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Thierry Mugler, ainda criando furor

3 mai 2010 - 19h18
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"É isso que eu quero que você mostre", Thierry Mugler disse ao entregar uma pasta preta com sua assinatura em alto relevo sobre o desenho de um raio prateado. Dentro, havia apenas uma fotografia. Ela mostrava Mugler totalmente nu, encostado de modo provocante numa parede, com seu braço esquerdo arqueado atrás de sua cabeça e um joelho apoiado numa bola de exercício.

"Mmm", eu disse. Olhei para o carpete, o verde enjoativo de uma mesa de bilhar; para os dois sofás perpendiculares, em vermelho cereja; para as paredes de madeira e as esculturas de vidro em sua cobertura duplex em Chelsea, onde Mugler vive cerca de dois meses ao ano. Tentei pensar em algo diplomático para dizer.

Mugler, um estilista notoriamente difícil e de personalidade bizarra, concedeu poucas entrevistas nos oitos anos desde que sua grife de moda sexy futurística fechou. No período, ele desenhou figurinos de palco para artistas de circo eróticos, passou a se chamar de Manfred e transformou seu corpo com uma dieta extrema, exercícios e o que aparentemente são cirurgias plásticas no espetáculo de 108 kg de músculo, mamilo e tatuagem, visto na foto perante mim, preparada como uma capa de revista.

Sua masculinidade estava escondida - bom, pelo menos em parte - pelo logotipo "T" usado pela Style Magazine do New York Times. Ele se recusou a ser fotografado para este artigo, e a foto - que ele elaborou sozinho - foi sua ideia de um meio-termo.

"Mmm", finalmente respondi, "essa seria a sua primeira escolha?" - Mugler olhou para o igualmente robusto homem sentado ao seu lado, Keith Dunhill, que cuida de seus negócios há anos. "Pode contar a ele o que você disse essa manhã?", Mugler perguntou. "Sim", Dunhill disse. "É 1º de abril."

Ele me pegou. Não podemos dizer que Thierry Mugler, por mais fanfarrão e travesso que seja aos 61 anos, deixe a desejar nas seguintes categorias: (a) senso de humor; (b) autoconsciência; ou (c) ego. Conseguir esse encontro envolveu considerável bajulação e elogios, mas no final ele cedeu, segundo Mugler, apenas por causa de uma obrigação contratual com a Clarins, a companhia de fragrâncias que possui direitos sobre seu nome desde 1997 e com a qual ele parece estar em estado constante de guerra.

Após quebrar o gelo de modo tão indecoroso, ele parecia relaxado, até eu elogiar uma nova retrospectiva de seu trabalho, "Thierry Mugler: Galaxie Glamour", encomendada pela Clarins. Nesse momento, ele explodiu, sem ciência de que a obra havia sido publicada.

"Você sabe que eu estou processando a empresa por causa desse livro", ele disse. "Eles queriam fazer um livro e eu discordei. Por que fazer um livro agora e abrir a porta para nossos arquivos, mostrando ainda mais coisas para que as pessoas possam nos explorar? Não vejo o propósito disso."

Mugler talvez seja o primeiro estilista cujo sucesso cresceu em correlação direta com seu desejo pessoal de nunca voltar a ser visto. Depois que a Clarins fechou a grife de moda de Mugler em 2003, devido a imensos prejuízos, parecia que ele havia sumido do mapa - apenas para retornar quatro anos depois como uma pessoa totalmente transformada, quase irreconhecível. Essa foi a intenção, Mugler disse, porque ele não queria ser reconhecido.

"Você não quer ser lembrado de que fez isso ou aquilo", ele disse. "É perturbador." Embora suas coleções, que incluíam ternos exagerados, máscaras de couro e armaduras robóticas, fossem muitas vezes desprezadas como sendo fantasias sexistas nos anos 1980, e Mugler sentisse que não era estimado pelos principais editores de revistas e críticos, seu impacto foi surpreendentemente duradouro. Houve uma retomada inegável de seus estilos marcantes, futuristas, de destaque ao corpo nas passarelas de moda recentes, sugerindo que seu trabalho estava simplesmente à frente de seu tempo. Seu bustiê de motociclista de 1992 (com guidões saindo dos seios), por exemplo, foi o sucesso do show "Superheroes" de 2008, no Costume Institute, que inspirou Beyoncé a procurar Mugler, pedindo que ele criasse um guarda-roupa para sua turnê no ano passado.

"Foi um tipo de comprovação", Mugler disse. "Antes, eles diziam que eu só fazia coisas de sex shop." Algo que diz mais sobre sua influência é a força consistente de seu negócio de fragrâncias com a Clarins. O perfume de sucesso Angel, introduzido em 1992, e um segundo perfume chamado Alien, de 2005, agora geram quase US$ 280 milhões em vendas anuais. Um terceiro perfume, que será lançado em Paris na semana que vem, deverá acrescentar US$ 80 milhões em vendas.

"Provavelmente, somos a única marca de fragrâncias femininas que é tão bem-sucedida apesar de não ter uma linha de moda ativa", disse Joel Palix, presidente da Clarins Fragrance Group Worldwide. Nada disso amoleceu Mugler. Sua relação com a Clarins foi quase sempre difícil, ainda mais agora que a companhia está tentando reintroduzir uma linha de moda com uma nova coleção desenhada por Rosemary Rodriguez, ex-diretora de design de Mugler.

Palix, embora reconheça as disputas da companhia com o estilista, disse que enxerga as coisas da seguinte forma: "Não sou o tipo de homem que acredita que a harmonia e a unidade produzam os melhores resultados. Um pouco de confronto força você a ir em frente." Nesse aspecto, Mugler concordaria.

Assim como Christophe de Lataillade, que trabalha com Mugler há 23 anos, tendo começado como seu assistente durante os anos de moda e agora como diretor criativo dos perfumes Thierry Mugler em Paris. Ele é a pessoa que melhor consegue prever os desejos e o humor de Mugler. "Nos primeiros três a seis meses, eu tinha vontade de me demitir todo dia", ele conta."Era um pesadelo. Eu tinha que estar disponível noite e dia se ele quisesse maçãs orgânicas ou flores. Precisava satisfazer todas as necessidades dele."

Essa experiência deu a Lataillade um entendimento quase intuitivo sobre o estilista e uma apreciação pela beleza de sua forma atual que outros podem não enxergar. "Às vezes, eu via Thierry voltar depois de algumas mudanças e ficava um pouco perplexo", Lataillade disse. "Mas ele simplesmente decidiu ser outra pessoa. Não sou terapeuta, mas existem muitas pistas que apontam para uma explicação. Diria que Thierry é alguém sem tabus. Muitas coisas que chocam outras pessoas não o incomodam. Considero isso muito respeitável, uma forma de liberdade de pensamento."

A nova fragância se chama Womanity, que em geral tem a intenção de evocar uma ligação metafísica entre todas as mulheres. Como fez com Angel, considerado o primeiro perfume gourmet devido aos seus componentes alimentares incomuns, a Clarins espera causar uma revolução, dessa vez através de uma campanha de marketing, que inclui um website para mulheres falarem sobre o que é ser mulher.

A fragrância é tão audaciosa quanto seu nome - uma mistura de caviar e figos, resultando numa combinação salgada e doce como um pretzel coberto de chocolate. (Outro projeto de Mugler durante seu afastamento foi a criação de figurinos para o show "Zumanity", voltado ao público adulto, do Cirque du Soleil, com o visual de um zoológico humano e que nos dá um palpite sobre as origens do nome da fragrância.)

As fragrâncias de Mugler são tipicamente polarizantes - você ama ou odeia-, como suas ideias, talvez brilhantes, talvez exageradas. Ele filmou um comercial em preto e branco para o Womanity, em homenagem ao cinema Nouvelle Vague, que mostra mulheres vagando por uma paisagem surrealista, com uma esfinge vendada, um navio de cruzeiro com a palavra "SHE" (ela) rabiscada na proa e uma cena na qual as mulheres trocam máscaras com seus rostos.

"Acho que as pessoas estão cada vez mais perdidas", Mugler disse. "Elas precisam de uma ligação." Passados 30 minutos de nosso encontro, enquanto ele tentava se acomodar numa poltrona vermelha sentando-se ao contrário, Mugler bateu num cinzeiro dourado antigo, estilhaçando a peça. Quando chegou a Paris nos anos 1960, ele era um ágil dançarino de balé, incrivelmente bonito e com uma graça felina. As pessoas admiravam suas roupas selvagens, que ele havia aprendido a confeccionar sozinho na infância em Estrasburgo; posteriormente, ele começou a desenhar para terceiros e começou sua grife em 1974.

Hoje, seus músculos são tão robustos que impedem movimentos naturais, e ele emprega uma costureira em sua residência em Paris que confecciona roupas para ele, geralmente juntando dois ou três itens comprados em lojas. Ele passa pelo menos três horas por dia na academia de sua casa se alongando, checando as medidas e se aperfeiçoando.

Em 2007, começaram a aparecer notícias do novo corpo de Mugler. Ele havia pedido que os amigos o chamassem de Manfred Mugler. Uma foto nua apareceu online. Mugler disse que um empregado insatisfeito havia roubado a imagem de um computador. E, mesmo assim, o único constrangimento que ele sentiu, segundo Mugler, foi o fato de estar usando chinelos de chuveiro na foto. Ele parecia se deleitar no escândalo que a foto criou.

"Ele sentia que havia sido desprovido de seu nome", Lataillade disse. "Havia momentos em que ele era uma estrela do rock. Acho que talvez uma transformação física e o novo nome fossem formas de retomar sua vida." Sua metamorfose foi de fato uma decisão consciente, Mugler disse. Uma característica inconfundível de seu estilo era criar a sensação de animais selvagens na passarela, com mulheres transformadas em pássaros exóticos e felinos das selvas. Sem esse canal para provocar, ele começou a mudar sua própria aparência.

"A razão da minha saída da moda foi o fato de eu ter me cansado de passar o tempo todo de joelhos, fazendo os outros ficarem maravilhosos e fabulosos", ele disse. "Usei a moda para me expressar até onde pude. Mas, em certo momento, já não era mais o suficiente."

Foto: Getty Images
The New York Times
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