Ataques de Israel na Síria usam pretexto de proteção à minoria drusa para enfraquecer presidente sunita
Israel efetuou pelo menos 20 ataques aéreos contra alvos na Síria durante a noite de sexta-feira para sábado (3). A ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) afirma que os bombardeios visaram instalações militares em Daraa, nos arredores de Damasco, e nas regiões de Hama e Latáquia. O exército israelense também posicionou tropas no sul da Síria, "para intervir na proteção de aldeias da minoria drusa síria", segundo um comunicado militar.
Israel efetuou pelo menos 20 ataques aéreos contra alvos na Síria durante a noite de sexta-feira para sábado (3). A ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) afirma que os bombardeios visaram instalações militares em Daraa, nos arredores de Damasco, e nas regiões de Hama e Latáquia. O exército israelense também posicionou tropas no sul da Síria, "para intervir na proteção de aldeias da minoria drusa síria", segundo um comunicado militar.
Os ataques israelenses contra o país vizinho se intensificaram na madrugada de sexta-feira (2), com um primeiro bombardeio perto do palácio presidencial, em Damasco, após uma onda de violência sectária entre grupos armados ligados ao governo sunita sírio e combatentes drusos. Pelo menos 100 pessoas morreram em subúrbios da capital síria e no sul do país, perto da fronteira com Israel.
De acordo com o OSDH, sediado em Londres, mas conectado a uma ampla rede de informantes em toda a Síria, os bombardeios israelenses das últimas 24 horas foram os "mais violentos" desde o início do ano. A agência estatal síria Sana informou a morte de um civil e quatro feridos perto de Harasta, localidade próxima de Damasco. Oficialmente, Israel e a Síria vivem em guerra desde 1948.
Além dos ataques aéreos, o exército israelense colocou tropas de prontidão no sul da Síria, "para impedir a entrada de forças hostis na área das aldeias drusas", de acordo com um comunicado militar, sem dar mais detalhes sobre o número de soldados envolvidos nessa operação ou a extensão desse posicionamento.
O governo sírio descreveu os bombardeios como uma "escalada perigosa contra as instituições do Estado e sua soberania". O enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pedersen, pediu neste sábado que Israel "pare imediatamente" seus ataques ao país, descrevendo-os como "violações contínuas e crescentes da soberania" síria.
O governo israelense vê o novo presidente sírio, Ahmed Al Sharaa, um ex-jihadista sunita e líder da coalizão de rebeldes que derrubou o ex-ditador Bashar Al Assad, em dezembro, como uma ameaça ao país. Desde a queda de Assad, o novo dirigente enfrenta dificuldades para impor sua autoridade sobre certas brigadas do exército, ou faz vista grossa, como apontam alguns especialistas.
Drusos estão divididos
Uma habitante drusa do bairro de Jaramana, nos arredores de Damasco, onde começaram os distúrbios, disse à repórter Alice Froussard, da RFI, que "Israel está tentando dividir a população", porque teria o objetivo de conquistar cidades como Sueida, Daraa e outras áreas no sul da Síria. "Os israelenses querem tomar nossas terras, querem ocupar partes da Síria. Eles estão usando essa violência sectária como catalisador, explorando-a como o regime de Bashar al-Assad fez antes deles", afirmou a moradora, que pediu anonimato à reportagem.
Durante a semana, em uma reunião ocorrida na província de Sueida, líderes drusos, que beneficiam da proteção de Israel, e representantes do governo sírio reafirmaram sua rejeição a "qualquer divisão" do país.
Os drusos são uma minoria espalhada em três países do Oriente Médio - Síria, Israel e Líbano. Eles praticam uma doutrina eclética, dissidente do islamismo xiita, mesclada com influências do esoterismo. Durante a guerra civil síria (2011-2024), eles não se uniram aos opositores de Assad. Por essa razão, foram considerados hereges por rebeldes sunitas integrados ao exército sírio.
Diferentemente de outras minorias da região, como os curdos, por exemplo, os drusos não almejam a criação de um Estado independente, ou uma província autônoma, onde todos viveriam juntos. Há séculos, eles vivem integrados nos países onde nasceram ou estabeleceram residência, participando da vida social e política local.
A população Síria é marcada por uma grande diversidade cultural. Os muçulmanos sunitas são maioria (70%), seguidos pelas minorias alauíta, comunidade que inclui a família de Bashar Al Assad; cristãos ortodoxos, católicos e protestantes; drusos; xiitas; curdos e yazidis.
Remoção de feridos drusos
O exército israelense afirma ter evacuado, desde quarta-feira (30), vários drusos sírios para receber tratamento médico em Israel, após serem feridos em território sírio. Mas uma autoridade local drusa da província de Sueida, reduto da minoria, disse à AFP que algumas das pessoas mencionadas "ficaram feridas durante confrontos em Sahnaya, perto de Damasco, e foram transportadas de carro para a vila de Hadar, que é controlada pelas forças israelenses".
Os feridos teriam aceitado a remoção israelense por medo de serem presos por adversários sunitas na capital síria, explicou o representante druso. Essa mesma fonte afirmou à AFP que a presença de soldados israelenses seria limitada à província de Quneitra, onde estabeleceram posições após a queda de Assad no ano passado.
A vila de Hadar fica na zona teoricamente desmilitarizada a leste da linha de cessar-fogo estabelecida em 1973 entre a Síria e Israel, nas Colinas de Golã sírias, ocupadas por Israel desde 1967 e anexadas em 1981.
Israel busca fragmentar a Síria, diz especialista
Em entrevista à repóter Anne Bernas, da RFI, o geógrafo e especialista em países árabes Fabrice Balanche, professor da Universidade Lyon 2, avalia que Israel "sabe muito bem" quem é Al Sharaa. "O governo israelense não tem ilusões sobre sua linha ideológica e o que ele quer fazer na Síria, incluindo estabelecer uma República Islâmica Sunita e recuperar as Colinas de Golã", afirma o professor.
A estratégia israelense, segundo o geógrafo, consiste em evitar o cenário de uma República Islâmica na Síria. Para isso, continua Balanche, "o governo israelense busca promover um sistema alternativo federal, no qual as minorias sírias teriam territórios autônomos onde poderiam se proteger e preservar suas especificidades", mas também qualquer outra população sunita que não aderisse ao modelo proposto pela Al Sharaa. "O objetivo de Israel é fragmentar a Síria para que não haja um estado islâmico forte" na vizinhança, afirma o professor da Universidade de Lyon 2.
Ele também considera que o presidente sírio "tem controle total" sobre a onda de violência sectária que está acontecendo no país. "Al Sharaa tinha a intenção de integrar as milícias que derrubaram Assad em um exército regular, mas para isso seria necessário dar a elas novas fontes de renda e, por enquanto, ele não tem nenhuma", explica. "Esse 'exército', ainda muito desorganizado, permite o massacre dos alauítas de um lado, dos drusos do outro e, em breve, dos curdos, sem necessariamente assumir a responsabilidade", aponta.
O francês destaca que um exército oficial pode não ser desejável para o novo presidente sírio. "É melhor ter esses grupos que ele pode usar à vontade contra seus inimigos sem assumir a responsabilidade, mesmo que isso signifique ser capaz de sacrificá-los no dia em que for chamado a prestar contas. Al Sharaa é um homem pragmático", diz o especialista em países árabes.