Camboja lembra 50 anos da tomada de poder pelo Khmer Vermelho, que instaurou quatro anos de terror
Há exatos cinquenta anos da queda da capital Phnom Penh, no Camboja, ocorrida em 17 de abril de 1975, a população do país ainda se comove com os horrores vividos após a tomada de poder pelo regime comunista do Khmer Vermelho. Liderada por Pol Pot, a repressão metódica praticada por maoístas radicais treinados no Ocidente é responsável por quase 1,7 milhão de mortes, um quarto da população à época. A RFI conversou com sobreviventes e visitou lugares emblemáticos, como prisões e cemitérios clandestinos, que testemunham um período sangrento da história do país asiático, onde as homenagens foram discretas nesta quinta-feira (15).
Há exatos cinquenta anos da queda da capital Phnom Penh, no Camboja, ocorrida em 17 de abril de 1975, a população do país ainda se comove com os horrores vividos após a tomada de poder pelo regime comunista do Khmer Vermelho. Liderada por Pol Pot, a repressão metódica praticada por maoístas radicais treinados no Ocidente é responsável por quase 1,7 milhão de mortes, um quarto da população à época. A RFI conversou com sobreviventes e visitou lugares emblemáticos, como prisões e cemitérios clandestinos, que testemunham um período sangrento da história do país asiático, onde as homenagens foram discretas nesta quinta-feira (15).
Pol Pot e seu grupo de revolucionários entraram em Phnom Penh usando tanques, derrubando o Exército Republicano de Lon Nol, apoiado pelos EUA. Eles impuseram aos cambojanos uma visão de mundo baseada na coletivização radical dos meios de produção e na vontade de criar uma sociedade agrária sem classe, sem religião ou mesmo dinheiro. Por cerca de três anos e meio, esse regime totalitário, criado pelos comunistas radicais de inspiração maoísta, fez reinar o terror, contribuindo para uma profunda desestabilização social.
Toul Sleng era uma antiga escola secundária construída pelos franceses, onde o Khmer Vermelho decidiu instalar um centro de detenção e tortura. Até 1979, ali funcionou o Campo S21, a prisão mais terrível do Camboja. Milhares de pessoas passaram pelo local, onde foram torturadas e poucas sobreviveram.
Dos aproximadamente 20.000 prisioneiros de Toul Sleng, apenas 12 pessoas foram encontradas vivas, incluindo quatro crianças, quando as tropas vietnamitas expulsaram o exército derrotado do ditador Pol Pot, em janeiro de 1979.
Norng Chanphal é uma dessas quatro crianças. Ele tinha 9 anos na época. Hoje, aos 55, ele ainda lembra da experiência dolorosa.
"Quando o portão se abriu, vi à minha frente quatro ou cinco homens armados, parados em ambos os lados da entrada. Eles gritavam e ordenavam para que minha mãe saísse do caminhão. Doente na época, ela não conseguia andar rápido. Então, eles a empurraram no chão. Fiquei apavorado com o que vi. Nos mandaram para uma sala, onde tiraram uma foto e iniciaram o interrogatório. Minha mãe não entendeu as perguntas e começaram a torturá-la, chutando-a na minha frente. Corri até ela e a peguei nos braços para protegê-la, mas levei um chute nas costas. Cinco ou seis anos depois, no orfanato, minhas costas ainda doíam".
Cinco décadas se passaram, mas o trauma psicológico continua presente. Norng Chanphal é um dos poucos sobreviventes do regime genocida a apresentar queixa e a testemunhar, em 2009, durante o julgamento de ex-oficiais do Khmer Vermelho.
Cinco ex-chefes do regime foram presos. O torturador Kaing Guek Eav, o "Duch", foi o primeiro Khmer Vermelho condenado por um tribunal de crimes de guerra. Foragido durante décadas, ele foi preso em 1999. Em 2010, em primeira instância, recebeu uma pena de 30 anos de prisão, que dois anos depois, foi transformada em detenção perpétua.
"Embora eu não estivesse totalmente satisfeito com essse julgamento, pelo menos isso permitiu que minha mãe descansasse em paz. Sua alma pôde deixar este lugar e reencarnar em uma nova vida, de acordo com a crença budista. Justiça tinha que ser feita à minha mãe, qualquer que fosse o veredicto. Caso contrário, sua alma teria permanecido enclausurada neste lugar da janela de sua cela, ela continuaria esperando que eu fizesse justiça por ela".
Além dele, Khieu Samphan, 87 ans, e Nuon Chea, 92 ans, autoridades do regime de Pol Pot, foram condenados por genocídio no tribunal internacional da ONU, em 2018. Os dois já haviam sido reconhecidos culpados de "crime contra a humanidade" em 2014, por terem ordenado a evacuação forçada da população de Phnom Penh, em abril de 1975.
Pol Pot morreu em 1998 sem ter de responder por seus atos em um tribunal. Muitos ex-membros do Khmer Vermelho não foram responsabilizados e continuam foragidos.
Um lugar de memória
O macabro S-21 foi o maior centro de detenção, tortura e execução entre os 196 estabelecidos no Camboja pelo Khmer Vermelho. O edifício da antiga prisão agora é dedicado à memória desta página triste que os cambojanos querem virar.
"Na escola, eu não sentia tanto terror ao ouvir a história deste lugar. Mas hoje, quando cheguei aqui, isso me dá arrepios. Era um regime extremamente cruel. É inimaginável", diz Hai Ly Heap, visitante do Museu do Genocídio de Toul Sleng
Os visitantes podem ver as salas de aula da antiga escola transformadas em celas para interrogatórios. Os métodos eram atrozes, como mostram vários objetos de tortura ainda expostos no local.
"É um grande choque para mim. Eles foram terrivelmente torturados. Não entendo como os Khmers puderam infligir tanto sofrimento", lamentou a estudante Amizone.
Toul Sleng também é um importante centro de arquivo, onde são conservados documentos de inestimável valor histórico, em particular os interrogatórios dos detidos, as suas confissões e métodos de execuções. Desde 2009, os arquivos do Museu do Genocídio estão incluídos no Registro Internacional Memória do Mundo da UNESCO.
"Devemos estudar a história do Camboja. Devemos conhecer o passado. Nunca mais devemos ver essa divisão nacional. Para evitar que essa tragédia se repita, todos devem pensar nas consequências de suas ações antes de cometê-las", diz o estudante Soeun Puthi Reaksmey.
Campo de extermínio
Os prisioneiros do Khmer Vermelho mantidos na prisão S-21 eram executados a 17 km da capital Phnom Penh, em um terreno de dois hectares que, antigamente, foi uma plantação e um cemitério chinês.
Choeung Ek foi um campo de extermínio onde quase 20.000 pessoas foram brutalmente executadas. Somente após a queda do regime, a dimensão de suas atrocidades pode ser revelada. Quase 130 valas comuns cheias de corpos, crânios e roupas das vítimas foram descobertas no local.
Na maioria das vezes, os prisioneiros eram mortos ao chegarem. Para as execuções, eram usados vários objetos para quebrar o pescoço das vítimas, que eram vendadas e tinham as mãos amarradas para trás. Outros tinham a garganta cortada ou eram decapitados. Para abafar os gritos, os carrascos tocavam música em alto-falantes, mantendo em segredo a existência desse lugar de horror.
"Esta é uma lição para toda a nação. Precisamos fazer tudo para evitar que essa vergonha nacional se repita. Ainda hoje, sofremos as consequências dessa tragédia do passado", diz Dum Thun, um visitante cambojano.
Em 1980, Choeung Ek foi transformado em um memorial. Este monumento em homenagem às vítimas foi construído oito anos depois e tem várias prateleiras contendo quase 9.000 crânios exumados no local.