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Europa

O traficante que largou a vida de crime em Londres para engrossar as fileiras do Estado Islâmico

10 mai 2017 - 15h25
(atualizado em 11/5/2017 às 07h46)
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Britânico se converteu ao Islã em uma tentativa de deixar para trás a vida como traficante
Britânico se converteu ao Islã em uma tentativa de deixar para trás a vida como traficante
Foto: BBC / BBC News Brasil

Condenado nesta semana como integrante do grupo estremista autodeclarado Estado Islâmico (EI), Aines Davis é parte de uma tendência preocupante de criminosos comuns europeus que se tornam jihadistas violentos.

Antes, Davis vendia drogas e andava armado pelo bairro de Hammersmith, no oeste de Londres. Ele chegou a ser condenado diversas vezes por sua atuação como traficante até ser condenado, em 2006, por porte ilegal de armas. A prisão ocorreu em uma operação na qual a polícia desbaratou uma gangue que fornecia centenas de armas para criminosos.

Na prisão, teria se convertido ao islamismo e adotado o nome de Hamza em uma suposta tentativa de deixar para trás a vida de crime que levava. Mas na versão extremista do Islã que adotou, manteve a fé nas armas. E acabou acusado de crimes ainda mais brutais.

Ao mesmo tempo, ele continuou a ser influenciado por pessoas que conheceu no tráfico, como contou sua mulher, Amal El-Wahabi, em 2014, quando foi julgada e condenada a 28 anos de prisão por ajudar a financiar as atividades extremistas do marido - ela enganara um amigo para que levasse milhares de euros para Davis na Turquia um ano antes.

Davis também se destaca por seu aparente elo com o extremista Mohammed Emwazi, conhecido mundialmente como "John Jihadista", o homem que decapitou diversos reféns ocidentais. Eles se conheceram anos atrás em uma mesquita no oeste de Londres.

Davis e Emwazi fizeram parte de um grupo de muçulmanos radicalizados que viviam na capital britânica. A partir de 2012, foram para front da violência que se espalhava pela Síria e pelo Iraque. Uma vez lá, tornaram-se membros do Estado Islâmico.

Com outros dois amigos do Reino Unido, Alexanda Kotey e El Shafee Elsheikh, eles supostamente ficaram a cargo de vigiar os reféns. Seriam chamados de "Os Beatles", por causa do sotaque britânico.

Alan Henning (esq.) e David Haines foram mortos pela célula do EI conhecida como 'Os Beatles'
Alan Henning (esq.) e David Haines foram mortos pela célula do EI conhecida como 'Os Beatles'
Foto: Desconhecido / BBC News Brasil

Davis negou que fizesse parte do Estado Islâmico, dizendo à Justiça britânica que as histórias sobre sua atuação como extremista eram falsas. Também negou ser o chefe da unidade responsável pelos reféns: "Não sou do EI. Fui para a Síria porque há opressão no meu país".

'Ódio profundo'

Um dos ocidentais que sobreviveu ao cativeiro descreveu à BBC como, nos quartos do porão de uma grande casa no norte da cidade de Aleppo, na Síria, o grupo de amigos de Londres perpetrava atos de violência estarrecedores contra pessoas mantidas ali, entre elas jornalistas e membros de organizações de ajuda humanitária.

Nos seis meses em que ficou no local, o jornalista espanhol Javier Espinosa vestiu um macacão laranja e foi chamado de Prisioneiro 43. As condições ali foram comparadas com às da polêmica prisão americana na Baía de Guantânamo, em Cuba.

Ele viveu um pesadelo de simulações de execuções e afogamentos, além de outras técnicas de tortura. Falando à BBC, Espinosa disse que "Os Beatles" eram um "grupo de bandidos sem qualquer noção do que é religião". Eles usavam sua fé "para justificar todo tipo de crime que cometiam".

"Se estupravam, chamavam isso de casamento. Se roubavam, falavam que estavam confiscando." Espinosa diz que o guarda a quem chamavam de "George" falava com frequência: "Vocês não sabem o quanto eu odeio vocês", se referindo aos ocidentais como um todo. "Ele odiava profundamente o Ocidente."

Seis dos 27 reféns mantidos pelos "Beatles" foram decapitados, incluindo os britânicos Alan Henning e David Haines, em uma sequência de violência coreografada para chocar o mundo.

Em novembro de 2015, Davis estava sendo monitorado quando atravessou a fronteira entre a Síria e a Turquia para ir a uma reunião em Istambul.

A polícia o seguiu até um condomínio de luxo na costa da cidade de Silivri, onde ele foi preso junto com outros homens, entre eles três britânicos: Deniz Solak, de 33 anos, Jermaine Burke, de 29 anos, e Mohammed Karwani, de 40 anos - todos negaram ser membros do EI.

Solak foi absolvido por uma corte de Silivri. Os casos contra Karwani e Burke foram arquivados, e os dois serão agora deportados para o Reino Unido. "Não há terroristas na minha família", disse Sayed Jan, pai de Karwani, à BBC. "Somos contra o Daesh (Estado Islâmico)."

Ele afirma que seu filho foi trabalhar na Turquia como professor e acrescentou que ele tinha outro filho que ficou ferido em uma explosão no Afeganistão enquanto trabalhava como tradutor para o Exército americano.

Já Davis foi acusado de ser membro sênior do EI, e o monitoramento de mensagens codificadas indicam que ele pretendia se encontrar com um homem suspeito de planejar um ataque extremista na Turquia. Davis nega.

A Justiça turca considerou que ele fazia parte de uma organização terrorista e o condenou a sete anos e meio de prisão. Agora, o criminoso londrino que se transformou em extremista internacional está de volta atrás das grades, desta vez na Turquia.

Foto: BBC / BBC News Brasil

Quem são os outros "Beatles"?

Mohammed Emwazi

John Jihadista, que teria elos com Aines Davis
John Jihadista, que teria elos com Aines Davis
Foto: BBC / BBC News Brasil

Emwazi, conhecido como "John Jihadista", apereceu em diversos vídeos do EI em que reféns eram decapitados. Em novembro de 2015, dias após a prisão de Davis, ele foi morto em um ataque por drones americanos.

O então premiê britânico David Cameron disse que o Reino Unido e os Estados Unidos trabalhariam sem descanso para encontrar o "assassino bárbaro que representava uma séria e contínua ameaça".

Alexanda Kotey

Foto: BBC / BBC News Brasil

Kotey, de 33 anos, foi identificado como um dos integrantes do grupo pelo Departamento de Estado americano, segundo o qual ele "provavelmente participou das execuções promovidas pelo grupo e colocou em prática métodos cruéis de tortura, inclusive eletrocutando e simulando o afogamento" de reféns.

Ele também seria um recrutador do EI, "responsável por fazer com que diversos britânicos se unissem à organização terrorista". Kotey estaria ainda na Síria, em um território controlado pelo grupo extremista.

El Shafee Elsheikh

Foto: BBC / BBC News Brasil

El Shafee Elsheikh, filho de refugiados que trocaram o Sudão pelo Reino Unido, foi para a Síria em 2012 - acredita-se que ele ainda esteja no país, no território controlado pelo EI.

O Departamento de Estado americano afirma que ele "tem uma reputação de torturador". Seu pai, Rashid Elsheikh, disse à BBC não ter qualquer evidência de que seu filho tenha feito parte de "Os Beatles".

"Gostaria de repetir que condeno qualquer violência contra o ser humano seja qual for o motivo. Meu filho e qualquer outro deve ser responsabilizado por seus atos."

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