Impulsionadas por policiais, candidaturas de servidores públicos crescem 52% em 20 anos
Levantamento aponta que aumento de PMs que disputam cargos na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas foi de 120%
Nos últimos 20 anos, as candidaturas de servidores públicos cresceram 52,3%, sendo que, entre policiais militares, o aumento foi ainda mais expressivo: 120%. As informações são de um levantamento do Instituto República.org, com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os números se baseiam na autodeclaração da ocupação dos candidatos para a Câmara dos Deputados e as Assembleias Legislativas.
A ascensão política do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem forte apoio entre policiais, é vista como um dos fatores para o aumento de candidaturas de representantes do setor. Para além das demandas da corporação, os policiais candidatos passaram a defender pautas ideológicas e de costumes. Segundo o levantamento do República.org, somente de 2018 para 2022, ocorreu um crescimento de 39,41% das candidaturas de PMs para os legislativos nacionais e estaduais.
"Nós temos uma série de problemas na estrutura, que afetam o dia a dia do trabalhador policial. Esses problemas são antigos e conhecidos de quem atua na área, seja ele policial ou não", explica o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, ao citar desde baixos salários até questões ligadas à segurança. "Sempre temos pessoas denunciando as mazelas do setor, mas pouco avanço. Uma das consequências é um movimento associativista no caso das PMs ou sindical nas demais", explica.
Ao sair como candidato nas três últimas eleições, Luis Antonio Clemente, o Sargento Clemente, buscava combater o sistema político no País. "Corrupção, falta de comprometimento. Uma revolta", exemplifica, ao citar suas três candidaturas: para vereador, em 2016 e 2020, e para deputado estadual, em 2018. Sem se eleger, o sargento da Polícia Militar de São Paulo seguiu na ativa e, neste ano, busca ocupar uma das cadeiras da Câmara dos Deputados, pelo União Brasil.
O aumento das candidaturas, porém, representa um dilema, segundo Lima. Ao passo que antes, mesmo que em menor número, os policiais defendiam majoritariamente pautas ligadas ao próprio setor, agora, ao debater sobre temas ideológicos, eles dividem votos com outros candidatos que não são da categoria. "A centralização na figura do Bolsonaro e a ampliação do número de candidatos, porque as lideranças tradicionais foram enfraquecidas, pode provocar uma diminuição dos eleitos", sugere.
"É uma cultura autoritária e conservadora, que se desenvolveu, sobretudo, a partir do final da década de 1990?, explica o professor da Universidade de Brasília (UnB), Rodrigo Lentz, que estuda a participação dos militares na política.
Ainda de acordo com o Instituto República.org, as candidaturas de membros das forças de segurança, que incluem, além de PMs, bombeiros militares, membros das Forças Armadas, militares reformados e policiais civis, registraram um crescimento de 92,89% desde 2002, com a representação entre o total de candidatos passando de 4,39% para 5,07% no período. Já entre os servidores civis, esse porcentual caiu de 7,78% para 6,04%.
Corporativismo
Carlos Ari Sundfeld, professor da Fundação Getulio Vargas e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, lembra que o aumento de candidaturas de servidores pode, ao mesmo tempo, ajudar com o avanço de pautas ligadas a setores estratégicos e também na manutenção de privilégios e no corporativismo. "O servidor público não tem prejuízo nenhum em se candidatar", afirma, ao citar o direito à licença remunerada durante o período de campanha eleitoral. Os servidores públicos contam, historicamente, com lideranças mais organizadas e sindicatos fortes, por exemplo.
Uma bancada forte pode contribuir para o aumento de investimentos para um setor e melhorias nas condições de carreira. "Ter profissionais da Educação, por exemplo, ajuda na defesa de pautas mais difíceis, como o aumento de verbas para determinadas áreas", diz Sundfeld.
Há, porém, o risco de a concentração de servidores desequilibrar discussões relacionadas à reforma administrativa, que vem tendo dificuldades de avançar no Congresso. "Sem mexer no sistema político e, portanto, tendo que negociar com deputados e senadores que têm vínculos com as corporações públicas, ainda é possível fazer reformas, como foi a previdenciária", afirma Sudnfeld.