Nuremberg: 80 anos depois, julgamento de nazistas ainda é marco na Justiça internacional
"Nicht schuldig", ou "inocente": essa frase repetida pela maioria dos 21 réus abriu os julgamentos de Nuremberg em 20 de novembro de 1945. Durante 10 meses, diante de mais de 400 jornalistas e quase uma centena de testemunhas, o tribunal mostraria ao mundo inteiro a extensão dos crimes nazistas e formalizaria um novo conceito, o de crimes contra a humanidade.
Olivier Favier, da RFI
O maior julgamento da história não surgiu espontaneamente das mentes dos vencedores da Segunda Guerra Mundial. Durante um jantar com líderes ocidentais em 1943, o líder comunista russo Joseph Stalin propôs inicialmente a execução de 50.000 alemães, principalmente oficiais de carreira. Diante da revolta do primeiro-ministro britânico Winston Churchill, o presidente americano Franklin D. Roosevelt sugeriu, em tom de brincadeira, que o número poderia ser reduzido para 49.000, e a questão permaneceu assim por um momento.
Churchill, que demonstrara pouca preocupação com as questões de direitos humanos ao optar por impor a maior parte do custo dos bombardeios aéreos ao povo alemão, concebeu, à medida que o conflito se aproximava do fim, a ideia de elaborar uma lista com várias centenas de "criminosos de guerra" para serem sumariamente executados.
Stalin, que, entretanto, mudara de ideia, perguntou-lhe então por que o dignitário nazista Rudolf Hess, que viera negociar uma paz separada com o Reino Unido em 1941, definhava em uma prisão britânica desde então e não havia sido executado, o que era lógico. Ele ainda não sabia que estaria entre os sobreviventes dos futuros julgamentos de Nuremberg e morreria na prisão em 1987.
Um Tribunal para a história
Coube ao sucessor de Roosevelt, após sua morte em março de 1945, fornecer uma resolução judicial para o conflito de acordo com os ideais democráticos que o impulsionaram, pelo menos no Ocidente. O problema é que os países vitoriosos estavam longe de ser exemplares em matéria de direitos humanos. A URSS invadiu a Polônia juntamente com a Alemanha nazista em 1939 e, em seguida, a Finlândia, o que a tornou culpada de "guerra de agressão", uma das acusações feitas contra a Alemanha, com a qual os Estados Unidos estavam mais comprometidos.
Mas os crimes cometidos pelos nazistas permaneceram excepcionais tanto por sua natureza quanto pela escala. O Procurador-Geral Robert Jackson também pretendia usar o julgamento iminente para estabelecer, pelo menos no papel, novos padrões de dignidade para toda a humanidade. Ele distinguiu quatro categorias: conspiração, crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Essas categorias formaram a base da jurisdição dos tribunais de Nuremberg e Tóquio.
A criação de um tribunal internacional encontrou dificuldades devido às diferentes tradições jurídicas dos países envolvidos. Os franceses e os soviéticos estavam habituados a distinguir entre as fases de investigação e de julgamento, seguindo os princípios do sistema inquisitorial. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, por outro lado, seguiam um sistema adversarial, em que a investigação era conduzida durante o julgamento. Foi este segundo método que acabou sendo adotado, embora se tenha dado especial atenção à acusação, que era particularmente detalhada.
Nuremberg, "capital ideológica" do Reich
A escolha de Nuremberg não foi por acaso. A segunda maior cidade da Baviera, imersa em seu passado imperial, foi designada a "capital ideológica" do regime por Adolf Hitler. Foi lá, no sudeste da cidade, no imenso complexo arquitetônico do Reichsparteitagsgelände, o "Parque de Congressos do Partido do Reich", construído por Albert Speer, que o Partido Nazista, o NSDAP, realizou seus congressos de 1933 a 1938. Também foi na cidade que as chamadas Leis de Nuremberg despejaram as ideias antissemitas nazistas no sistema jurídico do Reich em 1935.
Foi também em Nuremberg que a cineasta Leni Riefenstahl filmou Triunfo da Vontade, em 1934, uma ode visual ao regime lançada no ano seguinte, que ela complementaria em 1937 com Olympia, tendo como pano de fundo igualmente monumental as Olimpíadas de Berlim de 1936.
No outono de 1945, Berlim e Nuremberg não passavam de ruínas. Mas, no centro da segunda cidade, o imenso tribunal foi milagrosamente poupado pelos bombardeios. Ele se tornou o cenário ideal para o julgamento.
A lista de réus foi elaborada sem nenhum planejamento prévio, embora alguns dos envolvidos já tivessem morrido. Outros haviam desaparecido. Um dos acusados, Martin Bormann, morreu durante a queda de Berlim em 2 de maio de 1945, mas seu corpo só foi encontrado muito tempo depois, em 1978. Na época, acreditava-se que ele estivesse foragido; ele foi julgado e condenado à morte à revelia.
Robert Ley, outro réu, conseguiu cometer suicídio antes do início do julgamento, o que resultou em maior vigilância sobre os demais. Entre os vinte e um que compareceram ao banco dos réus, não havia representantes da indústria.
"Não culpado": a negação cínica dos acusados
Embora a presença de Hermann Göring - o segundo na ordem de comando do Reich e seu representante vivo de mais alta patente após os suicídios de Hitler, Goebbels e Himmler - pareça óbvia, peças essenciais da engrenagem do regime, como a SS e a Gestapo, foram representadas apenas por Ernst Kaltenbrunner, um dos principais responsáveis do sistema policial nazista.
Por outro lado, quatro membros do Estado-maior alemão foram incluídos: os da Wehrmacht, como Wilhelm Keitel e Alfred Jodl, e os da Kriegsmarine, como Alfred Dönitz e Erich Raeder. Além dos indivíduos, sete instituições foram acusadas: o Gabinete do Reich, ou seja, seu governo; líderes do Partido Nazista; a SS; a Gestapo; a SA; O Estado-maior e o Alto Comando das Forças Armadas Alemãs.
No segundo dia do julgamento, 21 de novembro de 1945, os réus foram questionados se declaravam-se culpados ou inocentes. Hermann Göring foi o primeiro a responder, e o fez com uma frase, posteriormente adotada por outros, que definia a imagem que ele desejava projetar: "Im Sinne der Anklage, nicht schuldig" [Não sou culpado das acusações contra mim]. Ele queria transformar este julgamento, cujo resultado já conhecia, em uma plataforma para o Nacional-Socialismo.
Nenhum dos réus se declarou culpado. Mais tarde, alguns reconheceriam a responsabilidade coletiva para melhor se exonerarem individualmente. Apenas o arquiteto e ministro do Terceiro Reich, Albert Speer, reconheceria sua parcela de responsabilidade, uma escolha tática que lhe permitiria escapar por pouco da pena de morte.
Filmes e reações
Para romper com essa negação e arrogância, dois filmes são exibidos no tribunal: "Campo de Concentração Nazista", compilado a partir de imagens filmadas em Dachau e Buchenwald em 29 de novembro, e "Planos Nazistas", compilado a partir de arquivos de cinejornais alemães, em 11 de dezembro de 1945. Além da tela, as duas fileiras de réus são iluminadas para capturar suas reações imediatas.
O primeiro filme revelava imagens que transmitiam a escala dos crimes nazistas, muito além do que muitos no tribunal, especialmente os representantes do Ocidente, haviam imaginado. O segundo, mostrava os réus em contato próximo com Hitler, trocando mensagens com ele, participando de comícios, fazendo discursos e, em suma, desempenhando um papel ativo na implementação do regime nazista.
O resultado é inequívoco. "Eles mostraram aquele filme horrível [aquele sobre os campos] e isso realmente arruinou tudo", lamentou Hermann Göring, militar e um dos principais líderes do partido nazista e do governo do Terceiro Reich.
Assim como outros onze réus, Göring não escapa da pena de morte, mas consegue antecipar sua execução ingerindo uma cápsula de cianeto. Três réus são perdoados, o que desencadeia a ira dos soviéticos. As relações se tornaram consideravelmente tensas durante os dez meses do julgamento, período em que surgiram os primeiros sinais da Guerra Fria.
O massacre de Katyn, por exemplo, o assassinato de 22.500 oficiais poloneses pelo Exército Vermelho na primavera de 1940, gerou um profundo mal-estar. Os soviéticos atribuíram a responsabilidade aos nazistas, embora já fosse evidente que eles eram os instigadores e perpetradores. O episódio foi simplesmente omitido dos autos do julgamento.
O promotor adjunto, Nikolai Zoria, recusou-se a participar da falsificação e quis compartilhar suas dúvidas com Vyshinsky, o principal organizador dos Julgamentos de Moscou, que na época era responsável por organizar a participação soviética nos Julgamentos de Nuremberg. Ele foi encontrado morto em seu quarto de hotel em 23 de maio de 1946, oficialmente devido a um acidente enquanto limpava sua arma de serviço.
Os maiores escritores, jornalistas e autores do mundo assistiram ao julgamento. Entre eles estavam o americano John Dos Passos, o soviético Ilya Ehrenburg, o francês Joseph Kessel, a britânica Rebecca West, a argentina Victoria Ocampo, que lamentou a ausência de mulheres entre os juízes, advogados e réus, bem como os alemães que haviam retornado do exílio, Erika Mann e Alfred Döblin.
Entre as testemunhas, poucas eram sobreviventes de campos de concentração. Em 18 de janeiro de 1946, Marie-Claude Vaillant-Couturier, a recém-eleita deputada comunista da Assembleia Nacional francesa e sobrevivente de Auschwitz e Ravensbrück, deu um relato detalhado que chocou os parlamentares. Mas foram necessárias várias décadas para que outras vozes fossem ouvidas, fora dos tribunais, que por muito tempo foram os únicos lugares onde eram escutadas.
"Certa noite, fomos despertadas por gritos terríveis. Soubemos na manhã seguinte, pelos homens que trabalhavam no Sonderkommando, a unidade de gás, que no dia anterior, por falta de gás, haviam jogado as crianças vivas nos fornos", contou Vaillant-Couturier, com os olhos fixos no banco dos réus.