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Papa Francisco

10 perguntas e respostas sobre a renúncia do Papa Bento XVI

Para esclarecer dúvidas sobre a renúncia e o processo sucessório, o Terra ouviu o padre Antonio José de Almeida, doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana e professor de Teologia na UFPR

21 fev 2013 - 16h00
(atualizado às 16h08)
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"A partir de 28 de Fevereiro de 2013, às 20h, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice”. Com essas palavras, o Papa Bento XVI anunciou que renunciará ao cargo. Com 85 anos, ele disse já não ter forças para o enfrentamento dos desafios de sua função.

<p>Imagem mostra Bento XVi acenando aos presentes na Praça São Pedro durante a missa do Ângelus do dia 17 de fevereiro</p>
Imagem mostra Bento XVi acenando aos presentes na Praça São Pedro durante a missa do Ângelus do dia 17 de fevereiro
Foto: AFP

O fato só tem precedentes porque a Igreja Católica é uma instituição bimilenar. Há quase 600 anos, o papa Gregório XII foi o último a renunciar ao cargo máximo do Vaticano. Faz tanto tempo que todo o mundo foi pego de surpresa com a notícia do último dia 11. Como as dúvidas são muitas, o Terra ouviu o padre Antonio José de Almeida, doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, e professor de Teologia Sistemática na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Curitiba, para tentar responder algumas delas.

Terra - A saúde do Papa Bento XVI justifica sua renúncia? 

Antonio José de Almeida - O papa Bento XVI, alguns anos atrás, respondendo à pergunta sobre uma eventual renúncia, já havia declarado que, se, num dado momento, sentisse que as suas forças não fossem mais suficientes para levar adiante adequadamente seu ministério, renunciaria. É o que ele está fazendo agora. O papa tanto é livre para aceitar sua eleição pelo conclave quanto para renunciar ao cargo para o qual foi eleito. A existência de uma causa justa não é exigida para a validade do ato, mas para sua liceidade. Trata-se de um dever moral, não jurídico. Aliás, já que a renúncia papal não requer a aceitação por parte de qualquer pessoa ou instituição da Igreja, o Código não determina uma modalidade concreta. É suficiente que ela seja devidamente (rite, em latim) expressa. Este advérbio não significa que seja necessária uma forma jurídica determinada, mas que se apresente de modo claro, coerente, público. 

Terra - Mas outros Papas não renunciaram mesmo que sua saúde os debilitasse. Como se pode interpretar esse caso?

Almeida - Em nenhum momento, o papa disse que está doente. A velhice não é uma doença, mas implica, em modalidades muito diferentes de pessoa a pessoa, uma limitação, maior ou menor, das forças físicas e/ou mentais. É a esta condição que o papa se refere: “As minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino.” 

Trata-se de uma avaliação pessoal que deve ser respeitada. Implicitamente, Bento XVI pode ter-se referido à decisão de outros papas de permanecerem à frente da Igreja mesmo doentes. Poderia estar pensando em João Paulo II, que continuou no poder mesmo doente. De fato, ele diz: “Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando.”

E continua: “Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado.”

Aí está justamente não só a lucidez de análise de Bento XVI, mas, igualmente, a grandeza de seu gesto. Ser papa, em termos evangélicos, é um serviço, não um pódio ou um palco. 

Terra - No ano passado, um mordomo do Papa foi demitido por vazar documentos. Na época, durante as investigações, chegaram a questionar se o Papa renunciaria. O fato pode ter relação com a atual renúncia? 

Almeida - Uma coisa não implica a outra, mas também não a exclui. De fato – além de todos os desafios colocados à Igreja no contexto atual – há, na alta cúpula da Igreja, questões complexas que, de uns tempos para cá, vêm gerando tensões, contrastes, oposições. Um papa “forte” – o termo tem muitos significados – teria melhores condições de conduzir um processo de enfrentamento e superação dessas questões.

Bento XVI teve o mérito de perceber, por um lado, a gravidade da situação e, pelo outro, sua impossibilidade de fazer-lhe frente de forma adequada e eficaz. Se há um vazio de poder (como dizem alguns especialistas) que, por providências ordinárias, não se restauraria, nada melhor que formalizar o fato, criando um vazio de poder “de iure”, que deveria cessar com a eleição de um novo papa plenamente capaz de encarar e encaminhar adequada e eficazmente também aquelas questões.

O conclave deverá mostrar-se à altura de fazer uma leitura lúcida dos desafios colocados pelo mundo atual, do estado da Igreja neste contexto historicamente radicalmente novo e do perfil do papa para este momento. Na verdade, a questão vai muito além do papa. Mas temos que pensar no papa, pois, pela estrutura da Igreja católica, a postura do papa é decisiva.

Terra - Diz-se que Bento XVI era mais ortodoxo do que seu antecessor. Quais eram as principais diferenças em sua filosofia em relação a João Paulo II? 

Almeida - Não vejo nenhuma diferença substancial entre os dois. Tanto assim que o Cardeal Ratzinger ocupou, durante todo o pontificado de João Paulo II, um dos cargos mais importantes – senão o mais importante, ao lado da Secretaria de Estado – da Cúria, justamente o de Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

As posições de Ratzinger em relação a questões que mais chamam a atenção da mídia e mais contrastam com a cultura ocidental moderna e secularizada (relações sexuais fora do casamento, controle da natalidade por meios artificiais, homossexualidade, união civil entre pessoas do mesmo sexo, divórcio, aborto, eutanásia, ordenação de mulheres, condicionamento da ordenação sacerdotal à obrigação do celibato, poder na Igreja, laicidade do Estado, aula de religião católica nas escolas públicas, centralização do poder no papa, etc) são as mesmas de João Paulo II.

João Paulo II, porém, conquistava as multidões e subjugava a mídia por sua imagem e por seu carisma pessoal. Já Bento XVI só conseguiu invadir a mídia abdicando do trono! 

Terra - Em termos de popularidade, por que Bento XVI não chegou ao nível de João Paulo II? 

Almeida - A personalidade, a origem, a trajetória histórica dos dois são muito diferentes. Ainda que ambos tenham vindo do mundo pastoral – ambos foram bispos de dioceses importantes – e da academia – Woytila foi professor de filosofia por muitos anos, e Ratzinger, professor de teologia em célebres universidades alemãs – Ratzinger é mais introvertido, reservado, quase tímido, mais pensador do que pastor.

Não quer dizer que Ratzinger não tenha também habilidades para o pastoreio. Ao contrário: suas antigas homilias publicadas na obra Dogma e Anúncio e suas catequeses como papa têm um caráter profundamente pastoral e encantam também simples fiéis. Mas não é um homem “midiático” como João Paulo II. Nem queria sê-lo. O mundo mais natural a Ratzinger é a escrivaninha, a sala de aula, a biblioteca. Confessou, várias vezes, que, quando deixasse a Congregação para a Doutrina da Fé, queria cuidar da Biblioteca do Vaticano. Em termos de mídia, Ratzinger (apesar de escrever habitualmente à mão e com lápis) manda melhor no twitter do que na telinha! 

Terra - Após a renúncia, como será o processo de sucessão? 

Almeida – Não menos de 15 e não mais de 20 dias após a sede romana se tornar vacante, reúne-se o conclave para a escolha do novo papa. Eleitores são todos os cardeais com idade inferior a 80 anos. São dois escrutínios de manhã e dois de tarde. É eleito quem atingir 2/3 dos votos. Após um primeiro turno de 13 votações (se forem necessárias), está previsto um dia de descanso e de livre conversação.

Se, num caso excepcional – na verdade, um mau sinal! – transcorridos 14 dias de votações e 34 escrutínios sem que ninguém tenha sido eleito, os cardeais podem pedir a maioria simples para votar, ou seja, metade mais um dos votos.

Faz, porém, dois séculos que os papas são eleitos em bem menos escrutínios. Se, no longínquo passado, houve conclaves longuíssimos, no mundo atual, dificilmente passa de 4 dias. No século XX, Pio X foi eleito no quinto escrutínio; Bento XV, no décimo; Pio XI, no décimo primeiro; Pio XII, no segundo (mas pediu um terceiro para confirmar a vontade dos cardeais eleitores); João XXIII, no décimo primeiro; Paulo VI, no sexto; João Paulo I, no quarto; João Paulo II, no oitavo. O papa Bento teria sido eleito no quarto escrutínio. O próximo conclave não deverá ser fácil, mas não poderá ser muito longo. 

Terra – Em teoria, qualquer homem católico pode ser Papa, mas, desde 1378, são escolhidos só cardeais. Por quê?

Almeida - É preciso lembrar que o papa é o bispo de Roma. Nos primeiros tempos, os bispos eram escolhidos pelos fiéis da sua comunidade, da sua Igreja local, mais tarde, chamada também diocese. Era comum, neste processo, que simples cristãos fossem eleitos bispos e, no caso da diocese de Roma, consequentemente, papas.

Ao longo dos séculos, pouco a pouco, isto foi mudando, e se clericalizando: muitos diáconos foram eleitos papas; em  seguida, muitos presbíteros; depois, veio a temporada dos bispos e, a partir dos inícios do segundo milênio, dos cardeais. O princípio não mudou: todo fiel católico pode ser eleito papa. Na prática, porém, normalmente são os cardeais. Se, uma vez eleito, o novo papa não for bispo, será ordenado bispo, pois o papa é papa por ser o bispo de Roma. 

<p>Imagem exibe cópia em italiano da carta de renúncia lida pelo Papa em latim durante o consistório, no dia 11</p>
Imagem exibe cópia em italiano da carta de renúncia lida pelo Papa em latim durante o consistório, no dia 11
Foto: AFP

Terra – Poliglota, o papa costuma realizar missas e anúncios em diversos idiomas. Por que o Sumo Pontífice anunciou sua renúncia apenas em latim?

Almeida - A questão é que se trata de um ato oficial, e o latim é a língua oficial da 

Igreja Católica. O anúncio foi feito num consistório, quer dizer, numa reunião do Papa 

com os cardeais, que, supõe-se, sabem latim. Quem viu as imagens na televisão viu que 

os cardeais receberam o texto e acompanharam a leitura enquanto o papa fazia o 

anúncio da decisão de renunciar. 

Terra - Ao longo dos séculos, a esfera mundial de influência e poder do Papa diminuiu consideravelmente. Por que a renúncia do Sumo Pontífice ainda repercute tanto? 

Almeida - Houve época em que o poder do Papa era muito grande. No período da cristandade, no Ocidente, a Igreja e a sociedade civil se confundiam. Uma só fé, uma só religião, uma só cultura. Mas isto não existe mais. O papa continua com a mesma autoridade no âmbito da Igreja católica, mas não tem nenhuma autoridade fora  deste âmbito. Em relação à sociedade, sua autoridade, quando reconhecida, é uma autoridade moral. Seja como for, uma autoridade simbólica que tem um alcance universal. Ganha força também por ser uma personalidade religiosa. Se a rainha da Inglaterra abdicasse do trono, certamente se criaria um clima semelhante ao da renúncia do papa. No caso do papa, porém, o interesse é maior pela raridade do gesto, pela curiosidade que desperta o desconhecimento dos mecanismos internos da Igreja católica, pela modalidade mais única que rara do processo eletivo de um papa. Apesar da secularização – que, porém, não é um fenômeno homogêneo nem universal – a religião está muito viva em muitas de nossas sociedades. 

<p>Imagem da reunião em que Bento XVI anunciou sua renúncia</p>
Imagem da reunião em que Bento XVI anunciou sua renúncia
Foto: AP

Terra - Quais cardeais o senhor elencaria como os mais cotados para a eleição? 

Nenhum cardeal é candidato e, publicamente, não se conhecerá a eventual formação de algum consenso ou acordo (legalmente proibido) entre os cardeais eleitores no período – neste caso, mais longo do que os últimos conclaves – anterior ao conclave. As cotações têm, neste caso, o valor da “loteca”. Os entendidos de futebol têm mais chance de acertar na “loteca”, mas também podem errar e não levar o prêmio.

Acredito que a questão fundamental seja outra. Antes e durante o conclave, o foco são os desafios que o mundo atual, em sua diversidade e complexidade, põe à Igreja em sua missão evangelizadora; como a Igreja poderá, também com o concurso do papa – que é uma peça fundamental – responder evangelicamente a estes desafios; qual o estado da Igreja no contexto atual de início de um novo século e de um novo milênio; e, só então, o perfil do papa mais adequado para esta situação. 

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