Eleições na Venezuela: o boicote da oposição que devolveu todos os poderes a Maduro
O partido no poder teve mais de 67% de apoio nas eleições em que a oposição considera a abstenção uma vitória.
O chavismo recuperou a Assembleia Nacional da Venezuela neste domingo (06/12), em eleições marcadas pelo boicote aos principais partidos e líderes da oposição e por uma abstenção massiva.
Com uma participação de apenas 31%, mais de 40 pontos percentuais abaixo das eleições parlamentares de 2015 vencidas pela oposição, a coalizão governista teve mais de 3,5 milhões dos 5,2 milhões de votos, com um total de 67,6% de apoio entre os que compareceram às urnas, segundo dados do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país.
Desde 2015, a Assembleia era o único poder controlado pela oposição, que decidiu não participar do pleito do fim de semana, assim como já havia feito nas eleições presidenciais de 2018, por considerar que não existem condições justas para a disputa eleitoral.
O líder da oposição, Juan Guaidó, que em 5 de janeiro deixará de ser o presidente da Assembleia Nacional, falou em "fraude" e sugeriu que o comparecimento às urnas foi ainda menor do que o dado oficial.
Reações
"A ditadura é evidente. Depois da chantagem, do sequestro de partidos, da censura, da fabricação de resultados, do terror, anunciam o que foi dito: uma fraude com 30% de pura falsidade, que não é suficiente nem para se mostrar ao público (nem mesmo eles comemoram, eles sabem que estão sozinhos)", escreveu Guaidó no Twitter.
"Vamos para um novo ciclo triunfal", comemorou o presidente, Nicolás Maduro, que havia dito que deixaria o cargo em caso de uma derrota. Mas ninguém acreditava nesta possibilidade, devido ao boicote dos principais partidos da oposição.
Os principais rivais do chavismo — a corrente política de Maduro — obtiveram nas eleições deste domingo pouco mais de 17% dos votos.
O dia correu tranquilamente e em Caracas o baixo fluxo de eleitores foi evidente, segundo o enviado especial da BBC Mundo à Venezuela, Daniel García Marco.
"A situação do país muda com uma Assembleia Nacional diferente daquela que propiciou invasões", festejou o governista Diosdado Cabello, agora um dos principais candidatos a comandar o novo Parlamento a partir de 5 de janeiro.
Cabello já chefiava a Assembleia Nacional Constituinte, orgão dominado pelo chavismo e que substituiu muitas das funções da Assembleia Nacional. O Supremo Tribunal de Justiça, a pedido do Executivo, considerava que a Assembleia Nacional estava "em desacato" e, portanto, foi impedida de exercer suas funções.
Ninguém ganha
Análise do enviado da BBC Mundo à Venezuela, Daniel García Marco
"Amanhã continuaremos da mesma forma", me disse Flor no domingo, perto de um centro de votação em Caracas.
A máscara que ela usa por causa da pandemia serviu para esconder seu rosto da decepção, como a de muitos venezuelanos, que estão mais ocupados em ter gasolina suficiente e receber alguns dólares nesta época de fim de ano do que entusiasmados com as eleições parlamentares sem competição.
O chavismo, como era de se esperar, venceu amplamente, mas a baixa participação de 31%, como se antecipava nas urnas de Caracas, aplaca qualquer triunfalismo, apesar de o partido governista recuperar agora o único poder que era controlado pela oposição.
Governar a Venezuela nas atuais circunstâncias não é fácil. O chavismo segue sem encontrar formas de conter a hiperinflação e obter mais receita diante da queda do setor petrolífero e das sanções. E sente o descontentamento, mesmo entre os que antes eram mais militantes.
Os Estados Unidos e a União Europeia também não reconhecerão a nova Assembleia Nacional. Os problemas de acesso aos mercados financeiros e petrolíferos e as dúvidas sobre a legitimidade democrática do país continuarão.
E a oposição, quando perder formalmente o Parlamento em 5 de janeiro, terá que lidar novamente com a reunificação em torno de uma estratégia que não será mais orientada por Donald Trump, que em breve deixará seu lugar em Washington para Joe Biden.
Os parlamentares, portanto, não parecem destravar nenhum dos problemas com os quais a Venezuela sofre há anos, mas pode ser que a chegada de Biden, um novo ar na oposição e um eventual reconhecimento das dificuldades do chavismo abram espaço para concessões e para aliviar a situação no país.
Consequências?
A esperada vitória dará ao chavismo total controle político no duelo político que mantém há anos com a oposição. Poderá elaborar leis que aprofundem a abertura econômica que a Revolução Bolivariana tem defendido nos últimos tempos em busca de renda, mas a nova Assembleia continuará sem contar com a legitimidade de dezenas de países, incluindo EUA e a União Europeia.
Portanto, espera-se que as sanções continuem e que não haja acesso aos mercados internacionais enquanto se espera que a abertura econômica seja acompanhada também por uma abertura política, segundo o governo de Maduro.
A Venezuela atravessa uma profunda crise econômica com a terceira hiperinflação mais longa da história e uma dolarização de fato da economia, que alivia certos setores ao mesmo tempo que aprofunda as desigualdades.
Por sua vez, a oposição terá novamente que rever sua estratégia, já que a atitude de Guaidó de desafiar Maduro ao se declarar presidente interino não atingiu o objetivo de destituí-lo do poder.
A liderança de Guaidó, que defende a "continuidade administrativa" da Assembleia Nacional de 2015, fica em questão a partir de 5 de janeiro, quando será constituído o novo Parlamento, agora dominado pelo chavismo.
"Depois desses fracassos, teremos que repensar alternativas reais", afirmou Henrique Capriles, ex-candidato à Presidência da oposição, em postagem no Twitter neste domingo.