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'O satanismo se tornou a minha vida'

Benedict Atkins cresceu em uma família cristã, mas, na adolescência, conheceu o satanismo e passou a ter 'conversas' com o diabo; anos depois, voltou para a igreja e acabou se tornando vigário.

21 abr 2018 - 16h42
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*Depoimento de Benedict Atkins à repórter da BBC Three, Serena Kutchinsky

Foto: BBC News Brasil

Eu conheci o satanismo quando eu tinha 15 anos. Meus pais eram católicos fervorosos e me levaram para a igreja desde cedo, junto com minhas irmãs. Mas, já na adolescência, eu comecei a sair com amigos do skate em Londres e a ouvir muitas bandas death metal.

Também comecei a beber e usar drogas e perdi a virgindade aos 12 anos. Virou uma opção para mim decidir entre sair com os amigos naquele mundo que eu identificava como "real", ou ouvir as histórias bíblicas com meus pais pintando imagens da Arca de Noé. Então eu escolhi a rebeldia.

Naquele tempo, eu parecia um "emo" total - tinha uma franja enorme que eu alisava com a chapinha da minha irmã. Tocava guitarra em uma banda com meus amigos - o que era uma forma fácil de conseguir atenção. Usava camisetas de banda e às vezes até um lápis preto nos olhos. A sexualidade fica à flor da pele nessa idade, então eu até usava maquiagem de vez em quando para impressionar as garotas - quando elas pediam.

Mas numa noite qualquer eu me deparei com a Bíblia satânica na casa de um amigo. Peguei da estante dele e li tudo muito rápido. Foi escrita pelo fundador da Igreja do Satã, Anton LaVey, e milhões de cópias dela já foram vendidas desde que foi publicada em 1969. Eu realmente me senti conectado com aquilo. Não estava feliz no meu relacionamento com minha namorada na época, estava discutindo muito com meus pais. O satanismo parece ter me feito reconhecer a dor e a raiva que eu estava sentindo.

No dia seguinte, tive uma grande briga com a minha mãe, e aí me tranquei no quarto e comecei a esculpir um pentagrama - o símbolo da Igreja do Satã - no meu braço. Sangrou bastante, mas isso não me impediu de continuar. Eu queria cicatrizar meu corpo para sempre.

As pessoas interpretam isso de formas diferentes, mas para mim o satanismo era sobre amar a si mesmo às custas dos outros. Em um sentido filosófico, não tem muito a ver com "adoração ao diabo". A maioria dos satanistas acredita em fazer tudo que estiver ao seu alcance para conseguir aquilo que eles querem da vida. Ceder a desejos como sexo, comida e bebida é algo encorajado. Isso gera egoísmo dentro de você, que é o que te torna tão obscuro - tanto para você quanto para os que estão ao seu redor. Colocar-se em primeiro lugar o tempo todo e não se importar com os outros é algo solitário.

Mas, naquela época, eu sentia que o Deus cristão com o qual eu cresci, que deveria ser bom, não parecia se importar com o meu sofrimento. Eu estava me magoando, me rebelando com bebidas e drogas. A marca do cristianismo suburbano dos meus pais não me ofereceu nenhum consolo. Parecia que a solução era simplesmente fingir que estava tudo bem; não havia espaço para trevas ou controvérsias. Foi aí que eu rejeitei isso.

O satanismo me dominou. Virou minha vida. Eu desenhei o pentagrama em todo lugar, nos meus livros da escola e no meu corpo. Meus amigos e minha namorada estavam assustados - eles achavam que eu estava indo longe demais. Eu era bem popular no colégio e me vi totalmente sem amigos depois disso.

Eu costumava me cortar também de vez em quando. Chegava a parar, mas começava a fazer isso de novo quando meu relacionamento ficava mais conturbado.

Até que em uma noite eu sonhei que o diabo estava de pé na frente da minha cama. Ele estava bem vestido, falava bonito, era como um personagem do filme do Sherlock Holmes. Ele apenas ficou ali e disse: 'você vai terminar suas provas e aí vai morrer'. Eu pensei: 'Caramba, isso é horrível!'. E a partir daí eu comecei a fazer acordos com o demônio. Se eu roubasse alguma coisa, como uma bebida, dos meus pais, se fosse sincero com as meninas com quem eu só queria transar ou se fizesse as pessoas brigarem umas com as outras, eu poderia continuar vivendo. Eu era uma pessoa bem carinhosa até então, mas, a partir daí, me tornei um grande manipulador.

Depois de um tempo, comecei a ter pesadelos terríveis e percebi que estava ficando um pouco perturbado. Em determinado momento, perguntei pra mim mesmo: 'Será que eu estou realmente conversando com o diabo?'. Meu relacionamento com minha namorada ficou destruído, eu me voltei contra a minha família e perdi quase todos os meus amigos. Passei a me sentir totalmente isolado e não tinha ninguém a quem recorrer, a não ser ao diabo. Aí minhas provas acabaram, e eu continuei vivo. De repente, ficou muito claro para mim: ele era um mentiroso.

A salvação veio de uma forma pouco provável. Uma amiga da minha irmã, que por acaso era filha do vigário local, me convidou para um festival cristão. Era um evento de uma semana no interior. Para ser bem sincero, eu fui porque achei que poderia conhecer mulheres bonitas lá. Mas fiquei surpreso ao ver que ali estava cheio de pessoas que, como eu, estavam infelizes com o cristianismo tradicional.

Na última noite do festival, eu estava ouvindo uma palestra sobre como reconhecer quando você chega ao fundo do poço, quando um estranho se ofereceu para orar por mim. Eu não sabia o que dizer, então concordei. Enquanto ele estava orando, senti uma paz inundar meu corpo. Depois, o homem disse que, embora eu sentisse que não havia esperança na minha vida, Deus tinha um plano para mim e Satanás era um mentiroso.

Fui para casa me sentindo livre e otimista pela primeira vez em muito tempo. Decidi dar uma nova chance ao cristianismo, mas não só aceitando tudo sem questionar, como eu tinha aprendido antes. Comecei a sair com algumas pessoas que eu conheci na igreja dos meus pais, que, assim como eu, estavam interessadas em algo mais do que apenas sentar ali por horas para ouvir os sermões tradicionais.

Devagar, eu aprendi a não usar as pessoas pelo dinheiro ou pelo sexo, como o satanismo havia me ensinado. No parque onde eu andava de skate, rolava o papo de que eu tinha "nascido de novo". Alguns amigos me apoiaram, mas ficou difícil continuar fazendo parte de um cenário tão hedonista.

Sexo, drogas e rock'n'roll foram meus mecanismos de enfrentamento durante toda a minha adolescência. Levei anos para aprender que você não precisa deles para se sentir bem consigo mesmo, mas tive algumas recaídas de vez em quando. Só que comecei a frequentar a igreja com mais regularidade e aos poucos eu fui sentindo cada vez mais que aquele era o meu lugar.

Quando eu tinha 20 anos, conheci minha esposa na igreja. Nós estamos casados há três anos já.

Eu nunca me propus a ser um vigário. Consegui um emprego no sul de Londres depois da faculdade, trabalhando com crianças disléxicas. Ao mesmo tempo, passei a frequentar uma nova igreja na região e me vi recebendo pedidos de jovens membros da congregação por conselhos sobre assuntos espirituais. Fiquei meio surpreso, era uma grande responsabilidade. Decidi estudar e fiz um curso de estudos bíblicos na Universidade de Nottingham.

Foi então que me tornei vigário e exerço essa função em Canning Town, no leste de Londres. Decidi agora usar o colarinho clerical. Não me vejo como uma figura de autoridade - sou um cara normal. Na minha vizinhança, esse colar cervical poderia ser uma barreira.

Nossa igreja cresceu de uma congregação de 5 para uma de 50. Eu ainda uso um piercing que comprei de uma loja hippie quando tinha 14 anos e também fiz uma tatuagem nova recentemente (eu já tinha uma e até faria mais, mas acho que minha esposa prefere gastar meus salários em viagens de férias).

Quando eu penso no passado, em como eu fiquei perdido e assustado quando era um satanista, isso me anima mais na missão de ajudar as pessoas. É por isso que eu faço isso. Meu nome, Benedict, na verdade significa bênção. Nos meus momentos de maior treva, eu perdi o sentido da vida, de vê-la como uma bênção. Agora eu só quero ficar aqui em Canning Town até Deus decidir que é o momento de eu me mudar ou morrer.

Essa reportagem foi originalmente publicada pela BBC Three

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