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Nelson Mandela

Mundo precisa ser digno da herança e da lição de Mandela, diz biógrafo

Para Jean Guiloineau, principal de legado do líder sul-africano é a ideia de que "o diálogo é necessário para conseguir a reconciliação"

6 dez 2013 - 14h31
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<p>Nelson Mandela (à direita) e o segundo ex-vice-presidente sul-africano F.W. De Klerk (centro) acenam para uma multidão após a posse presidencial, em maio de 1994</p>
Nelson Mandela (à direita) e o segundo ex-vice-presidente sul-africano F.W. De Klerk (centro) acenam para uma multidão após a posse presidencial, em maio de 1994
Foto: Juda Ngwenya / Reuters

Jean Guiloineau lembra muito bem onde estava em 11 de fevereiro de 1990. Naquele dia, instalado no sofá de sua casa, em Paris, o escritor via, ao vivo pela TV e pela primeira vez em 27 anos, o rosto de Nelson Mandela. “Até então, ele era um mito. Mas, naquele momento, voltou a ser o homem de carne e osso”, lembra esse francês que dedicou vários anos de sua vida para escrever uma biografia sobre o ex-presidente sul-africano ("Nelson Mandela", Éditions Payot y Rivages).

Em Paris, onde mora até hoje, Guiloineau falou ao Terra sobre o legado, a vida e a construção do mito Nelson Mandela.

Terra - Qual é o legado de Nelson Mandela?

Jean Guiloineau - A ideia de que, mesmo com as dificuldades que existem, o diálogo é necessário para conseguir a reconciliação. Um dia, durante uma rodada de negociações, Mandela disse ao chefe do Estado Maior Sul-Africano: “Vocês têm as forças militar e material, e nós não poderemos jamais vencê-los. Mas, atrás de mim, existem 30 milhões de famintos. E isso, vocês também não poderão jamais vencer. Então, é melhor nós conversarmos”. Mandela foi o homem que, com uma convicção absoluta, durante quatro anos de negociação, conseguiu obter uma saída de alto nível para seu país, ou seja, pela via democrática. Os brancos temiam que o fim do apartheid levasse a uma onda de vingança, uma guerra civil sem fim que destruiria o país. Mas isso não aconteceu. À vingança, Mandela preferiu a reconciliação. Essa é a obra de Mandela: ter conseguido retirar seu país de um impasse trágico.

Terra - Em 64, pouco antes de ser encarcerado por 27 anos, Mandela afirmou que daria a própria vida por uma sociedade democrática e igualitária na África do Sul. Ele alcançou seu objetivo?

Guiloineau - Em 1999, Mandela deixou o poder, mesmo sabendo que poderia ser reeleito até o fim de seus dias, sem nenhum problema. Ele não fez o que fez apenas para chegar ao poder, mas para tornar a África do Sul uma sociedade democrática. É claro que ainda existe desigualdade social. Três séculos de colonização e 50 anos de apartheid  não podem ser resolvidos em dez ou quinze anos. Mas é preciso continuar esse esforço, para que todos possam ter uma vida correta, uma oportunidade de prosperar e o sistema não seja feito para esmagar os outros.

Terra - Já que o senhor falou sobre “esmagar os outros”, qual foi o momento mais difícil do período de Mandela como prisioneiro?

Guiloineau - Sem dúvida entre 1964 e 1978, em Robben Island, quando ele realizou trabalhos forçados em uma pedreira de calcário, extraindo cal. O branco da pedra refletia a luz do sol e queimava seus olhos, causando desgastes na visão. Foi nessa época que ele e seus companheiros brigaram para conseguir óculos escuros. Além disso, o pó da pedra causou-lhe problemas pulmonares que o acompanharam até o fim de sua vida.

<p>Nelson Mandela sorri para fotógrafos em sua casa em Johanesburgo, na África do Sul, em setembro de 2005</p>
Nelson Mandela sorri para fotógrafos em sua casa em Johanesburgo, na África do Sul, em setembro de 2005
Foto: Mike Hutchings / Reuters

Terra - Como foi a vida de Mandela após afastar-se da vida política, no começo dos anos 2000?

Guiloineau - Logo no início, ele dedicou muito tempo à sua família, já que havia sido privado disso durante os 27 anos em que esteve preso. Ele reencontrou seus filhos, seus netos. Também criou uma fundação e viajou muito pelo mundo, tanto para levar a boa palavra como para mostrar que Mandela não era apenas um mito, um personagem que tinha chegado ao poder, mas alguém que se entregou a uma causa. Sabe, quem nasceu depois do apartheid têm 23 anos, hoje em dia. Isso é fantástico! Existe uma nova geração que nasceu em uma África do Sul livre.

Terra - Em que momento de sua vida, Mandela decide engajar-se na política?

Guiloineau - Quando ele chega a Johannesburgo e encontra, em Soweto, Walter Sisulo - que também esteve com Mandela durante todos os seus anos de prisão. Sisulo era mais velho que Mandela e já era engajado politicamente. Foi ele quem ajudou Mandela a tomar partido na política de seu país e também o incentivou a retomar seus estudos de direito, em Johannesburgo. Existem esses dois momentos, o político e o profissional, e a chave dessa passagem é Walter Sisulo.

Terra - E quando ele se torna um mito?

Guiloineau - Algo curioso aconteceu. As autoridades não ousaram condená-lo à forca durante o Julgamento de Rivonia, em 1964, e o colocaram na prisão perpétua. O objetivo era fazer com que Mandela fosse esquecido. Para isso, proibiram qualquer foto sua. Entre 1966 e 1990 não há nenhuma foto de Mandela. Quando ele saiu da prisão, em 1990, ninguém sabia que cara ele tinha. Moral da história: como a luta continuou do lado de fora da prisão, as pessoas não o esqueceram. Ele não tinha mais um rosto, não tinha presença corporal, humana, e tornou-se uma espécie de mito. Curiosamente, essa decisão das autoridades de impedir as fotos, ajudou a criar o mito.

Terra - Como será a África do Sul sem Nelson Mandela?

Guiloineau - Enquanto Mandela esteve vivo, esteve presente, de alguma maneira, como um fiador, uma garantia. O que podemos esperar agora que ele não está mais aqui é que o mundo tenha a preocupação de ser digno dessa herança e dessa lição que ele nos deu.

Fonte: Especial para Terra
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