora? Assim como Luciana, ela não se desnudou apenas da roupa durante o projeto. "Com certeza estar nua influenciou. Foi como se o último fio tivesse se descosturando, me senti liberta". E completa: "Mulher é um bicho complicado para caramba. Todas deviam fazer isso, a gente se entende melhor".
-qdpytzae11ly.jpg)
