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A mulher que estudou Jornalismo para buscar o assassino do pai e conseguiu levá-lo à cadeia na Colômbia

Diana López perdeu o pai aos 10 anos e passou a lutar para que o crime não ficasse impune; hoje anda sempre com guarda-costas.

22 abr 2018 - 21h49
(atualizado em 23/4/2018 às 08h22)
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O último dia em que Diana López Zuleta viu seu pai vivo foi na festa de seu aniversário de dez anos.

Naquele 6 de janeiro de 1997, ela estava reunida com seus pais, sua avó, seus irmãos, primos e tios. Havia música, refrigerante, vários bolos diferentes para alimentar a família grande.

Algumas semanas depois, em 22 de fevereiro, Luis López Peralta seria morto com um tiro no pescoço.

A jornalista colombiana Diana López, 31, tinha 10 anos quando o pai foi assassinado
A jornalista colombiana Diana López, 31, tinha 10 anos quando o pai foi assassinado
Foto: BBC News Brasil

O assassinato é um entre os tantos de fundo político e social registrados na história da Colômbia, mas, para Diana, a morte do pai não trouxe apenas dor profunda e sensação de impotência. Também moldou seu futuro - desde a escolha de sua carreira profissional até a necessidade de viver escoltada e usando colete à prova de balas.

Um ciclo que, como esta mulher de 31 anos diz à BBC, começa e termina naquela festa em que comemorava seus dez anos - seu último aniversário feliz.

Entre a escola e o violão

Em sua infância, Diana López viveu com sua mãe e avó materna em La Paz, pequena cidade ao norte da Colômbia.

O pai, Luis López, morava a algumas horas de distância dali, em Barrancas, onde era vereador. E visitava a filha duas ou três vezes por mês.

Em 1997, o político pretendia se tornar prefeito de seu município, desafiando assim o poderoso líder regional Juan Francisco Gómez, conhecido como Kiko.

"Meu pai denunciava a corrupção da administração de Kiko Gómez, que na época era prefeito, e por isso assassinos acabaram com sua vida", diz Diana López.

O pai de Diana era vereador e pretendia se tornar prefeito
O pai de Diana era vereador e pretendia se tornar prefeito
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Até aquele incidente, a infância de Diana era dividida entre a escola, suas aulas de violão e acompanhar sua avó em atividades como fazer compras.

Como era criança, não imaginava os profundos problemas que a população local começava a enfrentar com a chegada do paramilitarismo, mas já sabia quais ruas estava proibida de percorrer.

Ela ouvia falar dos assassinatos que se multiplicaram em sua região e dos confrontos com os guerrilheiros, mas, para ela, os paramilitares eram apenas "pessoas más que matavam outros".

Ela não entendia por quê.

Um telefonema às 10 horas da manhã daquele 22 de fevereiro, com a notícia de que seu pai havia sido baleado, forçou-a a buscar explicações e a encarar a realidade.

'Mataram-no duas vezes'

Luis López não morreu imediatamente depois de ser baleado no pescoço.

Ele foi levado de Barrancas a um hospital de Valledupar, a quase três horas de distância, para que tentassem salvar sua vida com uma traqueostomia.

Acabou morrendo na sala de cirurgia, enquanto Diana, ainda em estado de choque, estava na sala de espera.

"Tudo foi muito rápido, não tive tempo para nada, as pessoas começaram a me abraçar. Eu usava uma blusa laranja e minha mãe teve que me levar a uma loja para me comprar roupas pretas", lembra a jornalista.

López diz que seu pai "foi morto duas vezes" porque não recebeu assistência médica imediata em Barrancas e foi tratado apenas três horas depois de ter sido baleado.

"Agora eu sei, pelas minhas próprias investigações como jornalista, que a hemorragia poderia ter sido interrompida no hospital em Barrancas, mas ele foi transportado no carro do prefeito e não na ambulância municipal. Perdeu grandes quantidades de sangue ao longo do caminho", diz ela, que acredita que a negligência foi intencional.

Luis López Peralta completaria 40 anos três dias depois.

Luis López completaria 40 anos três dias depois de ter sido assassinado
Luis López completaria 40 anos três dias depois de ter sido assassinado
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

O dia seguinte

No velório, "eu não queria ver meu pai no caixão, eu preferia manter a imagem da última vez que o vi", diz ela à BBC.

Diana ficou tão chocada com tudo o que aconteceu que nem conseguiu chorar pelo pai.

"Não se assimila no momento o que está acontecendo. Foi um impacto muito grande para entender que as pessoas são mortas porque buscam justiça. É uma dor que nunca cura, é irreparável."

Ao velório foram muitas pessoas que ela não conhecia, embora ali ela distinguiu uma que, à época, não causava nenhuma suspeita: Kiko Gómez.

O então prefeito foi oferecer suas condolências à família e chegou a chamar o pai de Diana de "companheiro de luta".

A morte do pai não seria o único golpe que Diana receberia naquele fatídico fevereiro de 1997.

Um dia depois do enterro de Luis López, sua avó também morreu depois de um longo período de problemas de saúde.

O prefeito suspeito

No ano do assassinato de Luis López, Juan Francisco Gómez foi reconhecido pelo Congresso colombiano como "o melhor prefeito do país" e recebeu a Ordem Simón Bolívar de Democracia.

Enquanto Diana vivia sua adolescência, a carreira política de Kiko Gómez continuava decolando. Entre 2011 e 2015, ele foi eleito governador de La Guajira.

À época dessa eleição de governador, Diana Lopez já havia escolhido estudar Jornalismo para tentar fazer com que o assassinato de seu pai não ficasse impune.

"Na adolescência, fiquei muito deprimida por causa da ausência dele, sempre quis que a justiça fosse feita", lembra. "Sempre acreditei que a morte do meu pai ficaria impune. Eu não era ninguém, por isso escolhi o Jornalismo como carreira, para me livrar de toda a inquietação que sentia."

Sua família soube por várias fontes que a ordem para matar seu pai havia sido dada por Gómez. Asseguraram que o político disse em uma festa "Eu matei aquele filho de um sapo".

Sapo é uma expressão usada na Colômbia para quem é delator ou informante, algo considerado uma alta traição entre as máfias.

Diana começou a ter desmaios repentinos após o julgamento do assassinato do pai
Diana começou a ter desmaios repentinos após o julgamento do assassinato do pai
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Jornalismo

Depois de concluir a universidade na cidade de Barranquilla, Diana escolheu Bogotá como seu próximo destino para, a partir daí, buscar justiça.

Na capital colombiana, ela conheceu Gonzalo Guillén, outro jornalista interessado em investigar Kiko Gómez. Guillén percorreu La Guajira reunindo informações sobre as centenas de vítimas das máfias da região.

O experiente jornalista, agora aposentado, depois de coletar dezenas de testemunhos e inúmeros documentos, disse à BBC Mundo que escolheu enviar todas as informações ao Ministério Público para embasar uma investigação sobre Gómez, em vez de apenas escrever uma reportagem.

"Encontrei 131 mortes atribuídas a Kiko Gómez na primeira etapa do trabalho com as vítimas e suas famílias. A situação era tão terrível que fiz um relatório e o enviei ao procurador-geral da nação porque novas ameaças continuavam aparecendo", diz Guillén.

Assim, foi aberto um processo judicial contra Gómez, incluindo uma acusação pelo assassinato do pai de Diana López.

Em 12 de outubro de 2013, por instrução do Ministério Público colombiano, Gómez, então governador de La Guajira, foi preso.

Poucos meses depois, por meio de um decreto, o presidente Juan Manuel Santos aceitou a renúncia ao cargo que Kiko Gómez escreveu na prisão La Picota, em Bogotá.

Ameaças

Já com o processo em curso, em 2015, o choro da mãe de Diana não foi suficiente para convencê-la a se afastar do julgamento de Kiko Gómez.

A mãe temia que algo acontecesse com sua filha por ela acusar um político tão poderoso.

De um dia para o outro, o telefone da jovem jornalista começou a receber todo tipo de intimidação, até hoje não identificadas.

Frases como "Eu não sei perder" ou "Eu vou provar que você não brinca comigo" chegaram ao celular dela.

Intimidada e sem o apoio da maioria de sua família, Diana decidiu continuar procurando provas e testemunhas para tentar provar que o ex-governador fora quem ordenou o assassinato de seu pai quase duas décadas antes.

"Eu me intrometi completamente na investigação, ajudei a trazer parentes para testemunhar, também dei meu depoimento e foi assim que tudo começou", lembra.

No entanto, quanto mais ela descobria detalhes sobre o crime, mais difícil era seguir em frente.

"Voltei para o momento em que eles o mataram, senti essa dor novamente", diz ela, visivelmente abalada.

Diana diz que até hoje sofre desmaios repentinos. Ela também teve que fazer terapia para lidar com o episódio mais doloroso de sua vida.

Kiko Gómez, condenado pelo assassinato de Luis López, no velório do vereador
Kiko Gómez, condenado pelo assassinato de Luis López, no velório do vereador
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Culpado

Apesar de tudo isso, na opinião de Gonzalo Guillén, a contribuição de Diana foi decisiva para que Kiko Gómez fosse, por fim, declarado culpado da morte do pai da jornalista.

"Fiquei muito surpreso que, em meio à gigantesca covardia em La Guajira, ela tenha sido tão corajosa", diz Guillén. "Ela descobriu uma série de coisas que os promotores nem sequer viram."

A defesa do ex-governador alegou que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) haviam ordenado a morte do pai de Diana; a guerrilha negou.

Em 27 de junho de 2017, 20 anos e alguns meses após a morte de Luis López, Juan Francisco Gómez foi condenado por um juiz em Bogotá e atualmente cumpre uma sentença de 55 anos por esse e outros dois homicídios.

As sentenças contra o político estão em fase de recursos.

A jornalista precisa levar seu colete à prova de balas para todo lugar que vai
A jornalista precisa levar seu colete à prova de balas para todo lugar que vai
Foto: BBC News Brasil

Colete à prova de balas e escoltas

Diana López recorda que no dia em que soube que Kiko Gómez foi condenado, sentiu uma avalanche de emoções: paz, medo, emoção, alegria...

No momento em que foi informada da sentença, estava em pé na fila para receber atendimento médico.

Entrou então no consultório aos prontos, a ponto de o médico achar que ela estivesse sob dor física muito intensa.

"Corri para o tribunal para verificar a sentença, fiquei chocada", diz.

Depois, celebrou o feito tomando uma taça de vinho no bar de um amigo.

Mas, como vítima, acusadora e jornalista, ela iniciaria a partir dali uma vida muito diferente: seria forçada a estar sempre acompanhada de dois guarda-costas, andar em carro blindado e usar um colete à prova de balas. Ela não tem ideia de quanto tempo ainda vai ter que viver assim, mas sente que o perigo não passou.

"Eu quase nunca saio para viajar ou para lugares onde não posso entrar no meu esquema de segurança."

A jornalista recebe proteção do Estado colombiano e só se locomove em carro blindado
A jornalista recebe proteção do Estado colombiano e só se locomove em carro blindado
Foto: BBC News Brasil

A festa de aniversário

Um dia depois de Gómez ter sido condenado, Diana procurou um médico especialista indicado por seu terapeuta e viveu o que ela chama de momento mais especial de sua vida - algo que ela conta com a voz embargada.

"(O médico) me fez voltar ao meu último momento com meu pai, sem qualquer técnica de hipnose ou algo parecido, só com a minha mente", conta.

E foi assim que ela regressou a 6 de janeiro de 1997, para seu último aniversário com seu pai e sua avó. No começo e no final de toda essa história.

"Fui com a minha mente para o último dia em que estive com meu pai e pela primeira vez na vida me lembrei daquele momento sem chorar. Vi as roupas que ele vestia. Eu o vi, vi tudo o que aconteceu naquele dia. Senti paz e tranquilidade que a justiça tinha sido feita por sua morte."

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