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Aplicativos LGBTQ+ desaparecem na China e deixam comunidade homossexual sem espaço digital

A mensagem é seca, quase burocrática: "Temporariamente indisponível para download". Foi assim que milhões de chineses descobriram que os aplicativos Blued e Finka, muito mais do que simples plataformas de encontros, haviam sumido das lojas virtuais.

30 nov 2025 - 06h18
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Cléa Broadhurst, correspodente da RFI em Pequim

Participante da Pride Run em Shangai, China, leva uma bandeira arco-íris, em 17 de junho de 1917.
Participante da Pride Run em Shangai, China, leva uma bandeira arco-íris, em 17 de junho de 1917.
Foto: AFP - STR / RFI

"Fiquei muito chocado", conta Yue, homossexual que vive em Pequim. "Aqui já é difícil encontrar amigos que se pareçam com você. A maioria das pessoas a gente conhece por meio desses aplicativos. Agora, se eu quiser conhecer novas pessoas… não consigo."

Em um país onde bares queer fecham, os espaços públicos se reduzem e a cultura se padroniza, Blued e Finka funcionavam como um verdadeiro tecido social. Seu desaparecimento, portanto, não é apenas tecnológico: é cultural.

Blued e Finka não eram os únicos aplicativos LGBTQ+ da China, mas eram os principais. Sem eles, abre-se um vazio imediato. "Existem outros, claro", diz Yue. "Mas nenhum é referência. Muitos estão migrando para Xiaohongshu ou para aplicativos obscuros."

O sentimento predominante não é pânico, mas cansaço. Usuários já se acostumaram a mudanças súbitas: contas do WeChat apagadas, hashtags que desaparecem sem explicação. Desta vez, porém, é toda uma rede de relações que se desfaz.

Nos relatos, um tema recorrente é o do apagamento cultural. "Antes ainda havia filmes e séries LGBTQ+ que falavam realmente de homossexualidade. Agora, tenho a impressão de que não existem mais."

Esse recuo se inscreve em um movimento mais amplo. A censura já não passa apenas por cortes, mas também pela reescrita das imagens. Em um filme australiano lançado recentemente na China, um dos personagens de um casal homossexual foi modificado por inteligência artificial para se tornar heterossexual.

Dos aplicativos às telas, o espaço queer se contrai

Para Stevie, usuário assíduo, há uma intenção deliberada de atingir diretamente os aplicativos. "Não acho que seja contra a comunidade. Acho que é contra os aplicativos", afirma.

Ele não soube do desaparecimento por rumores, mas viu com os próprios olhos: "Eu estava trocando de número de telefone e queria desvinculá-lo do app. Quando procurei, estava escrito: temporariamente indisponível."

Ao contrário de outros, não ficou surpreso. "Esses aplicativos estão ligados a um tema sensível. Pode acontecer a qualquer momento."

Ele aponta duas razões: a multiplicação de golpes e o desvio do Blued para usos quase exclusivamente sexuais, em contradição com sua apresentação oficial como aplicativo social.

Na sua análise, o alvo não constitui um "sinal político massivo", mas uma decisão técnica justificada pela ambivalência dos usos. Embora reconheça que essa interpretação talvez seja indulgente demais.

"Nada a ver com natalidade"

Stevie observa que os aplicativos voltados para lésbicas, como o Rela, não foram afetados. Muitos usuários veem nisso uma ação direcionada. Não anti-LGBTQ+ em bloco, mas contra homens gays, percebidos como mais visíveis, mais sexualizados, mais suscetíveis de atrair a atenção dos reguladores.

Nas redes sociais, as reações oscilam entre sarcasmo e desilusão. "O ambiente está ficando cada vez mais conservador. O que eles querem é que você beba chá de ervas, vire heterossexual e tenha três filhos."

Um comentário resume o clima: "Mesmo que seja apenas um aplicativo de encontros sexuais, por que o app hétero não foi apagado? O espaço vital das minorias se estreita ainda mais."

Entre outros comentários, surge uma teoria: "O desaparecimento visaria encorajar os gays a voltarem para o 'caminho certo' e terem filhos."

O argumento demográfico é uma lógica frágil que muitos rejeitam. Stevie, como outros, acha absurdo: "Com ou sem aplicativo, as pessoas não vão se 'converter'. Isso não tem nada a ver com natalidade. Quem vai casar, vai casar; quem não vai casar, não vai casar."

Migração forçada para círculos privados

Stevie nota uma mudança sutil, mas real, em relação a cinco anos atrás. "Na época, a comunidade era muito mais visível nas redes. Hoje, as contas muito expostas desaparecem uma a uma."

Ainda assim, ele percebe uma forma de tolerância pragmática: "Ainda se pode escrever 'gay' ou 'homossexual' online. Há até casais que compartilham seu cotidiano. Desde que você não vá longe demais, passa. É um funcionamento de um olho aberto, um olho fechado."

A exclusão de Blued e Finka marca um novo limite: a do espaço digital. É uma forma de migração forçada para círculos privados. A comunidade se reorganiza em grupos WeChat criptografados, escreve hashtags codificados no Xiaohongshu, migra para pequenos aplicativos não certificados ou se encontra em festas fechadas.

Ambiguidade persistente do Estado chinês

Para muitos usuários, o futuro é uma incerteza. "É por ondas: tem altas e baixas. Com o desaparecimento dos dois aplicativos, estamos claramente num vale", resume um deles. "Dez anos atrás, até nas universidades havia contas públicas LGBTQ+. Todas desapareceram, não há nada de novo."

Na China, as políticas culturais avançam muitas vezes aos solavancos - fases de relaxamento seguidas de pressões súbitas. Para a comunidade LGBTQ+, aprender a navegar nessa oscilação permanente virou uma técnica de sobrevivência, quase uma segunda natureza.

O desaparecimento de dois aplicativos revela uma realidade muito mais ampla. A retirada de Blued e Finka é aparentemente apenas uma decisão técnica. Mas expõe, em profundidade, a contração contínua do espaço público, uma normalização cultural cada vez mais intensa e a fragilidade estrutural das sociabilidades LGBTQ+, além da ambiguidade persistente do Estado: nem reconhecimento formal, nem repressão assumida. Na China, a vida digital das minorias sexuais muitas vezes pende por um fio - um fio tênue, que pode se romper ou se reatar de um dia para o outro.

RFI A RFI é uma rádio francesa e agência de notícias que transmite para o mundo todo em francês e em outros 15 idiomas.
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