Professores relatam pressão para evitar reprovação de alunos na rede estadual do RS
Docentes afirmam que metas de aprovação influenciam avaliações e denunciam risco de manipulação de notas
Professores da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul relataram à Assembleia Legislativa a existência de pressões internas para reduzir reprovações e elevar artificialmente os índices de aprovação nas escolas públicas. Os depoimentos foram apresentados nesta quarta-feira (17) à subcomissão que analisa a reprovação escolar, vinculada ao Parlamento gaúcho.
Os relatos confirmam denúncias que vêm sendo reunidas desde outubro pelo deputado Felipe Camozzato (Novo), relator da subcomissão. Entre os professores ouvidos está Daniel Carvalho, docente de educação física, que descreveu um ambiente de cobrança constante para que as escolas cumpram metas relacionadas aos indicadores educacionais.
Segundo ele, haveria uma "cota informal" de reprovação por turma, o que, na prática, limita a possibilidade de reprovar estudantes, independentemente do desempenho. Escolas com números considerados elevados de reprovação, conforme o professor, passariam a ser mais monitoradas pelas coordenadorias regionais de educação.
Atividades lúdicas substituem avaliações formais
Durante o depoimento, o professor também relatou mudanças no formato das avaliações. Conforme explicou, os docentes são orientados a evitar provas tradicionais e a adotar atividades lúdicas como forma de recuperação de notas.
De acordo com o relato, jogos como forca, batalha naval e dinâmicas de perguntas e respostas têm sido utilizados para elevar médias trimestrais ou anuais de alunos. A prática, segundo os professores, ocorre como forma de justificar o aumento das notas e garantir a aprovação.
Temor de retaliações e pedidos de anonimato
Por receio de represálias, três professores optaram por prestar depoimentos de forma anônima. Um deles afirmou que a direção da escola solicitou acesso ao sistema digital de registros acadêmicos, incluindo login e senha dos docentes, para alterar notas consideradas insuficientes.
Segundo o professor, a tentativa não se concretizou porque houve resistência coletiva dos docentes, que se organizaram para impedir qualquer intervenção externa no ambiente virtual de lançamento de notas.
Outro depoimento apontou que existe, de forma recorrente, uma campanha interna voltada à aprovação dos alunos, o que dificultaria processos de reprovação mesmo em casos de baixo rendimento.
Questionamentos sobre a política educacional
Para o deputado Felipe Camozzato, os depoimentos reforçam que a atual política educacional adotada pelo Estado apresenta falhas estruturais. Segundo ele, medidas como bonificações financeiras e a limitação do número de reprovações aceitáveis por aluno estariam produzindo efeitos contrários aos desejados.
De acordo com o parlamentar, essas estratégias, criadas para reduzir a evasão escolar e melhorar indicadores como o Ideb, estariam contribuindo para o desinteresse em sala de aula e para o enfraquecimento do processo de aprendizagem.
A subcomissão deve ouvir especialistas e técnicos da área da educação nas próximas etapas, com o objetivo de analisar a metodologia utilizada pelo Estado para elevar os índices educacionais e avaliar possíveis impactos sobre a qualidade do ensino.