PUBLICIDADE

Mundo

Impeachment de Trump: o que aconteceu aos outros presidentes dos EUA investigados

Nos EUA, o presidente não deixa o cargo ao sofrer impeachment na Câmara, como ocorre no Brasil. O afastamento só ocorre caso ele seja condenado na etapa seguinte do processo, ou seja, no julgamento no Senado.

19 dez 2019 - 10h24
Compartilhar
Exibir comentários

O presidente Donald Trump se tornou o terceiro mandatário americano na história a ter seu impeachment aprovado pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos.

Um quarto, Richard Nixon, renunciou antes do impeachment inevitável.

De todo modo, nenhum dos três mandatários acabou retirado do cargo — Trump também deve ser absolvido no Senado, onde seu partido, o Republicano, conta com ampla maioria.

Nos Estados Unidos, o presidente não deixa o cargo nesta etapa da investigação, como ocorre no Brasil. O afastamento só ocorre caso ele seja condenado na etapa seguinte do processo, ou seja, no julgamento no Senado.

Mas qual foi o impacto dos processos na popularidade desses presidentes e no resultado de seus partidos nas urnas?

Bill Clinton

O que ele fez?

Alguns anos depois de o presidente Bill Clinton pregar pelo perdão às falhas de Nixon, o democrata do Estado de Arkansas passou a enfrentar sua própria crise política.

Um ano depois de assumir o segundo mandato, Clinton passou a ser investigado por um investigador especial do Departamento de Justiça, Kenneth Starr.

A investigação começou por suspeitas sobre negócios imobiliários e se expandiu para incluir o relacionamento extraconjugal com a ex-estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky.

Em um processo separado contra o presidente, a acusação de abuso sexual de Paula Jones, Clinton foi questionado sobre sua relação com Lewinsky. Sob juramento, em 17 de janeiro, ele negou ter se relacionado com a ex-assistente.

Dias depois, Clinton reafirmou sua negativa em uma declaração que se tornou célebre.

"Eu não fiz sexo com aquela mulher, Monica Lewinsky. Eu nunca pedi a alguém para mentir, nenhuma vez, nunca."

Em 9 de setembro de 1998, Starr divulgou seu relatório ao Congresso. O público teve acesso às 445 páginas do relatório, que inclui o testemunho detalhado de Lewinsky, que obteve um acordo de imunidade em troca de sua cooperação.

A investigação de Starr incluía 11 possibilidades de enquadrar Clinton em um impeachment. Em dezembro de 1998, a Câmara dos Representantes, com 228 republicanos e 206 democratas, votou pelo impeachment em dois pontos: perjúrio e obstrução do Congresso.

Nos Estados Unidos, é necessária maioria simples para aprovar cada um dos artigos de impeachment, que são votados separadamente. Ou seja, caso todos os 435 membros da Câmara dos Representantes votem, são necessários 218 votos para a aprovação.

Em fevereiro, Clinton foi absolvido das acusações no Senado. Nesta Casa, são necessários dois terços dos votos, ou seja, 67 votos naquela ocasião, para a condenação.

O Senado estava dividido entre 55 republicanos e 45 democratas. A votação ficou em 55 votos a 45 sobre a acusação de perjúrio e 50 a 50 sobre a acusação de obstrução de justiça.

Quais foram as consequências?

Ao longo do ano em que o escândalo Lewinsky-Clinton dominou o país, o presidente democrata resistiu à pressão para renunciar.

Clinton fechou o ano de 1998 não apenas sendo inocentado, como tendo as maiores taxas de aprovação de seus dois mandatos. Em pesquisa da CNN e do Gallup em dezembro de 1998, 73% dos americanos aprovavam o presidente.

No fim do processo, os únicos políticos arriscados de perder o mandato eram republicanos.

O Partido Republicano planejava tirar proveito do escândalo — e seu auge — nas eleições de metade de mandato, em novembro de 1998; ele manteve o controle sobre as duas casas, mas perdeu assentos para os Democratas na Câmara dos Representantes.

Clinton deixou a Presidência em janeiro de 2001 com 65% de aprovação, a mais alta taxa para um mandatário americano deixando o cargo em meio século.

Mas seu partido perdeu a Casa Branca quando o republicano George W. Bush venceu o democrata Al Gore (vice de Clinton) após recontagem dos votos na Flórida.

Qual foi seu legado?

Depende de quem responder, mas o escândalo de Monica Lewinsky será a primeira coisa a ser lembrada pela grande maioria das pessoas. E o impeachment que se seguiu? Bem menos.

Ao longo de seus dois mandatos, o desemprego despencou, a inflação se manteve estável, a renda da população subiu e a economia cresceu 3,8% ao ano em média.

Seus altos índices de popularidade ao longo do processo sugerem que ele não foi tão prejudicado por ele quanto os dois presidentes que enfrentaram um impeachment em décadas anteriores.

Anos antes do impeachment, o estrategista político de Clinton, James Carville, cunhou uma célebre frase sobre o que mais pesava na insatisfação dos americanos: "É a economia, estúpido!"

Richard Nixon

O que ele fez?

O quase-impeachment de Richard Nixon remonta à invasão em 1972 da sede do Partido Democrata no complexo de escritórios de Watergate, na capital Washington.

Como as investigações revelaram que os invasores haviam sido pagos com fundos da campanha de reeleição de Nixon, o escândalo de Watergate se espalhou muito além do caso, implicando altos funcionários da Casa Branca.

Por quase dois anos, Nixon tentou encobrir seu papel na conspiração, sem sucesso.

Em agosto de 1974, enquanto o Comitê Judiciário da Câmara preparava artigos de impeachment, Nixon foi forçado a liberar o acesso a gravações do Salão Oval, nas quais o presidente é ouvido determinando que sua equipe ordenasse a CIA que orientasse o FBI a interromper a investigação sobre a invasão de Watergate.

A gravação marcou o colapso final da tentativa de acobertamento de Nixon.

Em 27 de julho, o Comitê Judiciário da Câmara votou a aprovação de três artigos de impeachment — obstrução da justiça, abuso de poder e desrespeito ao Congresso — e os enviou à Câmara para uma votação por inteiro.

Nixon foi informado por um grupo de correligionários republicanos que o partido não o apoiava mais.

E a votação nunca ocorreu.

Em 8 de agosto de 1974, Nixon renunciou. Ele continua sendo o único presidente dos EUA na história a fazê-lo.

"Eu nunca foi um desistente", afirmou em seu discurso de renúncia. "Deixar o cargo antes do fim do meu mandato é horrendo para cada pedaço do meu corpo. Mas como presidente, eu preciso colocar o interesse do país em primeiro lugar."

Quais foram as consequências?

O vice-presidente, Gerald Ford, foi empossado como presidente seis semanas depois e perdoou Nixon por quaisquer crimes que cometera enquanto estava no cargo.

Na eleição, menos de dois anos depois, Ford perdeu a Casa Branca para o democrata Jimmy Carter.

Qual é o legado dele?

Não há dúvida. É o escândalo de Watergate. Embora ele nunca tivesse admitido qualquer irregularidade criminal, suas ações continuam sendo um registro detalhado de abuso do poder presidencial.

Nixon morreu em abril de 1994, 20 anos depois de ter renunciado.

Falando em seu funeral, o então presidente Bill Clinton se concentrou na atuação de Nixon na área de política externa.

"Digamos: que chegue ao fim o dia de julgar o presidente Nixon por algo menor do que toda a sua vida e carreira", disse Clinton.

Andrew Johnson

Andrew Johnson foi o primeiro presidente americano a enfrentar um impeachment
Andrew Johnson foi o primeiro presidente americano a enfrentar um impeachment
Foto: Print Collector/Getty Images / BBC News Brasil

O que ele fez?

À sombra da Guerra Civil, o presidente democrata Andrew Johnson discutia constantemente com o Congresso, dominado por republicanos, sobre como reconstruir o Sul dos Estados Unidos, que havia sido derrotado no conflito.

Uma facção "radical" dos Republicanos pressionava por normas que punissem ex-líderes confederados e protegessem os direitos dos negros escravizados que haviam sido libertados.

Johnson usou seu veto presidencial para barrar os esforços republicanos — vale lembrar que o Partido Republicano, do presidente Abraham Lincoln, era a favor da abolição da escravidão, e o Democrata, contra.

Em março, o Congresso aprovou a Lei de Posse do Ofício, criada para reduzir a capacidade do presidente de demitir membros de seu gabinete sem a aprovação do Senado. Johnson decidiu desafiar a medida e suspendeu um membro do gabinete e um rival político, Edwin Stanton, enquanto o Congresso estava em recesso.

Stanton respondeu à sua demissão trancando-se em seu escritório e recusando-se a sair.

A demissão de Stanton provou ser a gota d'água — os republicanos da Câmara correram para redigir 11 artigos de impeachment.

Gravura mostra julgamento do impeachment de Andrew Johnson no Senado
Gravura mostra julgamento do impeachment de Andrew Johnson no Senado
Foto: Library of Congress / BBC News Brasil

Após uma votação na Câmara, os artigos foram apresentados ao Senado, onde ele foi absolvido, por muito pouco: foi apenas um único voto que impediu a maioria de dois terços necessária para condená-lo.

Quais foram as consequências?

Segundo relatos da época, Johnson chorou com a notícia de sua absolvição, prometendo se dedicar a reconstruir sua reputação.

Não deu certo.

Ele cumpriu o restante de seu mandato presidencial, mas seus últimos meses no cargo foram assolados pelas mesmas lutas de poder que afetaram seu mandato antes do impeachment.

E em 1869, os democratas perderam a Casa Branca para o candidato republicano Ulysses S. Grant, que permitiu que o plano de seu partido para a reconstrução continuasse.

Qual é o legado dele?

Ter enfrentado o processo de impeachment foi a principal marca de sua gestão.

E a compra do Alasca, da Rússia, em 1867, por US$ 7,2 milhões — o equivalente, hoje, a cerca de US$ 129 milhões.

Johnson também foi um dos presidentes mais pobres. Ele nunca foi à escola.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade
Publicidade