Como fogos no réveillon viraram caso de polícia na Alemanha
Anualmente, violência e acidentes ligados à queima de fogos privada mobilizam bombeiros, médicos e policiais nas grandes cidades do país. Entidades pedem a proibição dessa tradição alemã, praticada por uma minoria.O que acontece com os alemães na véspera de Ano Novo? Ao longo do ano, eles se apresentam como um povo geralmente tranquilo e pacífico, que detesta qualquer tipo de barulho. O uso privado de fogos de artifício também é proibido o ano inteiro no país. Exceto na véspera e no dia de Ano Novo, quando rojões e bombas são permitidos entre as 18h do dia 31 de dezembro até as 6h do dia 1º de janeiro.
E é quando algo acontece que deixa muitos estrangeiros sem palavras. Os alemães queimam foguetes, rojões, bombinhas, shows pirotécnicos e sofisticados sistemas de fogos de artifício para dar as boas-vindas ao Ano Novo em grande estilo.
Detonações ecoam entre os prédios, foguetes ricocheteiam nas janelas, e a fumaça toma conta do ar - tudo isso tendo como pano de fundo as luzes azuis da polícia e as sirenes estridentes das ambulâncias. "A véspera de Ano Novo na Alemanha é a noite em que todas as pessoas legais, normais, práticas e avessas ao risco são substituídas por piromaníacos alardeadores da pólvora e procurando pela morte", escreve o autor britânico Adam Fletcher em seu livro How to be German ("Como Ser Alemão", em tradução livre).
Em toda a Alemanha, mas especialmente nas grandes cidades, todos os anos, bombeiros, ambulâncias e policiais são mobilizados em larga escala . Muitos alertam sobre os perigos e reclamam que seus animais de estimação estão sofrendo com o barulho.
Uso de fogos como arma
A avidez dos alemães por fogos de artifício se reflete nos números das vendas, as quais são permitidas somente nos últimos três dias do ano . No ano passado, foram gastos 197 milhões de euros em fogos de artifício para o réveillon alemão, um novo recorde, após os 180 milhões de euros do ano anterior. A Federação da Indústria Pirotécnica da Alemanha (VPI) espera que haja um aumento entre 10% e 15% neste ano.
A maior parte do que é vendido no país é importada, sobretudo da China. Só de janeiro a setembro, mais de 42.400 toneladas de fogos de artifício foram importadas para a Alemanha, 62,6% a mais do que no ano anterior, segundo o Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis).
Um problema crescente é o uso deliberado de fogos de artifício como arma contra pessoas, especialmente policiais, bombeiros e paramédicos. Particularmente nas grandes cidades alemãs, as comemorações de Ano Novo são marcadas por agressões e violência, com alguns bairros vivenciando condições próximas à de uma guerra.
É particularmente grave o fato de que o número de feridos e danos materiais aumenta ano após ano. Os fogos de artifício causam ferimentos graves, como trauma acústico, queimaduras ou amputações, principalmente de dedos ou mãos inteiras.
Especialmente na capital alemã, Berlim, a queima de fogos de artifício no réveillon já virou há anos caso de polícia, com diversas batalhas nas ruas envolvendo grupos de jovens de um lado e policiais e bombeiros de outro. Também são reportados diversos incêndios em apartamentos e telhados de prédios, causados por rojões e outros tipos de artefatos explosivos.
Cinco mortos em 2025
Na véspera de Ano Novo de 2025, ao menos cinco pessoas morreram por causa de fogos de artifício na Alemanha, centenas ficaram feridas, e 400 foram presas somente em Berlim. Dezenas de carros foram incendiados, e os hospitais ficaram sobrecarregados.
No distrito de Schönefeld, no sul da capital alemã, um prédio inteiro foi danificado por uma bomba caseira fabricada ilegalmente. Na ocasião, 36 apartamentos ficaram temporariamente inabitáveis após terem as janelas estilhaçadas pela explosão do artefato, fazendo com que os moradores fossem retirados de seus lares, devido às baixas temperaturas do inverno berlinense. Um porta-voz do corpo de bombeiros comparou a cena a um campo de batalha, enquanto moradores descreveram condições semelhantes às de uma guerra civil.
Não só em Berlim houve violência em combinação com fogos de artifício no último réveillon. Em Leipzig, na Saxônia, também ocorreram ataques contra policiais: latas lixo foram incendiadas, barricadas foram erguidas e aproximadamente 50 pessoas atacaram policiais com fogos de artifício e garrafas. Em Munique, capital da Baviera, centenas de pessoas promoveram tumultos e atacaram policiais.
Petições exigem proibição
Por isso, muitos pedem uma proibição dos fogos de artifício de uso privado. Uma petição nesse sentido, organizada pelo Sindicato da Polícia Alemã (GdP), já havia reunido mais de 2,6 milhões de assinaturas até o final de dezembro. A
Sob a hashtag #böllerciao, uma aliança de mais de 50 organizações da sociedade civil está pedindo a proibição de fogos de artifício privados na véspera de Ano Novo. Entre os apoiadores estão associações médicas, a organização alemã de ajuda ambiental, organizações de proteção animal, entre outras entidades.
O presidente da Associação Médica Alemã, Klaus Reinhardt, pediu urgentemente que a venda de fogos de artifício para consumo privado seja banida no país. "Ninguém tem nada contra espetáculos organizados de fogos de artifício em locais centrais, mas o lançamento indiscriminado deveria ser proibido", afirmou Reinhardt em entrevista à RND Media.
Maioria é a favor de banimento
O aumento da agressividade na véspera de Ano Novo na Alemanha está definitivamente afetando a sensação de segurança de muitos cidadãos no país. De acordo com uma pesquisa da organização certificadora alemã TÜV, quase uma em cada três pessoas agora se sente insegura devido aos fogos de artifício em espaços públicos. Isso afeta particularmente as mulheres. E 22% dos entrevistados afirmaram que não saem mais de casa na véspera de Ano Novo.
Um número crescente de cidadãos defende uma proibição,segundo a sondagem da TÜV : 43% defendem a proibição total, com exceção de fogos pequenos, como estrelinhas ou fogos de artifício de mesa. Enquanto 22% defendem a proibição de grandes rojões e bombinhas. No entanto, também há aqueles que rejeitam as proibições, citando a tradição e a liberdade. Na pesquisa, esse número foi de 33%.
Diversão de minoria
Mas soltar fogos no final do ano é algo praticado por uma minoria no país. Apenas 22% dos alemães planejavam celebrar o Ano Novo queimando fogos de artifício, enquanto 74% não o fazem. Foi isso que revelou uma sondagem que o instituto de pesquisa de opinião Civey realizou neste mês com 2.500 pessoas com 18 anos ou mais.
Entretanto o que alguns consideram uma diversão colorida e emocionante definitivamente tem seus pontos negativos também para o meio ambiente. Além da enorme quantidade de resíduos gerados, segundo a Agência Federal Alemã do Meio Ambiente, a queima de fogos de artifício na véspera do Ano Novo lança no ar cerca de 2 mil toneladas de material particulado. Essa quantidade corresponde a cerca de um 1% da poluição anual por esse tipo de material na Alemanha, o que é considerado um risco à saúde.