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América Latina

Venezuelanos peregrinam para comprar produtos básicos

As longas filas em supermercados públicos e privados têm se transformado em cena comum no país latino-americano, onde o desabastecimento chega a 30%; até o governo terá de limitar vendas de bens de consumo

30 abr 2014 - 12h12
(atualizado em 15/5/2014 às 12h34)
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<p>Congelador&nbsp;do mercado p&uacute;blico de Las Mercedes&nbsp;estava vazio na tarde de s&aacute;bado&nbsp;</p>
Congelador do mercado público de Las Mercedes estava vazio na tarde de sábado 
Foto: David González / Especial para Terra

A caixa pega um ticket da máquina registradora e entrega ao cliente. Mas a vendedora não sorri e diz “muito obrigada por sua compra” como ocorre em outros lugares do mundo.

Ela faz, no entanto, uma revisão nos artigos comprados e informa sobre as restrições vigentes: o cliente terá de esperar cinco dias antes de poder adquirir outros oito rolos de papel higiênico, duas garrafas de óleo de soja e outros quatro quilos de farinha de milho – ingrediente indispensável para a “arepa”, prato nacional típico – presencio isto no Abasto Bicentenário (empresa pública que  permite a distribuição equitativa dos alimentos e bens essenciais a preços mais acessíveis).

Um idoso esperou uma hora e meia numa fila enorme para conseguir pagar. Entre os produtos que conseguiu levar (pois não foram todos), faltava leite, açúcar, café, frango entre outros. Ele ainda teve sorte de conseguir comprar a fatinha e uns pedaços de carne.

<p>Poucos peda&ccedil;os de carne restaravam&nbsp;nas prateleiras do mercado p&uacute;blico em Mercedes, Caracas</p>
Poucos pedaços de carne restaravam nas prateleiras do mercado público em Mercedes, Caracas
Foto: David González / Especial para Terra

Já cedo a fila de compradores vira a esquina e os madrugadores poderão levar a sua parte  preciosa do inventário.

O homem foi embora reclamando sobre sua frustração com as compras em meio a soldados da Milícia Bolivariana que guardam no estabelecimento em Mercedes, Caracas. “É exaustivo. Em nenhum lugar você consegue tudo o que necessita”, conta ele que prefere  não revelar seu nome. “Lá dentro, eles checam sua carteira de identidade para atualizar os produtos que você já comprou”.

País desabastecido

Cenas como esta já fazem parte do cotidiano do país latino-americano onde existe um índice de desabastecimento de 30%, de acordo com dados do Banco Central da Venezuela, o que implica na falta de 3 em cada 10 produtos que os consumidores procuram no mercado da Venezuela. Há áreas em que a falta é superior a 90%, conforme calculado pelo funcionário do órgão oficial.

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Prateleiras do supermercado "Automercados Luvebras", em Castellana, em 17 de março
Foto: David González / Especial para Terra

A lista inclui produtos como óleo de girassol e milho, farinha de trigo e alguns já mencionados: leite, café, açúcar. O papel higiênico e outros produtos de higiene como barbeadores e shampoos se ausentam da mesma forma das prateleiras. 

A vida diária dos milhões de consumidores venezuelanos teve de mudar por causa da grave situação no país desde o último trimestre do ano passado: os cidadãos criaram redes entre amigos e familiares para trocar informações dos locais que receberam mercadorias mais procuradas; eles também despacham as ecomendas para parentes e conhecidos em outras cidades (que a situação pode estar ainda pior).

Outro fato novo no cotidiano destas pessoas é que elas precisam sair do trabalho para poder adquirir produtos de maior necessidade, passando madrugadas inteiras nas portas dos estabelecimentos onde sabem que podem encontrar produtos básicos que precisam.

Vivemos em uma permanente peregrinação para comprar”, queixa-se María Delgado, moradora da cidade de San Critóbal, capital de Táchira, Estado na fronteira com a Colômbia, onde as carências têm aprofundado a necessidade de aplicação de restrições para evitar o contrabando, especialmente de produtos com preços regulados pelo governo.

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Espera constante

Em lugares como o Centro Comercial Bicentenário da zona de aluguel da Praça Venezuela, em Caracas, as filas de consumidores se extendem por várias ruas fora da Instalação governamental. Os vendedores ambulantes de guarda-sol e cadeira têm seus clientes assegurados.

<p>Pessoas fazem fila fora do Shopping Zona Rental Plaza Venezuela, enquanto esperam que as portas se abram. A cena j&aacute;&nbsp;se tornou&nbsp;comum e as filas chegam a tomar v&aacute;rias ruas</p>
Pessoas fazem fila fora do Shopping Zona Rental Plaza Venezuela, enquanto esperam que as portas se abram. A cena já se tornou comum e as filas chegam a tomar várias ruas
Foto: David González / Especial para Terra

“Não há outra opção que não seja esperar. Geralmente aqui está bem cheio e rendendo mais dinheiro graças ao governo”, disse um homem que se identificou como Jesús López.

Filas semelhantes podem ser vistas em outras cadeias de supermercados privados, públicos ou nas feiras a céu aberto como aconteceu no último sábado, a duas ruas do Ministério da Alimentação. Esse mercado de rua vendeu 10 toneladas de carne. Foram necessários 15 militares e policiais armados com fusis e pistolas para fazer a segurança a praça onde havia previsão de desordem.

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Manifestantes se fantasiam de produtos em falta na Venezuela e participam de protestos da oposição desde o dia 12 de fevereiro. Na imagem, as marcas de identificação de farinha de milho, açúcar e leite
Foto: David González / Especial para Terra

O desabastecimento foi um dos motivos que atiçou a participação de muitos cidadãos nos protestos contra o presidente Nicolás Maduro que acontecem no país a mais de dois meses – quem classificou os movimentos como tentativa de golpe de Estado – e já deixaram mais de 40 mortos.

Muitos venezuelanos chegaram a se fantasiar como se fossem os produtos em falta. Cartazes anunciavam “se busca”.

O problema, em alguns casos, resultou em brigas entre os clientes e os caixas; outras vezes, terminaram com as tentativas de desordem que foram gravadas por vídeos que circulam nas redes sociais.

Restrições: entre a raiva e a resignação

María Delgado afirma que, pela regra geral, a venda de desodorantes em sua cidade de limita a dois por pessoa. Limitações como esta são comumente aplicadas por redes privadas de mercado pela falta de inventário e o próprio governo tem adotado uma política pública de restrição para todas os estabelecimentos desde março. A fórmula foi batizada como “Sistema de Abastecimento Seguro”. 

<p>Uma fila de compradores espera do lado de foram de uma loja pública à espera da entrega de mercadorias que poderia acontecer na terça-feira à noite</p>
Uma fila de compradores espera do lado de foram de uma loja pública à espera da entrega de mercadorias que poderia acontecer na terça-feira à noite
Foto: David González / Especial para Terra

A princípio, se fez o anúncio e a criação de uma tarjeta eletrônica para implementá-lo, o que despertou a crítica de pessoas que alertaram sobre uma versão do século XXI das boletas de racionamento cubanas. Agora, a medida é realizada apenas com um controle automático aplicado nas caixas das lojas e da base de dados digital com impressões digitais dos compradores como uma maneira de evitar desvios de controle.

Maduro insiste que a situação foi provocada por uma “guerra econômica” aplicada por aqueles que desejam derrotá-lo e reverter os resultados alcançados por políticas sociais contra a exclusão e a desigualdade.

O presidente e seus porta-vozes atribuem o desabastecimento à especulação, à acumulação e ao contrabando – e o que falta pode ser encontrado em mãos de vendedores ambulantes e, para muitos, isto confirma a alegação do governo.

Nicolás Maduro tem dito repetidamente que a "ofensiva econômica", traduzido pelo controle operacional que já levou à prisão alguns comerciantes, é a chave para superar a crise com sucesso. Desde o mês passado também foram instaladas as conferências econômicas de paz com empresários para se buscar soluções.

No entanto, os críticos do governo argumentam que as prateleiras estão vazias por causa da expressão das políticas econômicas fracassadas da chamada “Revolução bolivariana”, que começou com o expresidente Hugo Chávez há 15 anos. A regulação dos preços dos rubros. A regulação dos preços dos itens básicos, o controle que impede o livre acesso a divisas, a expropriação de unidades de produção particulares, as exigências excessivas para os empresários e a corrupção da burocracia estatal são citados como as principais causas da situação.

Analistas como Luis Vicente León, diretor da empresa Datanálisis, insiste que é necessário uma retificação do fundo para dar início a uma nova economia que “entrou em colapso” em 2013 com uma inflação de 56%, a mais alta do mundo. Enquanto isso, as filas de compradores foram inseridos na paisagem e os venezuelanos estão divididos entre a raiva e a resignação.

Fonte: Especial para Terra
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