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Europa

A filósofa alemã que trabalhou dois anos como prostituta

4 dez 2017 - 14h36
(atualizado às 14h54)
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Prostitutas num bordel em Colônia
Prostitutas num bordel em Colônia
Foto: DW / Deutsche Welle

A berlinense Ilan Stephani era uma estudante de filosofia quando, aos 19 anos, decidiu trabalhar como prostituta num bordel em Berlim. Em seu recém-publicado livro Lieb und teuer - Was ich im Puff über das Leben gelernt habe (Querida e cara - o que aprendi sobre a vida trabalhando num puteiro), ela relata sua experiência de dois anos como prostituta.

Foi a curiosidade - e não a necessidade financeira - que levou Stephani a trabalhar num bordel de Berlim. Ela queria experimentar a prostituição para entender o que há tempos divide opiniões pelo mundo, sobretudo de feministas, em relação à legalização dessa atividade como profissão.

Em entrevista à DW Brasil, Stephani diz que a prostituição em sociedades patriarcais pode representar mais liberdade do que ser a "esposa" - historicamente entendida dentro da sexualidade monogâmica como a "posse" de um homem. Mas isso apenas se a prostituição for a escolha de uma mulher.

Ela reconhece que sua experiência é particular se comparada a outras "cenas", em que há sexo forçado ou escravidão sexual, e defende que os direitos humanos básicos precisam ser garantidos para que a prostituição seja uma "decisão".

Foi pela organização alemã Hydra, que desde 1980 trabalha em apoio às mulheres prostitutas, que a então jovem estudante de filosofia da Universidade Humboldt de Berlim chegou à prostituição. Em seu livro, ela explica por que vê o sexo pago como uma atividade laboral qualquer.

Em 2002, a Alemanha reconheceu a prostituição como atividade profissional por meio da LProst (Lei da Prostituição). O sexo pago é permitido, mas com cobrança de impostos e regulamentações. Estima-se que entre 300 mil e 400 mil pessoas sejam trabalhadores do sexo no país. Entretanto, cerca de 70% delas vêm de países do Leste Europeu, como Bulgária, Romênia e Polônia -, segundo apontou relatório da Fundação alemã Heinrich Böll.

Hoje, aos 31 anos, Stephani é autônoma e tem um pequeno negócio em Berlim. Ela organiza seminários e atividades de expressão corporal para mulheres traumatizadas, muitas delas vítimas de agressão.

DW Brasil: Por que você decidiu trabalhar como prostituta?

Ilan Stephani: Comecei a trabalhar como prostituta por curiosidade, nunca pensei em escrever um livro. Queria experimentar os sentimentos com intensidade e aprender sobre as fronteiras na sexualidade entre homens e mulheres. Com a prostituição, eu me sentia importante como alguém que ouve, que compreende. Eu estava fascinada por esse tipo de contato, que me dava grande satisfação.

A escolha de ser prostituta existe para poucas mulheres. Como você vê essa questão?

A prostituição forçada é muito pior do que podemos imaginar. É importante entender que, dentro do mundo da prostituição, existem muitas realidades, muitas contradições. Mas é também preciso discernir o sexo forçado do sexo por dinheiro. Com isso, usar palavras claras para dizer que prostituição também pode ser uma atividade laboral.

Então, de uma certa forma você foi privilegiada por poder escolher e não ser forçada a essa atividade laboral?

Sim, fui privilegiada por viver na Alemanha. Há países em que a prostituição é legal, e as leis são boas. Mas no contexto global há questões básicas não resolvidas. Eu já fui prostituta - imagino que você não tenha sido -, mas nenhuma de nós sabe o que é prostituição forçada. Eu tenho os mesmos medos, críticas e questionamentos em relação a esse problema. Primeiro, é preciso um contexto social em que os direitos humanos da mulher sejam garantidos para que ela possa dizer "eu decidi ser prostituta".

São raras as reportagens que ouvem homens que frequentam bordéis. Por que a imagem da mulher é muito mais presente na mídia do que a do homem quando o tema é prostituição?

É muito mais fácil falar sobre as vítimas, até em termos legais. Essa é a principal razão. A segunda grande razão é que é mais sexy falar sobre a mulher. Por isso, quase sempre as histórias sobre prostituição repetem infinitamente: mulher, mulher, mulher. Não importa quantas prostitutas vivam no mundo - existirão sempre muito mais clientes, e não se fala sobre o homem por causa da vergonha que eles sentem. Se formos falar desse tópico de maneira relevante, devemos falar de clientes, clientes, clientes.

Feministas, sobretudo as marxistas, defendem que a prostituição torna a mulher e o sexo objetos de consumo e fetiche masculino. Como alguém que estudou filosofia, você acha que, na prostituição, a mulher é reduzida a mercadoria?

Penso que na sociedade de consumo tudo é mercadoria: cada madeira transformada em lápis e, no caso da prostituição, cada vagina. Não há nada de novo que façamos sexo como forma de consumo - alguém paga, e um outro recebe. Mas vejo o sexo sob duas perspectivas. Primeiro, há abuso quando um homem "fetichiza" e violenta uma mulher. No meu livro, eu defendo claramente que isso é ruim. Mas, em segundo lugar, o sexo é o anseio do corpo humano, que deseja contato e intimidade. Aprendi com a prostituição que o homem não procura uma prostituta apenas para o ato sexual, ele também busca afeto - como um sorriso ou carinho. Por isso, a prostituição não precisa ser vista apenas como consumo, mas como algo que torna as pessoas mais felizes. Duas pessoas podem fazer algo mágico quando estão juntas [risos].

Por que a prostituição pode ter um lado positivo para a trabalhadora sexual?

Penso que, nas sociedades patriarcais, as prostitutas podem ser mais livres do que as esposas. "Se você me paga, você não me possui, mas me 'aluga' por um certo tempo, e depois posso ser livre de novo". As mulheres que ousaram dizer "a minha sexualidade não é posse de um homem" foram as primeiras prostitutas da história da humanidade. Aprendi como prostituta que posso ser livre para fazer o que amo, e amei fazer isso. Mas, para ser honesta, percebi ser a pessoa mais livre do mundo quando deixei a prostituição (risos).

Por que você deixou a prostituição?

Tornou-se chato. Sempre olhamos para o sexo na prostituição como algo radical. "Você é prostituta? Então o seu sexo deve ser o máximo, já o meu é muito normal". Isso não é verdade. O sexo na prostituição é chato, é normal. Eu parei porque eu percebi que o segredo da prostituição é que não há segredo.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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