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América Latina

Videla e as frases que revelaram suas obscuras convicções

17 mai 2013 - 16h28
(atualizado às 16h37)
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Jorge Videla estava preso em Buenos Aires
Jorge Videla estava preso em Buenos Aires
Foto: Reuters

"Não estão nem mortos nem vivos, estão desaparecidos" - esta frase do ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla, que morreu nesta sexta-feira aos 87 anos, reflete cabalmente as obscuras convicções que lhe transformaram em um dos principais ideólogos e executores da mais sangrenta ditadura argentina.

Foi dita em 1979, quando, como presidente de fato, deu uma entrevista coletiva na qual um jornalista lhe perguntou sobre uma menção que o papa João Paulo II tinha feito sobre o desaparecimento de pessoas.

"Se o homem aparecesse teria um tratamento X, se a aparição se transformasse em certeza de seu falecimento teria um tratamento Z, mas enquanto for desaparecido não pode ter um tratamento especial: é um desaparecido, não tem entidade, não está nem morto nem vivo, está desaparecido. Diante disso não podemos fazer nada", afirmou sem pestanejar.

Por esses que "não estão", cerca de 30 mil, segundo organismos de direitos humanos, Videla seria processado, submetido a julgamento e condenado à reclusão perpétua, mas não se arrependeu nunca e inclusive reivindicou a ação do regime militar.

"Não, não se podia fuzilar. Ponhamos um número, ponhamos cinco mil. A sociedade argentina não teria suportado os fuzilamentos. (...) Não havia outra maneira. Todos estivemos de acordo com isto. E quem não estava de acordo se foi. Informar onde estão os restos? O que podemos dizer? O mar, o rio de La Plata...", disse em 1998.

Revelou que então chegou a pensar em divulgar as listas dos desaparecidos pela ditadura, mas que depois pensou que, se fossem dados como mortos, "em seguida viriam as pergunta que não podiam responder: quem matou, onde, como".

Em 2011, em entrevista, disse que o objetivo do regime militar "era disciplinar uma sociedade anarquizada; com relação ao peronismo, sair de uma visão populista, demagógica; com relação à economia, ir a uma economia de mercado, liberal; queríamos também disciplinar o sindicalismo e o capitalismo prebendário".

Sua "cruzada" contra os insurgentes ia além da guerrilha para cujo extermínio justificou o golpe de Estado. Assim, declarou certa vez que "um terrorista não é só alguém com um revólver ou uma bomba, mas também aquele que propaga ideias contrárias à civilização ocidental e cristã".

Condenado a 50 anos de prisão pelo roubo de bebês de mulheres sequestradas pelo regime, chegou a afirmar perante um tribunal que "as parturientes eram militantes ativas da maquinaria do terror" e inclusive sustentou que "muitas usaram seus filhos como escudos humanos".

Nos julgamentos, garantiu ser um "preso político". Videla afirmou em 2012 que o atual governo de Cristina Kirchner e antes o de seu marido, Néstor Kirchner, não buscavam justiça, mas vingança, com seu estímulo aos julgamentos dos militares envolvidos na ditadura.

"São todos julgamentos políticos, como parte dessa vingança, dessa revanche, como parte desse castigo coletivo com que se quer punir todas as Forças Armadas", assinalou Videla em uma entrevista à revista espanhola "Cambio 16".

Em declarações publicadas por essa mesma revista no último mês de março, o ex-presidente de fato convocou os militares a pegar em armas.

"Quero recordar a meus camaradas, principalmente aos mais jovens, que hoje têm idades entre 58 e 68 anos, que ainda estão em aptidão física de combater; que, caso continue este injusto encarceramento e denotação dos valores básicos, façam valer o dever de armar-se novamente em defesa das instituições básicas da República", afirmou.

Segundo Videla, as instituições estão "hoje avassaladas por este regime kirchnerista liderado pela presidente Cristina e seus seguidores, que, crescendo com o sangue dos outrora mal chamados jovens idealistas, continuam afundando a pátria no abismo anacrônico do marxismo".

Suas palavras, quando este ano se completarão três décadas de retorno à vida democrática na Argentina, causaram um repúdio generalizado na sociedade.

"Deus sabe o que faz, por que faz e para que faz. Eu aceito a vontade de Deus. Acho que Deus nunca soltou minha mão", comentou há dois anos o ex-ditador, que morreu sem pronunciar, pelo menos publicamente, palavras de arrependimento.

EFE   
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