COP-30: Qual a estratégia do Brasil para destravar o financiamento climático?
Discussão do tema durante o primeiro dia de reuniões preparatórias frustrou alguns observadores internacionais
BRASÍLIA - O debate sobre financiamento climático frustrou expectativas no primeiro dia das reuniões preparatórias para COP-30, nesta segunda-feira, 13, em Brasília.
Em meio ao clamor dos países em desenvolvimento por mais dinheiro para financiar suas ações climáticas, um atraso de agenda acabou postergando a reunião sobre o "Mapa do Caminho de Baku a Belém para 1,3 trilhão de dólares", que trará as sugestões das presidências das últimas duas COPs para ampliar o aporte de verba para atender à urgência climática.
A reunião foi a última do dia com uma apresentação breve sobre o documento que deve ser apresentado e, depois, uma apresentação do economista José Alexandre Scheinkman com ideias sobre o tema. Não houve espaço, no entanto, para que os países se manifestassem sobre o financiamento climático, o que frustrou alguns observadores.
Na COP-29, em Baku, os países concordaram com uma meta de US$ 300 bilhões até 2035 para financiar ações dos países em desenvolvimento no combate às mudanças climáticas. O valor frustrou delegações. Estimativas indicam que o valor necessário seria de US$ 1,3 trilhão.
A controvérsia em relação aos valores acendeu o alerta da presidência da COP ainda nas reuniões preparatórias de Bonn, na Alemanha, em junho. O temor é de que países insistam em discutir a temática em Belém, travando a pauta da conferência.
Nesse cenário, a presidência da COP-30 vai usar reuniões que ocorrerão com as partes para abordar de forma direta a questão do financiamento. A estratégia é usar as consultas para aparar as arestas de forma mais pragmática.
Além das consultas, no dia 16, a presidência da COP-30 também fará reunião com negociadores-chefes sobre temas de interesse da presidência. Além do financiamento, serão abordados assuntos como tecnologia, gênero e perdas e danos.
Nesta terça-feira, o presidente da COP-30, André Corrêa do Lago, participa de uma bilateral com o comissário europeu para o Clima, Wopke Hoekstra. A Europa é um ator chave no financiamento climático e tem sido criticada também por ainda não ter apresentado suas novas metas de redução de emissões no âmbito do Acordo de Paris, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) (leia mais abaixo).
Nos bastidores, a análise é de que as partes não têm apresentado soluções inovadoras no âmbito do financiamento durante os debates. Uma das exceções é a representante de clima do Reino Unido, Rachel Kyte. Como o Estadão mostrou, Kyte defende ideias como a inclusão de novas taxas de poluição, entre outros pontos.
Entre os conteúdos que estarão no mapa do caminho, a presidência da COP citou:
- Formas de aumento de subsídio e fontes de capital concessionais e de baixo custo;
- Criar espaço fiscal e combater o superendividamento;
- Mobilizar financiamento privado;
- Fortalecer a coordenação nos países em desenvolvimento para aumentar o financiamento;
- Busca de fluxos de capital justos.
Haddad pauta tema entre ministros
Na manhã desta segunda, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, responsável por liderar o Círculo de Ministros de Finanças, discursou na plenária de abertura e mencionou prioridades semelhantes para ampliar o financiamento aos países em desenvolvimento no combate às mudanças climáticas.
A menção, no entanto, foi vista por pessoas que participam das discussões como "protocolar". Ao mesmo tempo, autoridades de partes importantes, como a União Europeia, têm tido uma postura aquém do esperado, com ausência de metas e compromissos por mais financiamento.
Durante a primeira rodada de discurso dos países na pré-COP, ainda pela manhã, as falas sobre o aumento de recursos para financiar o combate às mudanças climáticas foram, nas palavras do próprio presidente da COP-30, "declaratórias".
"Pedidos múltiplos, promessas mais limitadas", afirmou Corrêa do Lago após ser questionado sobre o compromisso de dar mais dinheiro para financiar a adaptação climática dos países em desenvolvimento.
Segundo o ministro Fernando Haddad, o relatório do Círculo de Finanças vai trazer cinco pontos prioritários para ampliar o financiamento climático. Entre os pontos citados, o ministro acrescentou a necessidade de aprimorar os marcos regulatórios do financiamento climático, garantindo integridade, interoperabilidade e transparência — e fortalecendo a confiança no sistema.
As prioridades foram construídas após 25 consultas formais e mais de 1200 contribuições de países membros. O relatório será entregue à Presidência da COP-30 para auxiliar na construção do "Mapa do Caminho". Para pacificar o tema, no entanto, é preciso fazer mais.
Europa em questão
Segundo André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a postura dos países ricos nas negociações sobre o tema indica que o Hemisfério Sul terá papel importante na questão.
"É o Sul Global que tem que direcionar o planeta. O Sul Global tem que definir as prioridades do planeta. A Europa se absteve de participar até agora. Estamos há menos de 30 dias da COP-30, a Europa não se manifestou, não apresentou NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas). Os Estados Unidos, outro país do Norte Global importante, já anunciou sua saída do Acordo de Paris", disse.
Nesta segunda, a Europa se comprometeu a apresentar suas metas de redução de emissão de gases (NDC) antes da COP-30.
Coordenador interino da organização internacional Demand Climate Justice (DCJ), Victor Menotti analisa que o momento de exercer pressão sobre a Europa é agora, uma vez que o bloco está no meio do processo de definição do quadro financeiro plurianual, que definirá o financiamento para os próximos cinco anos.
"É um momento crucial para eles decidirem e para a sociedade continuar a pressão sobre os que tomam essas decisões. Essa decisão, porém, é tomada nas capitais nacionais dos 27 países membros. E se você olhar para as principais capitais, todas estão em crise fiscal", afirma Menotti.
Ministra defende financiamento
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, também reforçou a necessidade de mais dinheiro para financiar ações, como a proteção da natureza. A ministra mencionou o acordo feito pelos países em Dubai, quando ficou decidido que haverá uma transição para longe do uso de combustíveis fósseis.
"Pela primeira vez os países foram convocados a fazerem uma transição justa e planejada para longe dos combustíveis fósseis e do desmatamento. Para isso, é essencial fortalecer os meios de implementação — mobilizando recursos financeiros, fortalecendo os incentivos positivos e criando instrumentos inovadores", disse.
Marina citou o hiato de recursos para proteção da natureza. "Estima-se a necessidade de US$ 282 bilhões por ano, mas hoje contamos com apenas um quarto desse valor. Para preencher essa lacuna, precisamos mobilizar um menu de ações concretas de financiamento para a natureza", afirmou, citando o Fundo Florestas Para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), liderado pelo governo brasileiro para obter financiamento para proteção de florestas.