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'Não acredito em nada', diz John Malkovich, protagonista da série 'The New Pope'

Série da HBO tem direção de Paolo Sorrentino e é sequência de 'O Jovem Papa', com Jude Law

6 jan 2020 - 06h11
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Excêntrico, calculista, psicopata: em sua longa carreira, John Malkovich fez convincentemente todos esses papéis. Mas, quanto a sua escolha para o papel do sumo pontífice na nova série da HBO The New Pope, ele prefere não especular. "Não penso em como sou visto", disse o ator Malkovich. "Isso não cabe a mim."

Já o criador da série, Paolo Sorrentino (A Grande Beleza), está inequivocamente entusiasmado com Malkovich como Sir John Brannox, aristocrata inglês e ex-músico punk que relutantemente assume após o papa Pio III, representado por Jude Law, na série anterior O Jovem Papa, (com spoiler) entrar em coma na continuação, lançada após um hiato de três anos. A estreia está prevista para 13 de janeiro.

"O papa é uma figura icônica e John Malkovich é um ator icônico", disse Sorrentino. "Quantos atores podem se vangloriar de ter o nome usado no título de um filme?", afirma.

Sorrentino referia-se ao filme de 1999 Quero Ser John Malkovich, que capitalizou a mística criada por Malkovich, geralmente no papel de vilões memoráveis em filmes como Ligações Perigosas (1988), Con Air - A Rota da Fuga (1977) e Na Linha de Fogo (1993) - filme que lhe valeu sua segunda indicação para o Oscar.

Ao modelar o novo papa de sua série, Sorrentino pensou na lenta e meditativa dicção do ator e em sua enervante inescrutabilidade. Uma alma perturbada e amigo interesseiro de Meghan Markle, Brannox, que adotou o nome de papa João Paulo III, conduz a Igreja cautelosamente se comparado ao estilo fulminante e imperioso de Pio, que sofreu um ataque cardíaco e entrou em coma no fim da primeira parte da série O Jovem Papa.

"John é elegante, suave, irônico e ao mesmo tempo leve e profundo", disse Sorrentino de Malkovich. "Tudo isso o torna perfeito para o personagem." Mas, ao contrário de seu papa, que vive lamentando "as inesgotáveis imperfeições do mundo", Malkovich, de 66 anos, não se deixa levar pelo sentimentalismo quanto a seu trabalho.

"Você na verdade não aprende nada", disse ator, que já participou de mais de cem produções em cinema e teatro, além de ser enólogo e designer de moda masculina. "Você é produto de suas experiências e elas é que fazem você, para o bem ou para o mal."

Seguem-se trechos de nossa conversa, numa suíte do Hotel Four Seasons, em Beverly Hills.

Como foi a discussão entre você e Paolo sobre quanto seu personagem seria diferente do de Jude Law?

O meu papa seria inicialmente um alemão que viveu algum tempo na Inglaterra. Depois, passou a ser um aristocrata inglês. A história do ex-roqueiro punk surgiu ao decidirmos que o papa seria inglês. Mas o personagem se revelou mesmo na escrita e reescrita do roteiro. Além disso, com Paolo a maior parte da história surge com o que a câmera pode fazer. O modo de ele situar as pessoas, num quarto ou ao ar livre, disse muito sobre o que devia ser feito, tangenciando nos rituais, segredos e simbolismo da Igreja. É difícil pôr isso em palavras.

Usar os trajes papais ajudou você a mergulhar no personagem?

Sem dúvida. A Igreja se baseia muito em espiritualidade, simbolismo, sacralidade e segredos. Sou ateu, mas entrei no espírito da coisa. Paolo, sendo italiano e católico, compreendeu isso no nível mais profundo.

Estão surgindo vários filmes de papa, como a série The New Pope e o filme da Netflix Dois Papas. Por que o tema provoca tanto interesse?

Não vi Dois Papas, com Jonathan Price e Anthony Hopkins, mas acho que o filme provavelmente atrai porque existem dois papas vivos, um fato inusitado na Igreja moderna. As pessoas também podem estar procurando algo mais espiritual na vida. Embora o mundo esteja mais secularizado que há 20 anos, sem falar em 100, 200 anos, o papa ainda é um tipo de pai e mãe que um número imenso de pessoas procura como guia.

Você foi criado num lar religioso? Houve um momento em especial em que você abandonou a fé?

Meus pais eram uma espécie de "ateus evangélicos". Eu era religioso quando jovem, talvez em reação a eles. Não acredito em nada, mas não sou sarcástico a respeito. Sinto-me bem numa igreja ou numa mesquita, mas não vejo um plano cósmico que preveja tudo. Entretanto, quem sou eu? Não sou nada.

Comentou-se que nas filmagens em Roma algumas pessoas lhe entregavam seus bebês para que você os abençoasse...

Talvez achassem que alguns podem entrar em estado de graça. Eu não, certamente. Mas adoro bebês.

O que acontece que as pessoas querem "ser" você?

Dá a impressão de que o objetivo de minha vida é promover referências a mim mesmo, e não é assim. As pessoas às vezes me perguntam sobre meu "legado". Legado?

No entanto, Quero Ser John Malkovich deve ter feito bem a você, no currículo e no orgulho.

Ter um filme chamado Quero Ser John Malkovich não significa muito para mim. Ter tido meio por cento de participação no começo de carreira de Spike Jonze e Charlie Kaufman significa muito mais. O filme que eles fizeram quebrou padrões e regras. As pessoas se esquecem de que sou apenas um ator no filme. Não tive participação na ideia e não escrevi nada do roteiro.

Você sentiu alguma hesitação em fazer o papel de uma figura santificada, ou notou alguma resistência de fiéis sobre aspectos escandalosos da série The New Pope?

Acho que a imagem do Vaticano acabou sendo positiva. Muitas pessoas estão interessadas no mundo dos cardeais, no que eles fazem.

Você escreveu e estrelou um filme dirigido por Robert Rodríguez chamado 100 Years, que só será divulgado em 2115. O que o levou a isso?

É um filme comercial para a Remy Martin. Seus dirigentes me explicaram que a empresa tem um conhaque premium, Louis XIII, que leva cem anos para ficar pronto. Achei a ideia fascinante. Talvez meus netos ou bisnetos estejam vivos quando o filme for lançado. O que Robert e eu fizemos foi escrever uma carta do mundo dos mortos. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Estadão
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