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Mundo

Bolsonaro ataca mídia mundial e cita "falácia" da Amazônia

Em discurso na ONU, presidente disse que seu governo está comprometido com a preservação do meio ambiente

24 set 2019 - 11h13
(atualizado às 12h32)
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O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terça-feira (24), em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que o seu governo está comprometido com a preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável e reiterou a soberania do Brasil sobre a Amazônia.

Presidente Bolsonaro durante discurso na Assembleia Geral da ONU em Nova York
24/09/2019
REUTERS/Carlo Allegri
Presidente Bolsonaro durante discurso na Assembleia Geral da ONU em Nova York 24/09/2019 REUTERS/Carlo Allegri
Foto: Reuters

Alvo de críticas e polêmicas devido à política ambiental, Bolsonaro afirmou que "ataques sensacionalistas", por grande parte da mídia internacional, devido aos incêndios na Amazônia despertaram um sentimento patriótico no país.

"Agradeço os que não embarcaram nessa posição, especialmente o presidente (dos EUA), Donald Trump", disse Bolsonaro no discurso na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York.

Bolsonaro afirmou ainda que é uma "falácia" dizer que Amazônia é um patrimônio da humanidade e reclamou, sem citar nominalmente, a reação da França.

"Outro país embarcou em falácia da mídia sobre a Amazônia e nos tratou com desrespeito e espírito colonizador", disse Bolsonaro, numa referência ao presidente francês, Emmanuel Macron.

Bolsonaro reiterou ainda que o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada de reservas indígenas, sob argumento de que índios não podem ser "latifundiários pobres em cima de terras ricas".

A seguir, outros pontos do discurso do presidente:

França, Alemanha e ONU

Jair Bolsonaro cutucou Alemanha e França, com mais ênfase na última. Os dois países foram protagonistas na polêmica em torno das queimadas na Amazônia. Enquanto o presidente Francês, Emmanuel Macron, antagonizou diretamente com Bolsonaro, a Alemanha questionou a política ambiental brasileira e cortou o financiamento do fundo Amazônia.

"A Organização das Nações Unidas teve papel fundamental na superação do colonialismo e não pode aceitar que essa mentalidade regresse a estas salas e corredores, sob qualquer pretexto. Não podemos esquecer que o mundo necessita ser alimentado. A França e a Alemanha, por exemplo, usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura, já o Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos. 61% do nosso território é preservado!"

Sem citar a França nominalmente, mas em referência clara ao país e a seu presidente, Bolsonaro disse o seguinte: 

"Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista. 8 Questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania! Um deles por ocasião do encontro do G7 ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir. Agradeço àqueles que não aceitaram levar adiante essa absurda proposta".

Foi Macron quem colocou a situação da Amazônia em pauta na reunião do G7.

Em um dos ataques frontais a seus antecessores, Jair Bolsonaro desenvolveu um raciocínio que atacou também a ONU. "Há pouco, presidentes socialistas que me antecederam desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do parlamento, tudo por um projeto de poder absoluto." Bolsonaro prosseguiu:

"Esses mesmos governantes vinham aqui todos os anos e faziam descompromissados discursos com temas que nunca atenderam aos reais interesses do Brasil nem contribuíram para a estabilidade mundial. Mesmo assim, eram aplaudidos."

Ele também cutucou as Nações Unidas, além de ONGs, ao falar do programa Mais Médicos, criado no governo Dilma. "Em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional. Foram impedidos de trazer cônjuges e filhos, tiveram 75% de seus salários confiscados pelo regime e foram impedidos de usufruir de direitos fundamentais, como o de ir e vir. Um verdadeiro trabalho escravo, acreditem... Respaldado por entidades de direitos humanos do Brasil e da ONU!"

Amazônia e soberania

Bolsonaro defendeu sua política ambiental. "Em primeiro lugar, meu governo tem um compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil e do mundo." O político citou números sobre o quanto do território brasileiro é preservado. Ele, porém, não mencionou os números do desmatamento, que tem aumentado sob seu governo.

"Nossa Amazônia é maior que toda a Europa Ocidental e permanece praticamente intocada. Prova de que somos um dos países que mais protegem o meio ambiente", disse Bolsonaro. Ele prosseguiu:

"Nesta época do ano, o clima seco e os ventos favorecem queimadas espontâneas e criminosas. Vale ressaltar que existem também queimadas praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência. Problemas qualquer país os tem. Contudo, os ataques sensacionalistas que sofremos por grande parte da mídia internacional devido aos focos de incêndio na Amazônia despertaram nosso sentimento patriótico."

Tema caro principalmente às Forças Armadas do Brasil, que têm integrantes no mais alto escalão do governo federal, a soberania sobre a Amazônia também teve destaque na fala do presidente:

"Quero reafirmar minha posição de que qualquer iniciativa de ajuda ou apoio à preservação da Floresta Amazônica, ou de outros biomas, deve ser tratada em pleno respeito à soberania brasileira. Também rechaçamos as tentativas de instrumentalizar a questão ambiental ou a política indigenista, em prol de interesses políticos e econômicos externos, em especial os disfarçados de boas intenções." Também afirmou que "é uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade".

Raoni, indígenas e preservação

Bolsonaro atacou o líder indígena Raoni Metuktire, caiapó defensor do meio ambiente reconhecido mundialmente. "A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o Cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia", disse Bolsonaro. "Acabou o monopólio do senhor Raoni", afirmou.

"Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas", falou o presidente. Bolsonaro também deu destaque à riquesa mineral de partes da Amazônia, segundo ele a origente de interesses escusos.

"O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas. Especialmente das terras mais ricas do mundo. É o caso das reservas Ianomâmi e Raposa Serra do Sol. Nessas reservas, existe grande abundância de ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras, entre outros. 10 E esses territórios são enormes. A reserva Ianomâmi, sozinha, conta com aproximadamente 95 mil km2, o equivalente ao tamanho de Portugal ou da Hungria, embora apenas 15 mil índios vivam nessa área. Isso demonstra que os que nos atacam não estão preocupados com o ser humano índio, mas sim com as riquezas minerais e a biodiversidade existentes nessas áreas."

"Rechaçamos as tentativas de instrumentalizar a questão ambiental ou a política indigenista, em prol de interesses políticos e econômicos externos, em especial os disfarçados de boas intenções". Bolsonaro leu, ainda, uma carta assinada por um grupo de indígenas que apoia suas políticas.

Socialismo, globalismo e ideologia

Temas caros ao bolsonarismo, a esquerda e as ideologias tiveram bastante espaço na fala do presidente. Ele abriu o discurso da seguinte forma: "Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo". Ainda no começo da manifestação: "Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições".

Ainda sobre a esquerda, o Bolsonaro não perdeu a oportunidade de citar um país vizinho em crise. "A Venezuela, outrora um país pujante e democrático, hoje experimenta a crueldade do socialismo. O socialismo está dando certo na Venezuela".

O presidente também falou ao mundo sobre o Foro de São Paulo, conjunto de partidos de esquerda que, na versão polemista Olavo de Carvalho, é poderoso e tem um projeto de dominação. "O Foro de São Paulo, organização criminosa criada em 1990 por Fidel Castro, Lula e Hugo Chávez para difundir e implementar o socialismo na América Latina, ainda continua vivo e tem que ser combatido."

Bolsonaro repetiu, na ONU, seu hábito de louvar as ditaduras do Cone Sul da América Latina nos anos 1960, 1970 e 1980. Sem menção direta aos regimes, afirmou que tentativas de implantar o socialismo na região foram derrotadas. A versão da "ameaça vermelha" não encontra respaldo entre historiadores, mas é amplamente citada no Brasil por defendores do regime militar. Os simpatizantes afirmam que os golpes de Estado, torturas, sequestros e assassinatos foram cometidos em um contexto de guerra contra o comunismo. A declaração de Bolsonaro foi a seguinte: 

"A história nos mostra que, já nos anos 60, agentes cubanos foram enviados a diversos países para colaborar com a implementação de ditaduras. Há poucas décadas tentaram mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina. Foram derrotados! Civis e militares brasileiros foram mortos e outros tantos tiveram suas reputações destruídas, mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade".

Sem citar diretamente a palavra "globalismo", que na visão da nova direita mundial seria uma ideologia destrutiva, mencionou o tema. "Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um “interesse global” abstrato. Esta não é a Organização do Interesse Global! É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer!"

A palavra ideologia foi citada sete vezes. "Durante as últimas décadas, nos deixamos seduzir, sem perceber, por sistemas ideológicos de pensamento que não buscavam a verdade, mas o poder absoluto. A ideologia se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas. A ideologia invadiu nossos lares para investir contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família".

Bolsonaro não usou a expressão "ideologia de gênero", muito lembrada por seus apoiadores apesar de não ter validade científica, mas também fez uma menção indireta ao tema. "Tentam ainda destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica".

O presidente também aproveitou a oportunidade para falar da facada da qual foi vítima durante a campanha eleitoral, e ligou o ataque à esquerda. "Fui covardemente esfaqueado por um militante de esquerda e só sobrevivi por um milagre de Deus. Mais uma vez agradeço a Deus pela minha vida."

Deus e religião

Em uma das menções a ideolgia, Bolsonaro tocou também em outro tema caro a seu grupo político. "A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que Ele nos revestiu". Ele também citou a passagem bíblica que foi extensivamente repetida em sua campanha presidencial e que permaneceu em suas declarações depois. "Nas questões do clima, da democracia, dos direitos humanos, da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, e em tantas outras, tudo o que precisamos é isto: contemplar a verdade, seguindo João 8,32: - 'E conheceis a verdade, e a verdade vos libertarás'."

Em outra passagem, o brasileiro falou em perseguição religiosa. "É inadmissível que, em pleno Século XXI, com tantos instrumentos, tratados e organismos com a finalidade de resguardar direitos de todo tipo e de toda sorte, ainda haja milhões de cristãos e pessoas de outras religiões que perdem sua vida ou sua liberdade em razão de sua fé". A citação nominal aos cristãos como vítimas de perseguição pode ser entendida como um aceno de Bolsonaro aos vários seguimentos evangélicos que apoiam seu governo.

Veja o discurso na íntegra:

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