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América Latina

'Assange chegou a sujar paredes da embaixada com as próprias fezes', diz presidente do Equador

Em entrevista à BBC News, Lenín Moreno afirma ter 'quase todas as evidências' de que Julian Assange e o ex-presidente equatoriano Rafael Correa tentaram desestabilizar seu governo; Moreno falou sobre o caso do fundador do WikiLeaks preso depois de passar sete anos na Embaixada do Equador em Londres.

17 abr 2019 - 12h22
(atualizado às 13h27)
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Lenín Moreno falou à BBC News sobre o que Julian Assange fez durante o tempo que passou na embaixada do Equador em Londres
Lenín Moreno falou à BBC News sobre o que Julian Assange fez durante o tempo que passou na embaixada do Equador em Londres
Foto: BBC News Brasil

O presidente do Equador, Lenín Moreno, surpreendeu o mundo ao revogar o asilo concedido ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange. A decisão de Moreno levou à prisão de Assange, que passou sete anos na embaixada equatoriana em Londres na tentativa de evitar sua extradição para a Suécia, onde é acusado de assédio sexual.

Por trás da decisão, tudo indica estar uma disputa política. Moreno acredita ter ganho dois inimigos de peso desde que assumiu o comando do Equador: Assange e seu antecessor na presidência, Rafael Correa.

Para o presidente, Assange e Correa agiram de forma coordenada para atacá-lo. Ambos enfrentam processos criminais.

Assange tem um pedido de extradição também para os Estados Unidos, que o acusa de conspiração e de hackear computadores do governo para promover vazamento em massa de informações sigilosas.

O ex-presidente equatoriano, por sua vez, tem um mandado de prisão contra si por suposta participação no sequestro de um opositor, em 2012. Correa, que buscou refúgio na Bélgica, acusa as atuais autoridades do seu país de perseguição política.

Em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o presidente equatoriano afirma que Assange "praticamente transformou a embaixada em um centro de espionagem internacional e terrorismo informático". Segundo Moreno, o fundador do WikiLeaks quebrou as regras de convivência e chegou ao ponto de sujar as paredes da representação diplomática com as próprias fezes.

Leia os principais trechos da entrevista, concedida em Washington (EUA).

BBC News Mundo - Em que momento o senhor decidiu retirar o asilo diplomático a Julian Assange?

Lenín Moreno - É algo que foi acumulando. Nós temos manifestado, desde o primeiro momento do nosso governo, o desejo de sermos tolerantes e respeitosos em relação à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. E assim temos feito. Tanto que descartamos a lei da mordaça, fazendo profundas reformas e permitindo que realmente haja liberdade de expressão.

Muitas coisas foram se acumulando. Recordemos que o senhor Julian Assange violou todas as convenções, a de Havana, Caracas, Viena. E o comportamento dele, agredindo guardas, agressões verbais e físicas contra funcionários da embaixada... Além disso, também dava subsídios para sua organização, o WikiLeaks, violar algo tão elementar como não é intervir na política de outros países.

BBC News Mundo - Ao anunciar sua decisão, o senhor disse que o WikiLeaks ameaçou o governo do Equador. Pode explicar como?

Moreno - Sim, claro. Inclusive, está gravado. Ameaçou o governo, as pessoas da embaixada, o país. E as consequências das ameaças são 40 milhões de ataques cibernéticos que estão vindo do Brasil, Áustria, Canadá, Estados Unidos e mesmo do Equador contra nossa chancelaria, sistemas internos, bancos privados etc. Esse é o tipo de comportamento deles. Não é jornalismo de forma alguma, é terrorismo cibernético.

BBC News Mundo - Há quem diga que o senhor retirou o asilo de Assange depois que foram publicadas fotos de sua vida privada e depois que o WikiLeaks publicou informação de que o irmão do senhor tem uma empresa offshore. Foi isso mesmo?

Moreno - Qualquer equatoriano que não esteja no governo pode ter uma empresa offshore. Demostrei com declarações e documentos que essa empresa nunca foi minha, que não tenho uma relação com ela.

No que diz respeito à região onde eu supostamente passei férias, também verificamos com declarações das mesmas pessoas que vivem nos apartamentos que este não é um apartamento de luxo, que eu não o conheço, que eu nunca estive lá e, claro, com o respectivo documento, que não me pertence.

Presidente equatoriano diz que Julian Assange era agressivo e tinha comportamento inadequado na embaixada
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Foto: PA / BBC News Brasil

BBC News Mundo - O senhor acredita que Assange está por trás desse vazamento?

Moreno - Ah não, não é necessariamente por isso que retiramos o asilo. É porque várias experiências negativas estavam se acumulando, incluindo a ameaça que ele fez contra o Equador e o mundo, dizendo que ele iria ativar "células" no momento em que o direito de asilo fosse tirado dele.

BBC News Mundo - O senhor acusa o presidente Rafael Correa de estar por trás da divulgação de algumas das denúncias contra o senhor. Acredita que Correa agiu, em algum momento, de forma coordenada com Assange?

Moreno - Não tenho nenhuma dúvida. É o comportamento típico do ex-presidente Correa, de formar teias para tentar enredar as pessoas, para tentar desacreditá-las. Ele fazia isso todos os sábados, nas entrevistas.

Não só isso. Agora ele proclama a liberdade de expressão, mas devemos nos lembrar de que ele prendeu jornalistas, perseguiu jornalistas, processou a mídia pedindo somas extremamente grandes. E, claro, sua justiça servil e obsequiosa resultou em julgamentos favoráveis a ele.

BBC News Mundo - Mas o que o senhor sabe em relação à ação coordenada entre Assange e Correa para desestabilizar o governo?

Moreno - Temos quase todas as provas. Neste momento existem três hackers no Equador que estão sendo investigados. Um deles está preso preventivamente. Temos todas as memórias (dos computadores) que estão sendo analisadas para estabelecer as ligações desse hacker.

É importante ressaltar que uma pessoa-chave da política de Correa é [o ex-chanceler] Ricardo Patiño, que viajou com este hacker para vários lugares do mundo, às vezes no mesmo avião, às vezes nos mesmos assentos com um dia de diferença, talvez para disfarçar um pouco. Ou seja, eles estão ligados e vamos descobrir e, claro, vamos mostrar à mídia.

Assange foi levado a um centro de detenção em Londres
Assange foi levado a um centro de detenção em Londres
Foto: Reuters / BBC News Brasil

BBC News Mundo - O senhor também disse que pediu e conseguiu do governo britânico a garantia de que Assange nao será entregue a um país onde possa enfrentar a pena de morte ou tortura. Buscou alguma garantia específica de que ele não vai ser extraditado aos EUA?

Moreno - Bom, esse é o compromisso do governo britânico. Respeitamos os direitos humanos, o direito à vida e à integridade das pessoas. Pedimos isso três vezes ao governo britânico e ele nos respondeu com cartas também sobre o fato de que sob nenhuma circunstância ele seria extraditado para qualquer país onde ele possa ser torturado ou sofrer a pena de morte.

BBC News Mundo - Os EUA já apresentaram uma acusação contra Assange por participar de uma conspiração para hackear computadores do governo. Como o Equador reagirá se ele for extraditado para os EUA?

Moreno - Não era aos EUA que tínhamos de perguntar. Tínhamos de perguntar ao local onde está a Embaixada do Equador, que é o Reino Unido. Devíamos consultá-los para saber se iam ou não extraditá-lo nessas circunstâncias (para um país com pena de morte ou tortura). O que outros países fazem já é uma questão de cada um.

BBC News Mundo - Mas descarta (a possibilidade) e não quer que Assange seja extraditado aos Estados Unidos…

Moreno - Esse é o compromisso que obtivemos do Reino Unido e esperamos que ele o cumpra.

BBC News Mundo - O senhor diz que foi uma decisão soberana do Equador. Mas, discutiu esses termos com o governo britânico, também lidou com as autoridades americanas. Por exemplo, com o vice-presidente Mike Pence, como a Casa Branca confirmou no ano passado. Como foram essas conversas?

Moreno - Muito afiadas. Na época em que o vice-presidente Pence levantou a questão, eu disse a ele que essa era uma decisão soberana do Equador.

Lenín Moreno falou com a BBC News em Washington
Lenín Moreno falou com a BBC News em Washington
Foto: BBC News Brasil

BBC News Mundo - O que ele pleiteou especificamente?

Moreno - Ele disse o que achava sobre o tema. E eu disse a ele que essa era uma decisão soberana, que iríamos conversar, é claro, com a assessoria jurídica dele, com o reino britânico. E com o senhor Assange, claro.

BBC News Mundo - O que o senhor diz àqueles que pensam que, com a prisão de Assange, perde a liberdade de expressão em todo o mundo?

Moreno - Acredito que, mesmo se a liberdade de expressão é algo dirigido, puramente ideológico, controle remoto para dizer algo de alguma forma, acho não se perde a liberdade de expressão. A liberdade de expressão deve ser ampla.

BBC News Mundo - O argumento é que, se Assange realmente for julgado e condenado por hackear um computador do governo dos EUA e disseminar informações consideradas secretas, isso pode ser usado por outros países para tomar decisões contra a mídia.

Moreno - Eu realmente não penso assim. Não é com os Estados Unidos com quem conversamos.

Para Moreno, Assange e o ex-presidente Rafael Correa agiam de forma coordenada
Para Moreno, Assange e o ex-presidente Rafael Correa agiam de forma coordenada
Foto: Reuters / BBC News Brasil

BBC News Mundo - O senhor fez referência ao comportamento de Assange, atitudes agressivas com o pessoal da embaixada e agressões aos guardas. Você pode dar alguns exemplos concretos?

Moreno - Sim, nós temos a evidência disso. Algo que nos preocupa muito mais é a pouca importância que ele deu aos protocolos que assinamos. E é uma pena dizer isso, nesse momento, mas ele inclusive manchou as paredes da embaixada com fezes. Jogava futebol enquanto havia pessoas esperando [nas salas]. Ele andava de skate em trajes sumários. Você já pode imaginar como somos tolerantes.

Mas isso chegou ao seu limite e é por isso que revogamos aquele asilo, [uma decisão] que também tem 80% de aprovação dos equatorianos, porque eles sabiam sobre todas as violações de Assange aos protocolos que foram assinados.

BBC News Mundo - O senhor também disse que Assange tentou usar a Embaixada do Equador em Londres como um "centro de espionagem" e tentou intervir em questões dos Estados Unidos, do Vaticano e da Catalunha. Como ele poderia fazer isso quando estava trancado?

Moreno - Porque ele foi protegido pelo governo anterior, por autoridades do governo anterior. Ele praticamente transformou a embaixada em um centro de espionagem internacional e terrorismo cibernético. Isso não é jornalismo. O que você [repórter] faz é jornalismo, a rede à qual você pertence é jornalismo.

BBC News Mundo - Acredita que Assange fez isso por conta própria para se beneficiar ou por ordens de outros?

Moreno - O senhor Assange, de acordo com o que sabemos, é uma pessoa muito rica, cuja organização possui muitos recursos. E agora vemos como ele os recebe.

EUA diz que Assange atacou computador do governo americano e vazou dados protegidos por sigilo
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Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC News Mundo - Sobre Rafael Correa, a Interpol recusou um pedido do Equador para prender e extraditar o ex-presidente com o suposto envolvimento com o sequestro de um opositor. Vai fazer algo mais para tentar prender Correa?

Moreno - Fizemos o pedido à Interpol, que é uma organização independente. Mas, no Equador, agora que há uma justiça autônoma e independente, determinou a ordem de prisão contra o senhor Correa, que deveria estar lá para a quantidade de males, danos, ferimentos que ele causou à dignidade dos equatorianos e a toda a sua economia.

BBC News Mundo - Isso quer dizer que se Correa voltar ao Equador...

Moreno - Vai para a prisão, onde ele já deveria estar.

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